Nunca se falou tanto em mosquito!..., escreve o Cardeal...
O Planeta está doente, reflito angustiado pela verdade..., que assusta.
Li na semana passada uma manchete no jornal Correio Espírita:
Microcefalia - resgate ou descaso com a saúde?
A AME/Brasil (Associação Médico-Espírita do Brasil) entra no
tema Zika Vírus e o Aborto, mesmo assunto levantado pelo cardeal D. Odilo Scherer, Arcebispo de São Paulo.
O meu blog permaneceu um mês e mais um pedacinho em férias.
Volta hoje, retornando com a publicação de dois textos: a posição oficial da AME/Brasil sobre o
aborto, e um artigo de D. Odilo sobre o mesmo tema.
Zika, microcefalia e aborto
Cardeal Odilo P. Scherer
Arcebispo de São Paulo
Nunca se falou tanto em mosquito! E não é por nada, pois o
bichinho não só é capaz de fazer musiquinha chata no ouvido na hora que a gente
quer dormir, mas pode causar uma série de problemas à saúde, transmitindo vírus
causadores de doenças perigosas, como febre amarela, dengue, chikungunya e
zika.
Sua carga viral pode causar danos irreparáveis à saúde dos
bebês por nascer. Mesmo sem haver ainda uma comprovação científica cabal até este
momento, tudo indica que o vírus zika, transmitido pelo pernilongo pintadinho,
chamado com o nome erudito de aedes Egypti, é causador da microcefalia nos
fetos e crianças em gestação.
A preocupação é grande n Brasil e no mundo inteiro. Não se
pode vacilar e, além de usar proteções diversas para não ser picado pelo
mosquito, é preciso lutar para acabar com ele. Nessa guerra contra o inimigo
público comum, ninguém está dispensado: nada de água parada descoberta, pois é
lá que ele bota os ovos e multiplica sua força de ataque virulenta. Vasos de
flor, frascos, pneus velhos ou quaisquer recipientes de água deixados por aí,
até as belas bromélias e outras flores, podem virar criadouros do mosquito.
O cuidado para não ser picado pelo aedes Egypti já não basta:
já são várias as formas de transmissão do vírus zika, causador da microcefalia:
pelo sangue, a saliva e pela urina de quem está infectado. Até as relações
sexuais poderiam favorecer a proliferação do vírus. Todo cuidado, portanto, é
recomendado a quem tem ou teve uma febre por causa do vírus zika, para não
passá-lo a outros. A supervisão médica é recomendada em todo caso.
Como era de se esperar, o aumento dos casos de microcefalia
nesses tempos de zika reanimou os defensores da “descriminalização” do aborto:
querem aproveitar a psicose geral para conseguir a aprovação do Congresso
Nacional, ou pelo casuísmo no Supremo Tribunal Federal, as possibilidades de
mais um caso de “aborto legal”. Até uma autoridade da Organização Mundial da
Saúde, da ONU, recomendou com ênfase que os países onde anda o vírus zika,
devem descriminalizar o aborto.
Compreendo a aflição das mulheres, que se vêm na situação de
gerar um filho com microcefalia. Elas precisam ser amparadas e preparadas para
terem seu filho e cuidar dele adequadamente. E a mulher tem uma grande
capacidade de acolher e amar o que é pequeno, frágil e necessitado de proteção
e amparo. Que outra coisa poderia ser feita, sem deixar de ser uma decisão
nobre e digna da condição humana?
Afinal, por quais motivos, tanta insistência no aborto neste
momento? Não é o caso de insistir muito mais no combate ao mosquito e na
pesquisa científica, em vista de uma vacina eficaz contra os efeitos do vírus?
Por que os fetos e bebês por nascer têm de ser as vítimas do zika e também da
sociedade, que não quer saber de indivíduos com defeitos ou deficiências? Que
cálculos são esses, que levam logo à petição da pena de morte para esses
nascituros, já prejudicados pela natureza impiedosa?
Insiste-se em suprimir a vida de seres humanos e inocentes
porque são indesejados; ou porque terão um “padrão de qualidade” inferior ao
sonhado e estabelecido pela sociedade dos fortes, belos e sadios. De fato, a
lógica parece simples: serão seres com baixa capacidade intelectual e renderão
pouco para a sociedade; serão pesados a ela e não serão capazes de competir e
se afirmar num mundo exigente, que despreza os fracos. Enfim, não serão “vidas
viáveis” para eles próprios, nem adequados às expectativas de futuro para a
sociedade. Haveria outros motivos mais convincentes para decidir pela supressão
de seres humanos, antes mesmo de nascerem?
A pressão pela legalização do aborto de seres humanos com
deficiência é contrária à misericórdia: quer resolver o sofrimento e o
desconforto, suprimindo o ser humano que, sem culpa sua, possa ser o motivo do
desconforto. A misericórdia, própria de Deus e ensinada por Jesus, leva a
acolher o pequeno, o frágil, o indesejado, o feio, o incapaz, o rejeitado... E
a amar com amor infinito, restaurando sua deficiência. Aborto de crianças com
microcefalia está em aberto contraste com a misericórdia. De que lado ficamos?
Associação Médico-Espírita do Brasil
Zika Vírus e o Aborto
Os que defendem a legalização do aborto encontraram na
associação do aumento da microcefalia com o surto de zika vírus uma
oportunidade para retomar a discussão da liberação do aborto no Brasil.
Recentemente foi noticiado que grupo liderado pela Débora
Diniz, do instituto de bioética Anis, prepara uma ação no STF para a liberação
do aborto em casos de microcefalia. É o mesmo grupo que propôs a ação para
interrupção da gravidez de anencéfalos, acatada pelo STF em 2012.
A bióloga e feminista Ilana Löwy, numa entrevista para a
Revista ÉPOCA, vê no surto de zika vírus uma oportunidade para se debater o
direito de decisão da mulher de ter ou não o bebê, como aconteceu com a
epidemia de rubéola no Reino Unido. Interessante é que a Rubéola hoje em dia é
uma doença totalmente controlável e passível de prevenção através da vacinação,
deixando de ser um risco epidêmico, usado como justificativa para a liberação do
aborto na Europa.
Os argumentos utilizados se baseiam na liberdade da mulher
poder escolher o que é melhor para si, esquecendo que existe uma vida a qual se
está negando o primeiro e mais fundamental dos direitos humanos, o direito à
vida.
Cabe ressaltar que os fundamentos utilizados para liberar o
aborto dos fetos anencéfalos não se aplicam nesses casos.
O diagnóstico da microcefalia é tardio, em torno da 28ª
semana, diferentemente da anencefalia, que é feito a partir da 12ª semana de
gestação.
As lesões da microcefalia geralmente aparecem na
ultrassonografia depois da 24ª e não são incompatíveis com vida, como nos casos
de anencefalia.
Além disso, o diagnóstico ecográfico de lesão neurológica
não é 100% seguro, já que depende da análise de um profissional passível de
equívocos. Existem inúmeros relatos de erros em fetos com diagnóstico de
mal-formações neurológicas e que nasceram perfeitamente normais.
No entanto, os que argumentam em favor do aborto querem
transformar o diagnóstico de microcefalia em atestado de morte para todas as
crianças das mães que contraíram o zika vírus e que optarem pela interrupção da
gravidez, mesmo com possibilidades de nascerem normais ou com poucas sequelas
neurológicas.
Com o avanço da medicina fetal e da genética médica, hoje é
possível a detecção, ainda no útero, de várias anomalias fetais. Diversas
técnicas como ultrassom morfológico, ultrassom de terceira dimensão, a biópsia
de vilos coriais, a amniocentese, a cordocentese, o desenvolvimento da técnica
citogenética molecular permitem o diagnóstico intrauterino de várias doenças. O
diagnóstico permite iniciar o tratamento antes do nascimento, como cirurgias
intrauterinas para correções de más-formações, assim como a preparação
psicológica dos pais para o enfrentamento das graves anomalias.
Querer selecionar apenas as crianças saudáveis com direito à
vida é retomar a prática da eugenia feita na Grécia antiga e pelo nazismo,
abrindo um precedente para a liberação do aborto em outros casos de
microcefalia como as causadas por hipóxia neonatal, desnutrição grave na
gestação, fenilcetonúria materna, rubéola congênita na gravidez, toxoplasmose
congênita na gravidez, infecção congênita por citomegalovírus ou em doenças
genéticas como Síndrome de Down, Síndrome de Cornelia de Lange, Síndrome Cri du
Chat, Síndrome de Rubinstein – Taybi, Síndrome de Seckel, Síndrome de
Smith-Lemli–Opitz e Síndrome de Edwards.
Nesses casos pessoas como Ana Carolina Dias Cáceres,
moradora de Campo Grande (MS), hoje com 24 anos e formada em jornalismo, e tantas
outras crianças em situações parecidas, não teriam direito à vida.
Ao saber da iniciativa de alguns em defender o aborto de
fetos com microcefalia, Ana Cáceres veio a público dar seu depoimento a BBC do
Brasil em defesa dos portadores de microcefalia.
Nos casos microcefalia não se pode falar na opção de
abortamento, pois não se trata de patologia letal que inviabilize a vida
extrauterina. Embora as limitações que possam surgir, a expectativa de vida das
crianças com microcefalia não são diferentes das outras crianças, exigindo, no
entanto, estimulação e cuidados especiais para melhorar a sua qualidade de
vida.
A discussão do aborto em casos de microcefalia retrata bem o
momento pós-moderno em que vivemos, o que Bauman, um dos maiores pensadores da
atualidade, chama de modernidade líquida. Na modernidade líquida os indivíduos
não possuem mais padrões de referência, nem códigos sociais e culturais que
lhes possibilitem, ao mesmo tempo, construir sua vida e se inserir dentro das
condições de classe e cidadão.
A modernidade líquida trouxe descentramento do homem, do
sujeito, produzindo identidades híbridas, locais e globais, efêmeras sobre
tudo. É a cultura do efêmero, da destruição criativa, “tudo que é sólido
desmancha no ar” na imagem trazida por Berman.
Para a maioria dos autores, a pós-modernidade é marcada como
a época das incertezas, das fragmentações, do narcisismo, da troca de valores,
do vazio, do niilismo, da deserção, do imediatismo, da efemeridade, do
hedonismo, da substituição da ética pela estética, da apatia, do consumo de
sensações e do fim dos grandes discursos.
A educação recebida dos pais e das escolas, os valores
morais que orientam as boas relações sociais, o fortalecimento da família e a
busca do bem comum está perdendo espaço para novas formas de comportamento
regidas pelas leis do mercado, do consumo e do espetáculo.
Existe uma crise de valores com perda de referenciais
importantes em detrimento de uma vida superficial e de um discurso liberal.
Na sociedade pós-moderna predomina o ter acima do ser, o
prazer pelo prazer, o prazer acima de tudo, a permissividade que justifica que
tudo é bom desde que me sinta bem, o relativismo no qual não há nada absoluto,
nada totalmente bom ou mau e as verdades são oscilantes, o consumismo, se vive
para consumir, e o niilismo caracterizado pela subjetividade, a paixão pelo
nada, numa indiferença assustadora.
Renata Araújo descreve muito bem o sujeito pós-moderno:
“A pós-modernidade nos apresenta um sujeito imediatista,
fragmentado, narcisista, desiludido, ansioso, hedonista, deprimido, embora
também informatizado, buscando independência, autonomia e defesa de seus
direitos. Mas, a supervalorização e autonomia geram um individualismo, um
egocentrismo, uma ênfase na subjetividade, sendo o outro apenas para a
consecução de seus objetivos pessoais.” (ARAÚJO, p. 1 e 2)
Vive-se numa época de grande competitividade e de pouca
solidariedade. Em nome dessa nova ideologia, os indivíduos se permitem agir
passando por cima de valores fundamentais.
A coisificação da vida e o predomínio dos interesses
pessoais em detrimento do coletivo são bem característicos dessa fase em que
vivemos.
Entretanto, aprendemos com a genética que a diversidade é a
nossa maior riqueza coletiva. E o feto anômalo, mesmo o portador de grave
deficiência, como é o caso da microcefalia, faz parte dessa diversidade. Deve
ser, portanto, preservado e respeitado.
Necessário se faz proteger também a gestante, dando a ela
apoio em sua gravidez e proporcionando tratamento ao seu futuro filho.
Reconhecemos que a mulher que gera um feto deficiente
precisa de ajuda psicológica por longo tempo; constatamos, porém, que, na
prática, esse direito não lhe é assegurado.
O aborto provocado é um procedimento traumático com
repercussões gravíssimas para a saúde mental da mulher e que geralmente
aparecem tardiamente.
O aborto produz um luto incluso devido à negação da
ocorrência de uma morte real, mas esse aspecto é totalmente desconsiderado.
As mulheres sofrem uma perda e suas necessidades emocionais
são relegadas ou escondidas. Elas não conseguem vivenciar o seu luto e lidar
com a culpa. Esse processo vai gerar profundas marcas e favorecer o surgimento
da Síndrome pós-aborto (PAS).
Psiquiatras e psicólogos especializados em atender mulheres
que abortaram alertam para o aumento dos transtornos emocionais causados pelo
aborto provocado. Eles afirmam que os efeitos psicológicos do aborto são
extremamente variados e não são determinados pela educação recebida ou pelo
credo religioso. Esclarecem que a reação psicológica ao aborto espontâneo e ao
aborto involuntário é diferente, está relacionada com as características de
cada um desses dois eventos. O aborto espontâneo é um evento imprevisto e
involuntário, enquanto o aborto provocado interrompendo o desenvolvimento do
embrião ou do feto e extraindo-o do útero materno contempla a responsabilidade
consciente da mãe. As mulheres que se submeteram ao aborto afirmam que a culpa
não é gerada de fora para dentro, infundida nelas por outras pessoas ou pela
religião, ao contrário, ela surge e cresce em seu mundo íntimo a partir do ato
abortivo.
Os problemas emocionais gerados pelo aborto são tão graves,
que em muitos países onde ele é legalizado, foram criadas, pelas próprias
mulheres vitimadas pelo aborto, associações como a Women Exploited by Abortion
(Mulheres Exploradas pelo Aborto) nos EUA, e a Asociación de Víctimas del
Aborto (Associação de Vítimas do Aborto) na Espanha, que orientam e alertam
sobre as consequências prejudiciais do aborto.
O aborto não é definitivamente uma "solução fácil"
como afirmam muitos, mas um grave problema, um ato agressivo que terá
repercussões contínuas na vida da mulher.
As consequências danosas provocadas pelo aborto à saúde
mental nos países onde ele foi legalizado é tão grave como a depressão
profunda, que o Royal College of Psychiatrists (associação dos psiquiatras
britânicos e irlandeses), alertaram que a mulher deve ser comunicada para os
graves riscos emocionas que se submete caso opte pela interrupção da gravidez.
Portanto, aborto nunca será uma solução, sempre um lado ou
ambos serão prejudicados. Não é dando a mulher autonomia para matar seu filho
dentro de seu ventre que resolveremos os problemas sociais. Isto não passa de
demagogia. É necessário investir na educação das massas para prevenção da
gravidez indesejada, mas jamais matar uma criança inocente. Os fins não podem
justificar os meios.
A sociedade que apela para o aborto declara-se falida em
suas bases educacionais, porque dá guarida à violência no que ela tem de pior,
que é a pena de morte para inocentes. Compromete, portanto, o seu projeto mais
sagrado que é o da construção da paz.
A Associação Médico-Espírita do Brasil reitera seu
posicionamento contra qualquer forma de violência a uma nova vida que não põe
em risco a vida materna e que surge aguardando o auxílio de braços fortes e
sensíveis que lhe ampare em sua fragilidade.
Concitamos a todos os colegas das AMEs para continuarmos
firmes em defesa da vida e da paz.
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