domingo, 24 de abril de 2016

O SAGRADO FEMININO NA UMBANDA SAGRADA — ASAS DA LIBERDADE




POR ALANNA SOUTO









Na umbanda sagrada, religião anárquica e genuinamente brasileira, bem como as religiões de matriz afro, a representação do divino, também chamado simbolicamente de ‘O criador”, manifesta-se a partir da dupla polaridade de energias, masculina e feminina, que se desdobrará em diversas emanações divinas ou tronos da criação, como se refere Alexandre Cumino em sua obra Deus, deuses, divindades e anjos (2008), assentados e comandados pelo que se chama de Orixás. Em cada um desses tronos da criação há um correspondente masculino e feminino com determinada funcionalidade no âmbito da arquitetura divina, constituindo assim uma espécie de “yin e yang” da umbanda sagrada que irá reger cada reino natural do planeta e cada ser humano.


E nesta configuração das “realezas” dos orixás a partir de um criador uno, mater e pater, as representações femininas, também chamadas de yabas, carregam um poder simbólico muito forte atuando assim como verdadeiras expressões de empoderamento feminino dentro e fora do espaço sagrado, dando voz e força, especialmente para mulher e todo gênero que a identifica.

No passado, as complexas sociedades pagãs, como a antiga Roma, tentavam conciliar etnias e suas culturas respeitando todas as deidades com que deparavam, mas em geral cada cultura se concentra em algum aspecto divino. Logo cada caminho espiritual também estará conectado com a arvore da vida cabalística e suas representações nas sefirots que também tem suas emanações femininas.

Sendo assim numa sociedade ocidental colonizada e forjada na crença judaico-cristã, nômade e patriarcal, que o tempo todo associou D`us à uma representação masculina, usando termos, “pai” e “pastor” para designar o divino, aonde o mito da criação, segundo uma perspectiva interpretativa senso comum machista, puniu a mulher por ter se deixado manipular pela lábia canalha da serpente ao provar do fruto proibido da intocável árvore da sabedoria e induzido ainda o santo Adão ao mesmo pecado, resignou na memória popular, o papel de fragilidade, aleivosia e perfídia à mulher, confundindo-a com a própria serpente, que se diga de passagem, a cobra na umbanda tem uma representatividade sagrada, simbolizando cura e perspicácia, não à toa, animal de força da yabá mamãe Oxum.

Nesse sentido dentro do âmbito da cultura popular também encontraremos os espaços de resistências, os espaços de vivências de povos transportados de outro continente, das mais antigas e ricas civilizações escravizadas que juntamente com os indígenas para além dos casamentos inter-raciais com “brancos” formarão uma grande população mestiça de forte identidade afro-indígena e “cabocla” no caso da sociedade amazônica ainda em meados do século XVIII.

Esta sociedade miscigenada invisibilizada no seio da formação da sociedade brasileira em grande parte pelo discurso e representações da documentação oficial passa então demarcar seus espaços e subverter a ordem estabelecida por suas noções de espiritualidade herdadas e re-inventadas, aonde as yabás serão as grandes matriarcas sustentadoras dos espaços [fronteiras] de liberdade, a exemplo, dos quilombos e mocambos, espaços muitas vezes de encontros de índios e negros fugidos dos espaços de poder, especialmente na Amazônia, formando assim uma grande rede de solidariedade, subversão e resistência.

E nessa paisagem de conflitos quando cada amocambado pedia por vida, intervia Iemanjá, a geradora; quando solicitava-se prosperidade e união “familiar” intervia Oxum; quando necessitava-se guerrear e pensar estratégias de luta, chamava-se por yansã; e quando a vida parecia está por um fio, a velha yabá chegava devagarzinho com seu cajado para tecer esperança de viver e revitalizar as forças, curar e defender de todas as enfermidades geradas pelo terror da escravidão.

Por fim, há ainda, inabalável “moça” da festa, a exu mulher, a pomba-gira que gargalha na cara da sociedade castradora da sexualidade feminina e que secularmente apedreja a prostituta, a trabalhadora que vende o corpo por sobrevivência. A “Geni” guardiã das ruas, dos céus e dos infernos, aquela que resgata e equilibra os instintos mais vis, as Rosas que conduzem e libertam, mas que também prendem em seus espinhos e punhais aqueles que desafiam a Lei divina em ação.

Da “coisificação” do índio ao negro às mulheres afros, indígenas e caboclas violentadas e marginalizadas no campo e a beira rio, a floresta enegrece e amamenta suas crias que nunca se calaram, pois até os seus sábios silêncios são gritos constrangedores de denúncias ao mais vil deus homem das senzalas rurais e urbanas pós-modernas, pátrio decadente que cada vez mais tem dificuldade de respirar, o velho Chico chega no século XXI agonizando, teme a empáfia cabocla, “ as mulheres do fim do mundo” que vão para o enfrentamento; assusta-se com a nordestina selvática que subverte os espaços estelitas ou ainda “a marcha das vadias” desafiando os coronéis de gravatas de Norte à sul do país.

As icamiabas reagem, e sua melhor arma é o empoderamento educacional de suas identidades e raízes ancestrais. Uma árvore que vale a pena plantar e amar.

A mãe natureza, a criatriz que semeia a terra, gere suas “tribos” e demarca seus espaços das representações, embala e conta a história do seu povo, fortalece seus ancestrais, filhos e netos. 

Das lendárias amazonas que botaram para correr os hispânicos em suas naus de sangue, guardiãs dos mais longínquos rios de água doce às Yabas rainhas, caboclas da encantaria e suas pajés, curandeiras, zeladoras do santo, yalorixás de seus povos tradicionais de terreiro. Um alento materno, um canto de amor, força e luta.

ARREDA HOMEM QUE AÍ VEM MULHER!

ALUVIÁ, A GRANDE MÃE!

OKÊ, OKÊ, ARÔ CABOCLAS

ARANAUAM!

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