Dan Levin e Ian
Austen
Em Lac La Biche, Alberta (Canadá) 10/05/2016
Móveis e
árvores queimados no bairro de Beacon Hill, em Fort McMurray, em Alberta, no
Canadá |
Fort McMurray, ou "Fort Make Money" (Forte
Ganhar Dinheiro), como alguns canadenses a apelidaram durante seus anos
recentes de sucesso econômico, era o tipo de lugar atraente por causa das boas
oportunidades profissionais e dos contracheques gordos.
Os que se estabeleceram lá eram engenheiros competentes,
refugiados de países devastados pela guerra e batalhadores de todo o Canadá e
outros lugares, atraídos para um ponto no mapa no norte do Estado de Alberta,
uma cidade escavada na floresta boreal em uma região pujante com a riqueza do
petróleo, no oeste do Canadá.
Mesmo depois que o preço do cru começou a cair, no final
de 2014, eliminando milhares de empregos, muitos moradores conseguiram se
manter, apertando os cintos enquanto esperavam a volta dos bons tempos.
Então, no início da semana passada, fumaça e cinzas
encheram o céu, os primeiros sinais de um incêndio natural catastrófico que
avançava para a cidade. Toda a população de cerca de 88 mil pessoas foi
obrigada a deixar a área, a maioria em uma corrida frenética.
Desde então, o fogo consumiu áreas inteiras de Fort
McMurray, tornando-se um dos incêndios mais devastadoras da história do país.
As chamas em rápido avanço transformaram muitas casas --e as fotos de família e
outros tesouros que não puderam ser embalados a tempo-- em pouco mais que
carvão.
Chamas enormes arrasaram bairros inteiros, deixando para
trás chaminés calcinadas pairando sobre as cinzas de antigas salas de estar.
Muitos moradores lamentaram a perda do restaurante Denny's, que fora um popular
ponto de encontro antes que se evaporasse no calor infernal.
Até agora não há notícia de mortes em consequência do
incêndio, o que muitos consideram um milagre.
Shawn Adams, que fugiu de Fort McMurray com sua namorada
pouco antes de seu apartamento ser atingido pelas chamas, verifica roupa doada
em Boyle
Enquanto os moradores deslocados pedem indenizações do
seguro e escolhem entre pilhas de roupas doadas, muitos insistem em reconstruir
a cidade que lhes deu uma segurança financeira tão rara quanto a fonte de sua
prosperidade, as maiores reservas de areia betuminosa do mundo.
Fort McMurray "é o único lugar onde você pode
enterrar dez anos da sua vida e ganhar o suficiente para se aposentar",
disse Evin Lewis, 55, dono de uma empresa de transporte. Ele fugiu para um
centro de evacuados aqui em Lac La Biche, a cerca de 220 km ao sul, em sua
caminhonete, levando apenas a carteira e a roupa do corpo.
Por enquanto, as temperaturas mais baixas permitiram que
os bombeiros dominassem em parte o fogo, que se desviou da cidade. Mas ainda
consome uma floresta próxima e permanece o risco de que ele volte à cidade.
Até que ambientalistas contestassem o oleoduto Keystone
XL nesta década, a cidade e as reservas de areias betuminosas de Alberta eram
pouco conhecidas fora do Canadá e das companhias de petróleo do mundo. Mas as
tentativas de transformar seus depósitos de betume em combustível remontam a
décadas, e as fortunas de Fort McMurray subiram e desceram com elas.
Seu primeiro êxito moderno foi nos anos 1970, quando o
governo decidiu apostar nas areias oleosas difíceis de explorar e bilhões de
dólares fluíram para a região. Isto terminou de repente, quando o preço do
petróleo caiu nos anos 1980 e as areias subitamente pareceram uma curiosidade
agonizante.
O último boom, e muito maior, ocorreu na última década,
aproximadamente, quando a demanda global por petróleo aumentou puxada pela
ascensão da China e as companhias passaram a empregar tecnologia mais eficiente
para extrair óleo das areias.
Carros e casas incendiados no bairro de Beacon Hill, em
Fort McMurray
Fort McMurray, que começou como um posto de comércio de
peles nos anos 1800, nunca foi tão bonita quanto a floresta que a rodeia. O
centro, que até agora escapou do incêndio, é uma cápsula do tempo arquitetônica
dos anos 1970, cheia de prédios baixos construídos às pressas.
E mesmo no melhor momento a cidade dá uma sensação de
comunidade universitária, em que a maioria dos empregos nas grandes companhias
de petróleo tornava-se o que os moradores chamam de "vaivém".
Esses funcionários vinham de todo o Canadá, e depois de
pousar no aeroporto de Fort McMurray eram imediatamente levados de ônibus por
seus empregadores para acampamentos mais próximos dos projetos de areias
betuminosas, onde trabalhavam em turnos de duas semanas antes de voltar para
casa.
Ainda assim, com tantos empregos em soldagem, construção
e transporte, a população inchou de 38 mil em 2000 para mais de 90 mil em seu
apogeu. Terrenos que custavam 27 mil dólares canadenses (R$ 74 mil) por acre
(cerca de 4 mil m2) na virada do milênio chegaram a 1 milhão de dólares
canadenses (R$ 2,7 milhões), enquanto novos loteamentos avançavam cada vez mais
fundo pelas florestas de pinheiros.
"Médicos e advogados não ganham tanto quanto
nós", disse Chad Abbott, 50, supervisor de uma empresa de andaimes.
Donativos são recebidos em Boyle
Abbott mudou-se para Fort McMurray em 1998 com sua
família e trabalhou em uma usina de betume ganhando cerca de 250 mil dólares
canadenses (R$ 690 mil) por ano. Ele fazia parte de uma comunidade unida da
cidade, composta principalmente de empregados em serviços de petróleo,
trabalhadores e engenheiros do ramo, muitos dos quais perderam tudo o que
possuíam.
Inicialmente, durante o boom mais recente, Fort McMurray
aprovou que grande parte da força de trabalho ficasse nos acampamentos
distantes. Mas a falta de conexão desses trabalhadores com a cidade, assim como
a falta dos dólares que gastariam lá-- acabou provocando ressentimento.
"No começo eles não queriam os trabalhadores na
cidade porque eles trariam toda a confusão que você imagina no Velho
Oeste", disse Stephen Ross, presidente da imobiliária Devonian Properties,
que começou a comprar terrenos no lugar em 2000.
A cidade não conseguiu manter à distância os costumes
escusos: durante algum tempo, uma série de clubes de strip-tease fez bons
negócios. Mas ao longo dos anos Fort McMurray aparou as arestas. Seus bairros
se encheram com uma mistura de sotaques e nacionalidades, de habitantes da
Terra Nova [leste do Canadá] e filipinos empregados em hotéis e postos de
gasolina e motoristas de máquinas pesadas de Fiji.
Antes do incêndio, o número de casas de strip-tease tinha
se reduzido para apenas um, o Showgirls, perto do fim da principal via da
cidade, a Franklin Avenue. A vários quarteirões dali, a mesquita Markaz ul
Islam, de cúpula verde, havia se tornado pequena demais para as orações da
sexta-feira, obrigando a multidão a usar o ginásio de uma escola católica
próxima.
Susan Woodward, que está preocupada com os cachorros que
deixou para trás quando abandonou Fort McMurray, em refúgio em Lac La Biche
Samya Hassan, 51, uma refugiada do Iêmen que usa o lenço
hijab, veio para o Canadá em 1990 e se assentou em Fort McMurray há quatro anos
com sua família. Eles prosperaram. Seu marido conseguiu um emprego como
motorista de caminhão e ela como caixa, o suficiente para pôr os três filhos na
escola.
Tudo acabou na terça-feira (3), quando ela e sua família
fugiram. O fogo rugia ao lado da estrada enquanto eles se arrastavam na enorme
fila de carros. Ela usou seu lenço de cabeça para respirar entre a densa fumaça
preta que escondia o sol.
Hassan conseguiu pegar seu passaporte, mas não as fotos
da família. "Terei de recomeçar a vida, como 25 anos atrás", disse
ela.
Para os inúmeros moradores desalojados, as coisas
perdidas que o dinheiro não pode comprar são as mais valiosas. Ariana Caissie,
22, levou seus dois gatos, mas disse que as receitas de seu pai, já falecido,
se perderam porque sua mãe não teve tempo de salvá-las. "Agora são só
memórias", afirmou.
Os residentes, inclusive políticos locais, estão
decididos a reconstruir, mas restam perguntas sobre o que será Fort McMurray.
"Dependendo do que conseguirmos sonhar --e realmente fazer--, é um mundo
totalmente novo", disse a prefeita Melissa Blake em uma entrevista.
Adam Rairdon, um ex-chefe de cozinha, tinha investido
muito em Fort McMurray para ir embora. Depois de gastar cerca de US$ 20 mil (R$
70 mil) para estudar radiografia industrial, ele deixou Halifax, na Nova
Escócia [leste do país], com sua mulher, Laura, há quatro anos e encontrou
emprego na cidade pujante.
Cerca de um mês antes que os preços do petróleo
começassem a cair, eles compraram uma casa e começaram a reformá-la.
Rairdon, que deixou o emprego para trabalhar na casa,
lembra que ouviu no rádio as notícias da queda dos preços do petróleo enquanto
derrubava as paredes. Naquela
época, Laura Rairdon engravidou.
Pilhas de donativos enchem o Bold Center, centro de
recreação transformado para atender os desabrigados pelos incêndios florestais,
em Lac La Biche
Em janeiro de 2015 a empresa em que Adam trabalhava
começou a demitir. Diferentemente de alguns de seus colegas, ele conservou o
emprego, mas perdeu cerca de um quarto do salário, como explicou diante do
local de uma feira em Edmonton, hoje um lar temporário para ele, sua mulher e o
bebê de 10 meses.
Adam viu um vídeo que confirmou que sua casa foi quase
toda destruída. Em breve ele irá com a mulher e o filho para a casa de seus
sogros em New Brunswick. Depois, disse Rairdon, comprará um trailer de segunda
mão e voltará a Fort McMurray para ajudar na reconstrução.
"Assim que eles abrirem os portões, irei com uma pá
e botas de trabalho e vamos limpar nossa cidade", disse. "Há muitos
que provavelmente não podem, muitos que não conseguem e muitos que estão
desanimados e provavelmente não irão. Mas eu só posso falar por mim mesmo, e
digo que não fui derrotado."
Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves.
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