26 de Abril de 2017
Em 1847, um ano antes das revoluções de 1848 na Europa
Ocidental e da edição do Manifesto Comunista, os operários ingleses, depois de
muitas batalhas, conseguiram a regulamentação de 10 horas de trabalho diários.
Ali, uma vez conquistadas as 10 horas, de imediato começou a campanha,
vitoriosa até hoje em dia, das 8 horas de trabalho. O lema da campanha do
movimento operário propalava persuasivamente que uma pessoa, para viver a vida
como gente e não como gado, deveria ter direito a um dia de 8 horas de sono, 8
horas de lazer e 8 horas de trabalho. Uma outra economia política era possível.
Marx e Engels
escreveram muitas vezes que as vitórias, políticas e parlamentares, das
campanhas de redução da jornada de trabalho –
especialmente as 8 horas – significavam as primeiras vitórias da
economia política do trabalho sobre a economia do capital. Pudera, a revolução
industrial custou o sangue e o suor de horas e mais horas de trabalho dos
trabalhadores e trabalhadoras, homens e mulheres operando para o patrão em
descontrole, até a exaustão físico-biológica do bagaço do corpo.
Pelo desejo do
capital, a exploração da mais-valia era absoluta, sem contrapesos sociais de
nenhuma espécie. Deixado ao deleite da própria natureza, passa ao largo da
lógica do capital qualquer contrapeso social à superexploração do trabalho. No
entanto, a marcha da história cuidou de oferecer contrapesos à ação descontrolada
do capital. A mais-valia relativizou-se com a regulamentação da jornada. Essa
foi a porta de entrada do Estado e da justiça social no mundo do capital, visto
que, no começo da revolução industrial, o contrato social se resumia a
indivíduos consumidores e proprietários, excluindo, portanto, o reconhecimento
dos trabalhadores.
Esse rico processo
de o contrato social, na primeira sociedade burguesa, abrir-se ao princípio do
trabalho (vale dizer, da mais-valia absoluta à mais-valia relativa) e
reconhecimento dos trabalhadores como agente político, ancorou a luta pela
democratização do Estado. Junto vieram as reivindicações das mulheres pela
participação no sufrágio eleitoral; enfim, toda a demanda represada de
ampliação dos direitos. À guisa de comentário, deve-se entrever que toda essa
verdadeira “grande transformação" não ocorreu apenas por meio de um debate
intelectual – embora ele tenha sido; claro, fundamental. Antes de
tudo, os trabalhadores entraram em cena como novo sujeito político.
Dessa maneira, a
luta pela redução da jornada, conjugada às batalhas pelo sufrágio universal, os
direitos das mulheres etc., logo desembocou, como um de seus principais
componentes, em um complexo processo de “constitucionalização do trabalho”. Trata-se
talvez da principal forma de acesso à leitura da história contemporânea do
século XX.
Neste ínterim,
chamo a atenção para a realidade de que são variadas as economias políticas do
trabalho. Uma, de conteúdo emancipatório, atende pela tradição marxista. Mas
existem outras escolas, a exemplo do fabianismo inglês, as interpelações
corporativas do positivismo francês e a economia social alemã, nenhuma dessas
revolucionárias, mas atentas ao jogo de reformas no capitalismo. No século XX,
apareceram os diversos corporativismos de direita – principalmente o fascismo
italiano –, bem como, de nosso especial interesse, as experiências populistas
de afirmação nacional latino-americanas, de Vargas, Cárdenas e Péron. Essas
experiências divergentes, no entanto, combinam o traço comum de
constitucionalizarem o trabalho.
Examinando o
processo histórico da perspectiva de hoje, é correto afirmar que os
trabalhadores fizeram no século XX, por meio do processo de
constitucionalização do trabalho, um acordo fáustico, um jogo de perdas e
ganhos. A mais importante de todas essas experiências foi o chamado
“compromisso fordista”, especialmente os casos de Welfare State da Europa
ocidental.
No Brasil, a
“cidadania fordista” - ou o processo de “constitucionalização do trabalho
tupiniquim” - aconteceu durante a chamada “era Vargas”. São muitas e
diversificadas (modernização conservadora, revolução passiva etc.) as polêmicas
interpretativas a respeito. Não é o caso de enveredar no tema. No entanto, é
mais ou menos assente que Vargas, após assumir o Estado em 1930, trouxe a
figura do trabalhador (mesmo que de maneira subordinada) ao proscênio da
aliança de classes.
A grande expressão deste processo - a verdadeira
constitucionalização dos direitos do trabalho no Brasil -, sem dúvida, é a edição da Consolidação das
Leis Trabalhistas (CLT), em 1943.
A partir daí, o
nosso trabalhador deixou de ser simplesmente o “caso de polícia” da República
Velha. Ao contrário, em uma larga viragem histórica, transformou-se em um ator político decisivo de nosso
desenvolvimento. Doravante, o trabalhador brasileiro ultrapassou a condição de
mero fator de produção. Assumiu - ou foi, na nota dominante, assumido pelo
alto, paternalisticamente - à condição de cidadão.
Pois bem, a loucura da proposta de reforma trabalhista do
Temer prevê exatamente um fim no processo de constitucionalização do trabalho
no Brasil. É gravíssimo! É isso que Rodrigo Maia, presidente da Câmara,
pretende por em votação nesta quarta-feira (26/04). Para ter uma ideia da
abrangência da proposta de reforma trabalhista, ela pretende a flexibilização
de direitos assegurados aos trabalhadores no artigo 7º da Constituição Federal,
que abrange um conjunto de 34 itens, e mais de 100 artigos da CLT, desde que mediante o eufemismo de
"negociações coletivas". A ideia é listar tudo o que pode ser
negociado para evitar que os acordos que vierem a ser firmados por sindicatos e
empresas após a mudança nas regras possam ser derrubados pelos juízes do
trabalho, cuja importância de arbitragem vai diminuir exponencialmente.
Fazem parte dessa lista os direitos que a própria
Constituição já permite flexibilizar em acordos coletivos, como jornada de
trabalho (oito horas diárias e 44 semanais), jornada de seis horas para
trabalho ininterrupto, banco de horas, redução de salário, participação nos
lucros e resultados e aqueles que a Carta Magna trata apenas de forma geral e
foram regulamentados na CLT. Estão ameaçados neste grupo, as férias, 13º
salário, adicional noturno e de insalubridade, salário-mínimo,
licença-paternidade, auxílio-creche, descanso semanal remunerado e FGTS, entre
dezenas de outros itens.
Na prática, tudo o que estiver na CLT poderá ser alvo de
uma negociação, compondo um inferno dantesco aonde o gume aguçado da guilhotina
dos patrões cortará ao meio o pescoço dos trabalhadores. Somado ao projeto de
terceirização, recém-aprovado, e à reforma da previdência, em definitivo, o
trabalho será desconstitucionalizado no Brasil. O Brasil se transformará, de
fato e de direito, em um paraíso do capital. Cruzaremos, assim, em combinação
explosiva, a rota do apartheid e da escravidão remunerada.
Dessa maneira, torna-se imprescindível a nossa
participação e união na greve geral no dia 28 de abril em defesa dos direitos
dos trabalhadores de todo país.
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