Dom Walmor Oliveira de Azevedo - Arcebispo Metropolitano de Belo Horizonte - MG
Parece estar cada vez mais distante o tempo em que se
investia em civilidade e urbanidade. Era
comum, nos lares, ouvir os pais corrigirem seus filhos, valendo-se de
expressões com tons de advertência: “cria modos”, “tenha compostura”. De modo
semelhante, as escolas, instituições religiosas e culturais costumavam investir
em processos formativos para que os alunos aprendessem as normas da boa
convivência. Com o passar dos anos, esses necessários requisitos foram perdendo
a importância, comprometendo os princípios de urbanidade que poderiam garantir
processos relacionais qualificados e imprescindíveis para a civilidade. Não há dúvidas de que a qualidade na dimensão
relacional de um povo é determinante, para o bem ou para o mal, nas dinâmicas
sociais. Por isso é importante reconhecer: investir em civilidade é necessidade
real e urgente.
Pode parecer que esse investimento seja supérfluo ou esteja na contramão do mundo pós-moderno. Afinal, vive-se num tempo em que as subjetividades reivindicam absoluta autonomia. Um contexto que leva à consideração de que tudo aquilo que não corresponde aos interesses individuais imediatos é indevido e, consequentemente, inaceitável. Com isso, cada pessoa orienta seu comportamento observando apenas as suas ambições, desconsiderando a vida dos outros. O abandono do necessário processo de aprendizagem das posturas que garantem civilidade contribui para que haja um terrível primado do subjetivismo. Consequentemente, cada pessoa passa a considerar-se como norma e referência absolutas.
A possibilidade de “cada cabeça” estar livre para
proferir “sentenças” contribui para alimentar uma perversa anomia. Com a falta
de regras e normas, cada um passa a fazer o que quer e como bem entende, sem
obediência e reverência a parâmetros inegociáveis. Caminho livre para que a
arbitrariedade se instale e alimente violências, descasos, subestimando, assim,
a sacralidade da vida. Não cultivar a reverência às posturas que garantam
civilidade compromete o respeito, a percepção das diferenças, a competência para
valorizar aquilo que realmente conta e sustenta o equilíbrio da vida em sua
complexidade. Esse mal atinge não apenas algumas pessoas ou segmentos da
sociedade. Alcança todos, desencadeando descompassos no âmbito da cultura.
Alimenta prejuízos que incidem na economia, no tecido social e no conjunto dos
hábitos e das vivências que definem o jeito de ser de um povo.
Diante da hegemonia da lógica do mercado, com suas
dinâmicas que pesam principalmente sobre o ombro dos mais pobres, torna-se mais
difícil perceber e considerar a influência determinante da civilidade, que
abrange desde as pequenas atitudes aos gestos mais significativos, capazes de
configurar, no dia a dia, avanços rumo a uma sociedade mais solidária e justa.
No entanto, sem investir na civilidade, todos continuarão a conviver com
situações problemáticas, a exemplo da frequente incapacidade para respeitar o
bem comum, das tendências ao desperdício e à depredação. Não se pode deixar de
constatar que certos estilos de vida social - com suas práticas, privilégios,
gastos excessivos e desnecessários - alimentam um imaginário que está longe
daquilo que constitui a dignidade humana. Também é sintomática a
insensibilidade diante de um dever, que é de todos: contribuir para o cuidado
social e o amparo aos mais pobres, a partir do apoio a projetos que tornem a
sociedade um lugar melhor para se viver, marcado por valores alicerçados no
amor e no respeito à vida.
O grau de urbanidade incide ainda sobre o estabelecimento
de prioridades no contexto social - do uso honesto dos recursos para promover o
bem-estar de todos até a definição de impostos.
Isso significa comprometer-se mais com a promoção e a vivência da ética,
do equilíbrio e de qualificadas relações entre os cidadãos. Uma dinâmica capaz
de constituir o tecido cultural que transforma as pessoas, permitindo o
aprendizado do sentido de respeito e reverência, bem diferente dos muitos
descompassos característicos desta pós-modernidade, a exemplo dos
comportamentos “viralizados” nas redes sociais. Apenas assim será possível
promover a formação de líderes com refinado sentido social e político,
realmente capacitados para oferecer respostas às demandas de uma sociedade mais
ética. Eis um caminho para reverter o
que tanto se amarga neste momento. A sociedade precisa de civilidade e
respeito.
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