José Sarney
Desceu sobre o nosso Estado uma vergonha nacional.
A visão que foi projetada foi cruel. E ninguém acreditava
que, no Brasil, pudéssemos ter uma reminiscência das formas de tortura da Idade
Média, onde eram raras as cadeias, mas em geral as pessoas ficavam amarradas em
esteios, cavernas e masmorras — ou penduradas em gaiolas. Era uma maneira de se
chegar à aplicação das penas conhecidas, que eram marcas infamantes, mutilações
e mortes cruéis. A forma da morta era escolhida de maneira que fosse lenta — por
isso a “modernidade” da guilhotina, que era rápida.
Não sei se, na União Soviética, que morreu sem deixar
saudades, mas o saldo de mais de trinta milhões de mortos, o Stalin do
comunismo de Estado construía gaiolões.
A verdade é que Barra do Corda, em nosso Estado, não
merecia notoriedade nacional por esse motivo: ter sido descoberto um pequeno
campo de concentração para punir pessoas, expostas à degradação, uma vez que
era um espaço cercado de grades, de alto abaixo, um quadrado acimentado, em que
um ser humano, sem água e sem lugar para fazer suas necessidades, fica na degradação
humilhante de acocorar-se, esparramar-se no chão, ou ficar em pé, de qualquer
forma exposto ao sol durante todo o dia, podendo sofrer queimaduras, feridas e
sequelas externas e internas.
O homem, através dos tempos, chegou a um momento em que a
insensibilidade tomou conta dos corações.
Mas ninguém deixou de pungir-se com a cena do gaiolão de
Barra do Corda, em que Francisco Lima e Silva, exposto a essas condições tão
desumanas, só teve o alívio da morte.
O Ministério Público e a Defensoria daquele Município,
desde o mês de agosto, pediam que a monstruosidade fosse interditada. O juiz
negou a inicial. Mas eles tiveram o cuidado de distribuir a denúncia da
crueldade ali existente a todas as entidades nacionais que vigiam os direitos
humanos.
O Governo do Estado lavou as mãos, e agora, diante da
tragédia, diz que a culpa não é dele, mas de seus adversários. Essa fuga já não
existe mais, pois, há três anos, estamos mergulhados nessa insensibilidade, que
chegou ao máximo com o de que agora o País toma conhecimento.
Nada se fez. Nada se está fazendo. E acredito que nada se
fará. Por muito menos, Roseana sofreu uma campanha política comandada pelos
governantes atuais, que a responsabilizavam por uma disputa, também cruel,
entre facções de bandidos.
Sobre essa campanha, que tinha objetivos eleitorais, um
dia vão ser esclarecidas as suspeitas que pesam de terem sido promovidas com
intuito político, que finalmente deu resultados.
O Dr. Janot ameaçou pedir intervenção no Estado,
denunciar à ONU, na Comissão de Direitos Humanos, e para cá mandou uma comissão
de procuradores, cuja função era apenas atingir o objetivo político.
Quando assumi o Governo do Maranhão, em 1966, ainda
tínhamos, em nosso Estado, o famoso tronco da Idade Média, que foi usado contra
os escravos e continuou depois da abolição, com os prisioneiros a ele ficando
acorrentados e expostos à execração pública. Fui à televisão, mostrei as
correntes e acabei com esse tipo milenar de privação de liberdade e preparação
para a morte.
Agora me parece que o gaiolão é um tronco moderno, feito
de cimento e vergalhões de ferro.
No tempo da escravatura, diziam que, para os pretos, só
tinham três “P”: pano, pão, porrada. Essa é a lei que está voltando em nosso
Estado.
No momento em que toda a Nação pede a manutenção da lei
do trabalho escravo, nós estamos vendo aqui não o trabalho escravo, mas a
execução com crueldade de um comerciante, que paga com sua vida o grito de
todos nós pedindo que esse tipo de prisão e outros cruéis, que caracterizam o
sistema prisional brasileiro, acabem para sempre.
O maranhense é um povo pacífico, ordeiro, generoso e não
aceita que gaiolão rime com Maranhão.
José Sarney
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