Contrária à intervenção federal, a política havia criticado
dias antes ação da PM em Acari
El País
"Sou fruto do pré-vestibular comunitário", disse
Marielle Franco para lembrar quando anos atrás se engajou num cursinho no
complexo da Maré, uma das maiores favelas do mundo, para ter alguma chance nos
vestibulares mais concorridos do Rio de Janeiro. Passou o microfone para outra
mulher negra da roda e pediu apoio e compartilhamentos de seus seguidores no
Facebook, que seguiam a transmissão ao vivo do evento Roda de conversa Mulheres
Negras Movendo Estruturas. Pouco tempo depois, seu rosto e suas palavras e sua
trajetória de ativista negra inundariam as redes em choque pelo horror: a
vereadora do PSOL, 38, a quinta mais votada no Rio em 2016, havia sido
assassinada a tiros na região central do Rio de Janeiro sob intervenção federal
militar.
O crime nesta quarta-feira aconteceu na rua Joaquim
Palhares, no Estácio, e o motorista que estava com ela também foi assassinado.
De acordo com a imprensa carioca, a vereadora estava acompanhada ainda da
assessora Fernanda Chaves, que sobreviveu. Segundo o jornal Extra, a Polícia
Civil encontrou pelo menos oito cápsulas no local. Os relatos preliminares dão
conta de que os criminosos abriram fogo contra o carro. Nenhum objeto foi
levado. "Há sinais de execução", disse, emocionado, o deputado
estadual Marcelo Freixo, de quem Marielle foi correligionária no PSOL e assessora,
no Jornal da Globo. Segundo o mesmo telejornal, crime de mando ou execução é
também a principal hipótese com a qual a polícia trabalha neste momento.
O PSOL também lançou nota, que pede apuração:
"Exigimos apuração imediata e rigorosa desse crime hediondo. Não nos
calaremos!" Dias antes do assassinato, Marielle Franco havia criticado a
ação supostamente violenta dos policiais na comunidade do Acari, no Rio.
"Precisamos gritar para que todos saibam o está acontecendo em Acari nesse
momento. O 41° Batalhão da Polícia Militar do Rio de Janeiro está aterrorizando
e violentando moradores de Acari. Nessa semana dois jovens foram mortos e
jogados em um valão. Hoje a polícia andou pelas ruas ameaçando os moradores.
Acontece desde sempre e com a intervenção ficou ainda pior", escreveu, na
citação do jornal O Dia de quatro dias atrás. Em 28 de fevereiro, ela havia se
tornado relatora da comissão destinada a acompanhar a controversa intervenção
federal. Uma imagem com a frase "não foi assalto" se espalhava
rapidamente pelas redes na noite de quarta-feira.
Marielle, de 39 anos, se formou pela PUC-Rio e fez mestrado
em Administração Pública pela Universidade Federal Fluminense (UFF), com foco
nas UPPs. Ela coordenou a Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania
da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), ao lado do deputado
Marcelo Freixo. A ativista decidiu pela militância em direitos humanos após
ingressar no pré-vestibular comunitário - justo o momento que lembrou nesta
quarta no evento com outras mulheres negras - e com a morte de uma amiga a
tiros. Ela deixa ao menos uma filha de 19 anos.
Repercussão
O assassinato de Marielle e de seu motorista coloca em
xeque mais uma vez as políticas para conter a criminalidade no Rio. "Estou
devastado (...) Temos estado juntos na longa militância. Estive com ela dois
dias antes de viajar, semana passada. Faltam palavras para expressar o horror e
mal posso imaginar o que se passa na cabeça de sua filha e de sua família. E o
motorista, sua família, um trabalhador inocente, honrado? A polícia confirma
que foi execução", desabafou nas redes sociais o cientista político Luiz
Eduardo Soares, especialista em segurança pública. Soares lembrou o caso da
juíza Patricia Acioly, assassinada em 2011 por policiais militares, afirmando
que "é possível que o mesmo tenha acontecido" com Marielle.
"(...) quando a população vai despertar e entender que a insegurança
pública começa nos segmentos corruptos e brutais das polícias, e que não
podemos conviver mais com esse legado macabro da ditadura. Vamos continuar
falando em "desvios de conduta individuais"? O que fazer, agora, além
de chorar?", escreveu Soares.
A Anistia Internacional divulgou uma nota pedido que o
Estado, através dos diversos órgãos competentes, faça uma investigação imediata
e rigorosa do assassinato da vereadora. "Marielle Franco é reconhecida por
sua histórica luta por direitos humanos, especialmente em defesa dos direitos
das mulheres negras e moradores de favelas e periferias e na denúncia da
violência policial. Não podem restar dúvidas a respeito do contexto, motivação
e autoria do assassinato de Marielle Franco".
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