Marli Gonçalves
Queria ser jardineira e plantar concórdias, que seria uma
flor linda, viva, fértil, que eu inventaria e espalharia pelo mundo todo,
começando por São Paulo, e torcendo para que as sementes fossem carregadas por
todo o país. Quem a olhasse seria imediatamente acalmado e passaria a prestar
mais atenção no que o outro diz. Seu aroma e colorido se embrenhariam nas
casas, nos gabinetes, e todos seriam invadidos por uma sensação de mais lógica,
paz e bem-estar.
Sonho meu, sonho meu, vai buscar quem mora longe, sonho
meu… Ainda é permitido sonhar, não? Pois bem. Faço isso agora. Parei para
pensar um pouco sobre como está difícil achar o ponto de concórdia, sobre
qualquer assunto, tema. Um mínimo equilíbrio de bom senso e raciocínio. Onde
foi que nos perdemos?
Não é saudosismo, ao contrário, tenho achado que estamos
andando para trás, mas muito para trás, lá atrás, quase chegando em um passado
que deveria estar soterrado, onde não havia comunicação entre as pessoas,
apenas opressão e violência, dominação. Até por causa disso, já interrompo o
ataque: não estou falando só de política, dessa gente que vem, mas que passa,
muitas vezes como um vendaval que a tudo destrói, arrasta. E que seguidamente
tentamos reconstruir.
Refiro-me a nós. Às conversas olho no olho, aos debates
divertidos e ricos, com argumentos. Não esse clima de saloon, de bangbang que,
por discordar do outro se pensa em eliminá-lo, seja com gestos, seja com
palavras, ou mesmo…Um clima que se embrenhou por aqui, e parece estar colado,
não passar nem com reza braba.
Qual é a vida real que estamos vivendo? Essa, das redes
sociais? Curti, amei, haha, uau, triste, grrr, com as carinhas – emojis –
correspondentes. Ou essa das fotos, selfies, com boquinha de pato, em
invejáveis cenários paradisíacos? Não colecionamos mais figurinhas.
Colecionamos pessoas, seguidores, “Ks”, amigos, inclusive muitos que nunca
vimos e nunca veremos – até porque alguns nem existem mesmo, são robôs. Amigo
virou palavra com outros sentidos. Podem
até ser meras arrobas, atrás das quais se escondem intenções. Nossas vidas
viraram livros abertos; muitos contando apenas histórias da carochinha. Estamos
todos vestindo pesadas burcas, só com os olhinhos aparecendo e os dedinhos
teclando, passando, repassando qualquer coisa. Assim fica fácil enganar, fazer
correr e escorrer o mal.
As minhas flores concórdias teriam fortes atrativos para
reunir pessoas em torno delas, todas obviamente concordando em pelo menos um
ponto. A partir daí poderíamos começar de novo a discutir outros temas.
Proponho que o primeiro seja liberdade, liberdade individual, cada um vive a
sua, desde que não interfira na do outro. Perguntas teriam respostas. Análises,
críticas e comentários seriam bem-vindos, e rebatidos numa medida educada, da
argumentação sem xingação, e especialmente sem paixões políticas, essas
desgraçadas formas de amor que sempre trazem desapontamentos. Sempre. É só
aguardar. Por mais otimistas que sejamos.
Sempre nos orgulhamos de ser um país gentil, feliz,
variado, abrigando todas as raças e credos, comunidades imigrantes de todos os
países. Abertos a batalhas, sim, desde que justas e solidárias. Ultimamente
estamos ao contrário.
As desavenças e discórdias não são de agora, mas nos
fazem muito mal. Pensamos em nos armar, ao invés de nos amar. Em proibir, ao
invés de respeitar.
Pense nas concórdias. Ajude a espalhá-las. Enquanto é
tempo. Antes que as rosas das rosas, as rosas hereditárias, as rosas
radioativas estúpidas e inválidas, sem cor, sem perfume, sem rosa, sem nada, se
espalhem em nossos canteiros.
Marli Gonçalves, jornalista
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