sexta-feira, 23 de agosto de 2019

O fenômeno que escureceu São Paulo

Pesquisadores descrevem fenômeno que escureceu SP e sua relação com as queimadas na Amazônia


Cristiane Prizibisczki

Fonte – Portal oeco

Desde o final da tarde de segunda-feira (19), quando o céu da capital paulista escureceu repentinamente a partir das 15h, pesquisadores buscam entender os motivos do fenômeno. O evento seria explicado unicamente pelas fumaças dos grandes incêndios florestais que consomem a floresta Amazônica ou pela presença de uma frente fria que formou nuvens densas e pesadas? Para pesquisadores, o “dia escuro” em São Paulo foi uma junção dessas duas situações.

“O evento deve ser considerado como a combinação de duas condições coincidentes, porém de natureza física distinta: a entrada de uma frente de ar frio, e a presença de uma nuvem de fumaça proveniente de queimadas originadas a centenas e até milhares de km de distância”, explicou Alberto Setzer, coordenador do Programa Queimadas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), em nota enviada na tarde de quarta-feira (22).

Segundo Setzer, engenheiro ambiental que há mais de 20 anos estuda as queimadas na Amazônia em parceria com a agência americana Nasa, em 9 de agosto uma nuvem gigante de fumaça formada pelas emissões de incêndios florestais já havia sido indicada pelo Programa Queimadas, conforme figura 1, que mostra a nuvem de fumaça e as concentrações de aerossóis medida pelo sensor MODIS do satélite AQUA.


Imagem: Queimadas/CPTEC/INPE.

No domingo (18/08), a mesma nuvem foi detectada por uma equipe do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen), por meio do sistema Lidar, do Centro de Laser e Aplicações (CLA). Posteriormente, com auxílio de imagens de satélites da Nasa e de um modelo usado pelo Ipen que prevê a trajetória percorrida por massas de ar, os pesquisadores deste instituto também concluíram tratar-se de partículas provenientes de queimadas ocorridas nas regiões do Centro-Oeste e Norte, entre Paraguai e Mato Grosso, abrangendo trechos da Bolívia, Mato Grosso do Sul e Rondônia.

Setzer, do INPE, explica que, em anos secos, para a parte central da América do Sul, é comum no inverno a presença de nuvens de fumaça cobrindo milhões de quilômetros quadrados. Essas nuvens perduram por até algumas semanas com a ignição de novas queimas e apenas se desfazem com a ocorrência de chuvas por ocasião do avanço de frentes frias intensas, que conseguem penetrar até a região norte.


Nuvem detectada no dia 18/08. Imagem: Queimadas/CPTEC/INPE.

“[Essas nuvens de fumaça] são formadas pelas emissões de queimadas e incêndios florestais causados por ações humanas, principalmente no Brasil central, no sul da Amazônia brasileira, na Bolívia, no Paraguai e no norte da Argentina”, diz Setzer.

O pesquisador Saulo Ribeiro, também INPE, explica que a massa de ar poluído gerada pelas queimadas nas regiões Norte e Centro-Oeste geralmente é empurrada a 5 mil metros de altitude por ventos que sopram do Atlântico para o Pacífico (de leste para oeste), até esbarrar na Cordilheira dos Andes. A fumaça começa então a se acumular sobre o leste do Amazonas, Acre, Venezuela, Colômbia e Paraguai – até que o chamado sistema anticiclone, com ventos que circulam a 3 mil metros de altitude no sentido anti-horário, começa a transportar a massa poluída na direção sul, margeando os Andes.

“O que ocorreu no início desta semana foi a convergência dessa massa de ar poluído que vinha do Norte com uma frente fria vinda do Sul. Os ventos convergiram e fizeram o rio de fumaça se curvar em direção à região Sudeste. Além da fuligem, outros poluentes presentes na atmosfera – como monóxido de carbono, dióxido de carbono, ozônio, óxido nitroso e metano – interagiram com as nuvens trazidas pela frente fria e potencializaram a formação de ‘smog’ [termo em inglês que representa a mistura entre fumaça e neblina]”, disse Saulo, à Agência Fapesp.

O sistema Lidar, do Ipen ‒ um acrônimo para “light detection and ranging’ (detecção de luz e medida de distância) que vem sendo desenvolvido desde 1998 e permite o sensoriamento remoto ativo da atmosfera para a detecção de poluentes – detectou que a pluma de poluição começou a pairar sobre a Região Metropolitana de São Paulo entre 4 e 5 horas da tarde de domingo (18). De acordo com o pesquisador Eduardo Landulfo, coordenador do Sistema Lidar, essa nuvem foi resultado de queimadas que ocorreram muito provavelmente de quatro a sete dias antes.

Segundo o professor do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP) Paulo Artaxo, durante sua trajetória rumo à região Sudeste, a pluma das queimadas interagiu com o valor d’água na atmosfera, alterando as propriedades das nuvens.

“As partículas [de fumaça] funcionam como núcleo de condensação da água. Assim, gotículas de chuva menores são formadas, mas em grande quantidade, e isso faz com que uma maior parte da radiação solar seja refletida de volta para o espaço, a ponto de escurecer o solo”, explicou.

Além disso, segundo o Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos do INPE (CPTEC-INPE), a frente fria que avançou entre sul e sudeste desde o domingo (18) encontrou em São Paulo, na segunda-feira (19), uma região alongada de baixa pressão, chamada “cavado”. Esse encontro de frente fria com o ar quente de São Paulo, associado às baixas pressões, provocaram a formação de uma nuvem bastante baixa e densa, contribuindo para a sensação de escuridão.

“[Foi] provavelmente uma nuvem Nimbustratus ou Cumulonimbus, que se formou na região de São Paulo, muito próxima a superfície. É normal acontecer, se tem o avanço da frente fria, dependendo das condições de umidade, pode se formar essas nuvens”, explicou o meteorologista do CPTEC, Maicon Veber.

Portanto, segundo os pesquisadores, a escuridão em São Paulo foi uma combinação entre a chegada das plumas de fumaça proveniente das queimadas, que interagiram com o vapor d’água na atmosfera, e o fenômeno meteorológico da frente fria, que formou nuvens densas e baixas.

“A concentração de fumaça não era suficiente para o escurecimento quase total da região de São Paulo, o que apenas pode ter sido consequência de nuvens baixas e médias muito concentradas e espessas”, reitera Alberto Setzer, do Programa Queimadas.


Imagens do CPTEC mostram partículas de queimadas vindas das regiões Centro- Oeste e Norte interagindo com nuvens trazidas pela frente fria do Sul.

Número recorde de focos de queimadas

O fato de o escurecimento do céu de São Paulo ter sido uma combinação de duas condições de natureza distinta coincidentes não minimiza a importância e o impacto das queimadas que estão ocorrendo na região Amazônica.

Segundo medições do Programa Queimadas do INPE, o Brasil enfrenta a maior onda de queimadas dos últimos anos. O programa registrou 72.843 focos de incêndio entre os dias 1 de janeiro e 19 de agosto deste ano. O número é 83% maior do que o mesmo período do ano passado, quando foram registrados 39.759 focos de incêndio. A última grande onda é de 2016, com 67.790 focos de queimadas entre essas datas.

Amostras da chuva coletada por moradores da capital paulista durante o fenômeno foram analisadas por duas universidades e confirmaram o impacto das fumaças de queimadas na qualidade da água.

Pesquisadores do Instituto de Química da USP identificaram a presença de reteno na amostra, substância proveniente da queima de biomassa e considerada um marcador de queimadas. O estudo foi coordenado pela professora Pérola de Castro Vasconcellos.

Já a análise feita pela bióloga Marta Marcondes, professora da Universidade Municipal de São Caetano (USCS), mostrou que a concentração de material particulado, conhecido como fuligem, foi sete vezes maior do que a registrada na água de uma chuva normal e a presença de sulfetos 10 vezes superior.

Em nota técnica divulgada no dia 20 de agosto, cientistas do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM) afirmam que o número recorde de queimadas na Amazônia não pode ser explicado somente pelo período seco, como defendeu o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, em sua conta no Twitter. Segundo o IPAM, o desmatamento é um fator de impulsionamento às chamas.  “Os 10 municípios amazônicos que mais registraram focos de incêndios foram também os que tiveram maiores taxas de desmatamento”, diz o texto.

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