José Sarney
Nova York — Aqui nos Estados Unidos, aproximando-se as
festas juninas, vou sentindo uma imensa saudade do meu bumba-meu-boi, do boi do
Maranhão. Estas festas, tão importantes no calendário brasileiro desde que
vieram de Portugal, assumiram no Maranhão essa face luminosa das fitas
coloridas, das miçangas, dos brincantes e, sobretudo, desse boi mitológico,
touro negro e boi espaço e injustiça das relações sociais, numa sociedade que
ainda tem raízes agrárias, mas também transpôs para a vida urbana os
preconceitos, as diferenças da sorte, as paixões e as tragédias de amor.
Sempre lembro que Roseana desenvolveu os passos que dei
para prestigiar a cultura popular e desde cedo se tornou a defensora de sua
arte, prestigiando seus artistas pelo que são, sem nenhum intuito eleitoral ou
interesseiro.
Acompanhando mais de perto o que acontece neste país, em
vez de boi as pessoas se distraem, se irritam e se amedrontam com os delírios
de seu presidente. Agora o mais importante é o encontro entre as duas figuras
histriônicas e patéticas de Donald Trump e Kim Jong-un. Marcado e desmarcado e
remarcado, o encontro se dará num hotel de Singapura, se não houver
desistências de última hora, no dia 12 de junho. Na mesa parece que não
estarão, infelizmente, o fim do programa de armas nucleares norte-coreanas — que
os coreanos só aceitam se os americanos acabassem com o seu, o que seria uma
boa ideia —, nem a paz entre as Coreias do Norte e do Sul. Os dois dirão que
ganharam a disputa de cabelos exóticos, pedirão o prêmio Nobel da Paz por quem
faz mais ameaças de destruição e tudo continuará como dantes no reino de
Abrantes.
Trump adora uma briga e uma provocação, mas frequentemente
elas se voltam contra ele. Há alguns dias ele disse que tem o poder de perdoar
a si mesmo. Veio o Paul Ryan, Speaker (Presidente) da Câmara dos Deputados, um
dos principais líderes republicanos, e adverte: nem pensar. Agora, na reunião
do G-7, ele chegou propondo que o grupo aceite de volta a Rússia, expulsa desde
a invasão da Ucrânia. A reação foi a proposta de retirar os Estados Unidos do
grupo.
É claro que nisso está o pano de fundo de seu afastamento
das regras da OMC, a Organização Mundial do Comércio, para seguir seu talento
de negociador — com o qual já foi à falência várias vezes. Assim, tem ameaçado
impor restrições alfandegárias a todo mundo “para acabar com o déficit
comercial” americano e, depois da mordida, assopra. Como do outro lado muitas
vezes encontra pessoas com alguma experiência — tipo Merkel ou Xi Jinping —,
seu sucesso é bem relativo. E as críticas surgem também do lado americano, como
os plantadores de soja que temem perder o mercado chinês para outros países,
como o Brasil.
Nem toda a sua loucura, no entanto, abala a grandeza
americana, com crescimento e taxas de emprego de fazer inveja a muito país.
Mas nem tudo me distancia do Brasil.
Esta semana Machado de Assis é louvado largamente pelo
lançamento de “The Collected Stories of Machado de Assis”.
O New York Times diz: “Poucos autores de ficção escreveram
tão afetuosamente sobre ideias, como se fossem pessoas reais; ele está sempre
descrevendo como as ideias surgem e se modificam, o modo como podem perder seu
curso e entrar em choque com outras.”
Machado é a glória que fica, eleva, honra e consola, como
ele disse da Academia ao inaugurá-la. Glória que atinge a todos nós
brasileiros.
José Sarney
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