Falar sobre saúde mental, depressão, ansiedade e suicídio
exigem cuidados, mas não podem ser deixados de lado sobretudo em um cenário de
crescimento dos casos de autolesão em todo o mundo. De acordo com pesquisadores,
a dificuldade existe porque há estigmas e pouca compreensão da sociedade dando
margem, com frequência, a visões que carregam preconceito. Muitas vezes, o tabu
interdita a circulação da informação, o que é importante para evitar novas
ocorrências de suicídio.
"Faltam redes humanas de apoio, as pessoas vivem
mudanças na configuração dos relacionamentos e tudo isso pode criar uma
sensação de que você vive aquele sofrimento sozinho. Por isso, uma das apostas
que fazemos em nosso atendimento preventivo é na expressão. Até para que se
possa falar também das coisas ruins. Nas redes sociais, em geral, as pessoas
falam das coisas maravilhosas. E é importante falar mais amplamente sobre os
sentimentos", diz a psicóloga Laura Quadros, chefe do Serviço de
Psicologia Aplicada da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).
Para Laura, o aumento das ocorrências que envolve
diretamente a população mais jovem coloca o suicídio como uma emergência
médica. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), essa é uma
tendência em todo o mundo. Estimativas do órgão apontam que, depois da
violência, o suicídio é o fator que mais mata jovens entre 15 e 29 anos.
Anualmente, mais de 800 mil pessoas tiram a própria vida, número que representa
1,4% de todas as mortes do mundo.
Em sintonia com a tendência internacional, o país
registrou, entre 2011 e 2016, um aumento dos casos notificados de lesão
autoprovocada nos sexos feminino e masculino de 209,5% e 194,7%,
respectivamente. Além disso, um levantamento feito pela Associação Nacional dos
Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) em todas as
regiões do Brasil mostrou que 80% dos estudantes da graduação admitem ter
enfrentado algum problema emocional, como ansiedade, desânimo, insônia, tristeza
permanente, sensação de desatenção, desespero, falta de esperança e sentimento
de desamparo e solidão.
Especialistas avaliam que adolescentes e jovens são mais
suscetíveis a problemas emocionais e transtornos mentais, porque há muita
expectativa e insegurança em relação ao futuro. Para Laura Quadros, o mundo
atual cobra uma urgência pelo sucesso, e as tensões e pressões são mais
exacerbadas. "Em um mundo mais lento, talvez conseguíssemos entender que
esperar é um das possibilidades. Mas não é o que ocorre hoje", avalia.
Cuidados
Há um consenso entre psicólogos e psiquiatras sobre a
importância de que as abordagens de prevenção tenham como objetivo o estímulo a
um ambiente favorável para que o jovem possa falar sobre seus sofrimentos com
pessoas próximas e com profissionais capacitados. É o que tem feito a Uerj com
a criação de diversos canais para receber demandas, sendo o principal deles o
Núcleo de Atendimento ao Estudante. O Serviço de Psicologia Aplicada,
coordenado por Laura, também é parte das medidas.
"Não é uma unidade de saúde assistencial. A missão
principal é formar estudantes na prática de psicologia. Mas abrimos os espaços
para atendimento. E essa procura tem aumentado bastante, tanto pela comunidade
interna como pela comunidade externa", explica.
No mês passado, foi aberto um período para triagem, momento
em que o Serviço de Psicologia Aplicada escuta novas pessoas com o intuito de
absorver em seu atendimento. Em apenas duas semanas, cerca 200 pessoas se
apresentaram, relatando algum tipo de sofrimento. O volume da demanda
impressionou e o período de triagem precisou ser encerrado. Atualmente,
aproximadamente 300 pacientes já são atendidas pelo serviço.
O crescimento da procura, segundo a psicóloga, também
reflete a crise econômica da saúde pública do Rio de Janeiro. "Esse é um
ano muito crítico. Temos a tendência mundial e houve fechamento de vários
ambulatórios na cidade, estufando nossos registros. E nós não temos estrutura
para absorver toda a demanda. Tentamos atuar dentro das nossas possibilidades.
Inclusive em sintonia com a tradição da Uerj, instituição que foi pioneira em
políticas de ações afirmativas no país, que vem sempre junto de estratégias de
acolhimento ao estudante".
As medidas adotadas pela universidade visaram dar resposta
aos casos que vinham ocorrendo, incluindo tentativas de suicídio que não se
concretizaram.
A Uerj não é uma exceção. Nos últimos anos, diferentes
instituições públicas de ensino espalhadas pelo país precisaram lidar com
ocorrências de suicídio dentro de seus espaços. Universidade de Brasília (UnB),
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e Universidade de São Paulo (USP)
registraram casos. As instituições não costumam divulgar levantamentos
específicos sobre os casos, mas vêm se firmando como lugar de referência em
estudos e em acompanhamento.
Imprensa
A relação entre os meios de comunicação e o suicídio é um
foco de estudo que tem mobilizado pesquisadores de diferentes áreas. O
jornalista Arthur Dapieve publicou em 2007 o livro Morreu na Contramão: o
Suicídio Como Notícia, que se desdobrou da sua pesquisa de mestrado na
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC Rio). Ele buscou
entender porque raramente se noticiava suicídio e investigou o noticiário
brasileiro publicado em 2004.
Foram encontradas reportagens que lembravam os 50 anos do
suicídio do ex-presidente Getúlio Vargas e algumas notícias relacionados a atos
de terroristas. Ao mesmo tempo, o jornalista notou poucos registros de casos
ocorridos no Rio de Janeiro ou mesmo no país. "O volume de notícias
contrastava com as estatísticas. E era nítida uma diferença no tratamento em
relação a outros crimes. Os jornais não demonstram medo em noticiar o homicídio
ou o estupro, por exemplo. Mas o que eu observei é que a questão não é intrínseca
à imprensa. A nossa sociedade tem um tabu em relação ao assunto. E a mídia,
muitas vezes, reflete o que a sociedade pensa", avalia Dapieve.
O jornalista destaca uma preocupação específica da
imprensa, relacionado ao "Efeito Werther", que se refere a um pico de
tentativas suicídios após um caso ser amplamente divulgado. A expressão tem
como referência o livro Os sofrimentos do Jovem Werther, escrito pelo autor
alemão Goethe no final do século 18.
"É uma história de amor não correspondida onde o protagonista
se suicida. Isso teria deflagrado uma onde de suicídios na Europa. Esse medo é
ainda presente na imprensa em 2004, ano do foco da minha pesquisa. Acho que não
mudou muito de lá para cá, mas vejo que tem havido mais noticiário e inclusive
reportagens no sentido de tentar entender as razões, prevenir. E isso é
positivo".
A importância da existência de um noticiário sobre o
assunto é consenso entre psicólogos e psiquiatras. Essa é também a posição da
Organização Mundial da Saúde (OMS) que avalia que a imprensa tem papel
fundamental e ativo na prevenção ao suicídio.
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