Lúcia Moysés
“Você vai ligar
para lá agora! Anda! Ligue agora! Você não está entendendo. Ligue agora!
Vamos!”
Eu visitava uma
escola e vira toda a cena. Uma jovem de aproximadamente 13 anos queria sair. O
porteiro solicitou-lhe que mostrasse a autorização. Ela não a tinha. Diante da
negativa do funcionário, ela esbravejou e o insultou com palavras grosseiras.
Garantindo que tomaria as providências para sua demissão, ligou para mãe, muito
alterada, relatando o ocorrido.
Seu tom de voz
exigindo que a mãe telefonasse imediatamente para a direção da escola me
deixara perplexa. Confesso que aquela era a primeira vez que via uma troca de
papéis daquela magnitude: a filha dando ordens categóricas à mãe. O teor da
fala e o tom contundente da jovem me aturdiram.
Mesmo que fosse dito no sentido
contrário, isto é, de mãe para filha, a forma incisiva com que a exigência era
feita já me faria supor que alguma coisa ia mal naquela relação.
Em termos
sociológicos, as mudanças entre gerações que se sucedem são relativamente
normais. A era atual, no entanto, está registrando as mais rápidas e radicais
que a humanidade já conheceu. Se Deus permitiu que fôssemos nós a geração
adulta que está incumbida de educar as mais novas nesse cenário de amplas e
profundas transformações é porque demos um papel a desempenhar exatamente
agora.
Reiteramos que
dentre as instituições que vêm sofrendo alterações, uma das mais atingidas é,
certamente, a família.
Por maiores que
sejam as mudanças nos arranjos de família e por mais revolucionários se
apresentem os avanços científicos e tecnológicos, o papel dos pais na educação
do espírito que retorna por seu intermédio não mudou. Continua o mesmo: o de
lhe oferecer proteção, amparo e orientação, encaminhando-o para as sendas do
bem, cuidando, enfim, por todos os modos, da sua evolução espiritual, conforme
aprendemos na Doutrina Espírita.
Situações como a
que relatamos chegam às raias do paradoxismo, pela inversão de valores que
contém. Para ter chegado a este ponto, as relações entre ambas devem ter sido
equivocadas desde o começo, fato que apenas supomos, sem ter elementos para
aferir. O que sabemos é que possivelmente o quadro teria sido diferente se a
relação fosse pautada por princípios éticos e morais extraídos dos ensinamentos
espíritas-cristãos, e se no regaço do lar se fizessem ressoar as palavras do
Mestre Jesus.
Quando penso na quantidade de lares nos
quais ninguém se preocupa em levar aos filhos as lições do Evangelho, onde não
se lhes ensina a orar, recordo-me de um conto apresentado no livro Ressurreição
e Vida, ditado espírito Leon Tolstoi: “A lição materna”.
A história começa
com o narrador revelando os sentimentos que lhe assaltaram quando se viu fora
da matéria, após uma vida dedicada ao próximo num vilarejo no interior da
antiga Rússia. Desejoso de continuar a atender os sofredores se aproximou de um
espírito atormentado, oferecendo-lhe ajuda. Este, convencido de que encontrara
alguém com quem pudesse desabafar, contou-lhe a sua história.
Fora um homem
rude que, diante das dificuldades do caminho e, sem a fortaleza da fé, acabou
pondo fim à própria vida, mas que, para seu desespero, continuou se sentindo
vivo e vítima de martírios atrozes mesmo depois de ter atravessado os portais
da morte. Sofrendo dores inenarráveis, imaginava que seu sofrimento jamais
teria fim até que um dia, lembrando-se da sua mãe, passou a reviver seus dias
de infância.
Sim, era ela que
agora lhe voltava à mente, com o seu vulto “grave e doce”, no vaivém dos
afazeres domésticos. Era ela que o acalentava nas noites geladas, repetindo
incansavelmente as narrativas sobre o nascimento de Jesus numa manjedoura, a
exemplificar a humildade, e falando sobre as extraordinárias lições de amor e
perdão contidas na sua mensagem consoladora.
“Minha mãe
adorava as Escrituras Santas, e lia-as, de quando em quando, nos longos serões
de inverno. Falava-nos, então, da bondade do Nazareno ante os infortúnios do
mundo, a par das orações que nos ensinava”. E, nas suas memórias, conta ele,
recordava do encantamento que lhe causavam as belas parábolas ou as histórias
acerca das curas, dos feitos do Mestre Jesus. Imaginando tê-la, outra vez, a
seu lado, ouvia-a repetir os ensinamentos do meigo Rabi para que os guardassem:
“Eu sou a luz do mundo; o que me segue não andará em trevas, mas terá o lume da
vida”.
Acrescenta,
ainda, o infortunado espírito, que o turbilhão da vida o arrastou para os
abismos, apagando as lembranças maternas. No entanto, quando a presença amada
retornou ao seu coração aflito, começara a se reerguer.
E foi sob o
impacto dessas emoções que, dirigindo-se ao amigo que se dignara a lhe ouvir,
ditou o seguinte recado para ser transmitido às mães da Terra: “Diga às
mulheres que são mães que não se descurem de ensinar a sublime moral do
Evangelho a seus filhos pequeninos, no aconchego suave do lar. As sementes por
elas lançadas naqueles corações iniciantes germinarão, mais tarde ou mais cedo,
revolvidas pelos labores ásperos do infortúnio ou do progresso...”.
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