sábado, 4 de abril de 2015

PAIS PASSIVOS, FILHOS TIRANOS

Do Correio Espírita

Lúcia Moysés







     “Você vai ligar para lá agora! Anda! Ligue agora! Você não está entendendo. Ligue agora! Vamos!”

     Eu visitava uma escola e vira toda a cena. Uma jovem de aproximadamente 13 anos queria sair. O porteiro solicitou-lhe que mostrasse a autorização. Ela não a tinha. Diante da negativa do funcionário, ela esbravejou e o insultou com palavras grosseiras. Garantindo que tomaria as providências para sua demissão, ligou para mãe, muito alterada, relatando o ocorrido.

     Seu tom de voz exigindo que a mãe telefonasse imediatamente para a direção da escola me deixara perplexa. Confesso que aquela era a primeira vez que via uma troca de papéis daquela magnitude: a filha dando ordens categóricas à mãe. O teor da fala e o tom contundente da jovem me aturdiram.
Mesmo que fosse dito no sentido contrário, isto é, de mãe para filha, a forma incisiva com que a exigência era feita já me faria supor que alguma coisa ia mal naquela relação.

     Em termos sociológicos, as mudanças entre gerações que se sucedem são relativamente normais. A era atual, no entanto, está registrando as mais rápidas e radicais que a humanidade já conheceu. Se Deus permitiu que fôssemos nós a geração adulta que está incumbida de educar as mais novas nesse cenário de amplas e profundas transformações é porque demos um papel a desempenhar exatamente agora.

     Reiteramos que dentre as instituições que vêm sofrendo alterações, uma das mais atingidas é, certamente, a família.

     Por maiores que sejam as mudanças nos arranjos de família e por mais revolucionários se apresentem os avanços científicos e tecnológicos, o papel dos pais na educação do espírito que retorna por seu intermédio não mudou. Continua o mesmo: o de lhe oferecer proteção, amparo e orientação, encaminhando-o para as sendas do bem, cuidando, enfim, por todos os modos, da sua evolução espiritual, conforme aprendemos na Doutrina Espírita.

     Situações como a que relatamos chegam às raias do paradoxismo, pela inversão de valores que contém. Para ter chegado a este ponto, as relações entre ambas devem ter sido equivocadas desde o começo, fato que apenas supomos, sem ter elementos para aferir. O que sabemos é que possivelmente o quadro teria sido diferente se a relação fosse pautada por princípios éticos e morais extraídos dos ensinamentos espíritas-cristãos, e se no regaço do lar se fizessem ressoar as palavras do Mestre Jesus.

     Quando penso na quantidade de lares nos quais ninguém se preocupa em levar aos filhos as lições do Evangelho, onde não se lhes ensina a orar, recordo-me de um conto apresentado no livro Ressurreição e Vida, ditado espírito Leon Tolstoi: “A lição materna”.

     A história começa com o narrador revelando os sentimentos que lhe assaltaram quando se viu fora da matéria, após uma vida dedicada ao próximo num vilarejo no interior da antiga Rússia. Desejoso de continuar a atender os sofredores se aproximou de um espírito atormentado, oferecendo-lhe ajuda. Este, convencido de que encontrara alguém com quem pudesse desabafar, contou-lhe a sua história.

     Fora um homem rude que, diante das dificuldades do caminho e, sem a fortaleza da fé, acabou pondo fim à própria vida, mas que, para seu desespero, continuou se sentindo vivo e vítima de martírios atrozes mesmo depois de ter atravessado os portais da morte. Sofrendo dores inenarráveis, imaginava que seu sofrimento jamais teria fim até que um dia, lembrando-se da sua mãe, passou a reviver seus dias de infância.

     Sim, era ela que agora lhe voltava à mente, com o seu vulto “grave e doce”, no vaivém dos afazeres domésticos. Era ela que o acalentava nas noites geladas, repetindo incansavelmente as narrativas sobre o nascimento de Jesus numa manjedoura, a exemplificar a humildade, e falando sobre as extraordinárias lições de amor e perdão contidas na sua mensagem consoladora.

     “Minha mãe adorava as Escrituras Santas, e lia-as, de quando em quando, nos longos serões de inverno. Falava-nos, então, da bondade do Nazareno ante os infortúnios do mundo, a par das orações que nos ensinava”. E, nas suas memórias, conta ele, recordava do encantamento que lhe causavam as belas parábolas ou as histórias acerca das curas, dos feitos do Mestre Jesus. Imaginando tê-la, outra vez, a seu lado, ouvia-a repetir os ensinamentos do meigo Rabi para que os guardassem: “Eu sou a luz do mundo; o que me segue não andará em trevas, mas terá o lume da vida”.

     Acrescenta, ainda, o infortunado espírito, que o turbilhão da vida o arrastou para os abismos, apagando as lembranças maternas. No entanto, quando a presença amada retornou ao seu coração aflito, começara a se reerguer.

     E foi sob o impacto dessas emoções que, dirigindo-se ao amigo que se dignara a lhe ouvir, ditou o seguinte recado para ser transmitido às mães da Terra: “Diga às mulheres que são mães que não se descurem de ensinar a sublime moral do Evangelho a seus filhos pequeninos, no aconchego suave do lar. As sementes por elas lançadas naqueles corações iniciantes germinarão, mais tarde ou mais cedo, revolvidas pelos labores ásperos do infortúnio ou do progresso...”.

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