O tempo das amoras
José Sarney
Quando cheguei à Câmara dos Deputados pela primeira vez,
como suplente, o presidente da Casa era Carlos Luz, que se envolveu no episódio
do Golpe de 1955, desfechado pelo Marechal Lott, e, afastado, sofreu um
impeachment, e foi substituído por Flores da Cunha. Deste eu guardo recordações
indeléveis, desde a primeira vez que me viu no plenário e perguntou-me: “Donde
vens?” “Do Maranhão”, respondi; e ele retrucou: “Isto aqui já é Jardim de
Infância?” Eu tinha 25 anos de idade, e estava deslumbrado com aquele cenário
do Palácio Tiradentes do ano de 1955.
Ali via os ídolos do nosso partido e outras figuras
notáveis da política brasileira. Via Octávio Mangabeira, Gustavo Capanema,
Vieira de Melo, Carlos Lacerda, Afonso Arinos e tantas figuras cujos nomes o
tempo foi apagando. Lembro-me também de Raimundo Padilha, grande orador, de
Raul Fernandes, que Lacerda chamava a raposa de Valença, de Luís Viana, de
Magalhães Pinto, de Rondon Pacheco, de Oscar Dias Correia, de Pedro Aleixo, de
José Bonifácio, de Aliomar Baleeiro, de Bilac Pinto e de um dos maiores
estadistas que conheci, Adauto Lúcio Cardoso, homem de grande integridade e
referência moral de todos os tempos no parlamento brasileiro.
Com eles ao longo do tempo convivi, de alguns deles
tornei-me amigo, e por eles fui escolhido, em 1958, vice-líder da UDN, sendo
líder Carlos Lacerda. Era a famosa Banda de Música, onde eu tocava reco-reco.
Foi então eleito presidente da Casa, numa rebelião da Ala
Moça do PSD, Ulysses Guimarães. Depois Ranieri Mazzilli, que foi presidente
sete anos e presidia a Casa com um ar de imponência e um peito que Lacerda
dizia ser de tenor italiano. O último presidente que tive na Câmara foi o Bilac
Pinto, de quem também fui grande amigo.
Na minha memória vinham os presidentes do Império: Pedro
de Araújo Lima (Marquês de Olinda), Martim Francisco de Andrada, Limpo de Abreu
(Marquês de Abaeté), Zacarias de Góis, Araújo Viana (Marques de Sapucaí),
Paulino de Souza, Gomes de Castro — parente de meu bisavô, a quem Ruy Barbosa
reconhecia como um dos maiores oradores e com quem teve grandes e acirrados
debates, inclusive sobre a anistia. E os que não foram presidentes, como o
próprio Ruy, e Joaquim Nabuco!
Tantos homens, tantos talentos!
Depois fui para o Senado, já tendo sido Governador do
Maranhão, passando por todos os postos da política, inclusive sendo presidente
da Casa por quatro vezes, durante oito anos; e ao deixar a vida partidária era
o parlamentar mais antigo da história da República e o segundo incluindo o
Império. Fui Vice-Presidente e Presidente da República. Quando saí do Senado
tinha a impressão de ter deixado um parlamento que não era mais o do meu tempo.
Vi tudo e fui tudo na política.
Para completar, vejo agora uma coisa inédita, que jamais
poderia imaginar: o Presidente da Câmara foi suspenso e afastado do mandato,
com uma série de acusações que eram impensáveis nos velhos tempos.
Mas a História é feita dessas grandes surpresas. O
próprio ministro Teori Zavascki disse ser um caso “extraordinário, excepcional
e, por isso, pontual e individualizado.”
Já diziam os latinos “O tempora, o mores.” Padre Newton,
meu professor de latim, achava que a melhor tradução desse provérbio não era
“oh! tempo, oh! costumes”, mas o tempo das amoras.
É o que estamos vivendo, o tempo das amoras.
José Sarney
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