Miguel Lucena
O brasileiro está se tornando mestre na arte da
dissimulação. Nada é o que parece, como o cônjuge traidor flagrado em ato
sexual com a amante: “Posso explicar, não é o que você está pensando”, tenta,
assim, enganar a esposa traída.
A moça cai na balada, sem hora para voltar, engravida de
um desconhecido e justifica que não sabia onde estava com a cabeça. “Não sei o
que deu em mim”, lamenta. E eu vou lá saber?
O sujeito acabou de assassinar o rival, é preso em
flagrante e diz ao delegado: “Doutor, se eu não tivesse feito o que fiz, não
sei do que seria capaz!”.
O marido espanca a mulher todos os dias, ou de vez em
quando, tanto faz, e culpa a carestia ou a bebida por seus atos. “A vida está
difícil, tudo subindo”, explica, ou diz que bebeu demais por causa dos
problemas e perdeu a cabeça, mas quem perdeu a cabeça, ou uma parte dela, foi a
vítima.
O corrupto desvia a merenda escolar, a comida dos presos,
os remédios dos hospitais, os recursos do saneamento básico, a tornezeleira
eletrônica, o Bolsa-Família, o dinheiro das obras e da segurança pública, mas diz
que caiu em tentação e pede a Deus para livrá-lo de todo mal, amém!
Agora, flagrados com o papelão na linguiça e as difusoras
de porco na carne, têm a ousadia de dizer que a Polícia Federal está a serviço
dos Estados Unidos.
“Não é o que você está pensando”, diz, enganando o povo
brasileiro, como faz o cônjuge flagrado em meio à fornicação, só que com a
cabeça do porco na mão pensando que é um microfone.
A necessidade ininterrupta de mentir e de evitar a
verdade, mostra Theodore Dalrymple, retira de todos aquilo que Custine (marquês
de Custine, francês que escreveu La Russie em 1839, publicado em 1843) chamou
de “os dois maiores dons de Deus – a alma e o verbo que comunica”, tornando as
pessoas “hipócritas, maliciosas, desconfiadas, cínicas, silenciosas, cruéis e
indiferentes ao destino de outros como resultado da destruição de suas próprias
almas”.
Miguel Lucena é jornalista e delegado da Polícia Civil do
DF.
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