Merval Pereira
O desabamento do edifício em São Paulo ocupado por uma
dissidência do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) explicitou o descaso
das autoridades públicas que, além de não terem programas habitacionais para
combater a tragédia da falta de moradia, não fiscalizam os pardieiros invadidos
por uma centena de movimentos ditos sociais, mas que, em sua maioria, se
transformaram em milícias urbanas, arrancando dinheiro de quem não tem nem para
viver.
Por outro lado, o principal movimento, o MTST, que ganhou
notoriedade pelo protagonismo de Guilherme Boulos no cenário político nacional,
não atua para coibir essas verdadeiras quadrilhas que se aproveitam dos que o
candidato à presidência do PSOL alega representar e proteger.
O máximo que Boulos conseguiu fazer foi uma declaração de
solidariedade, e garantir, estranhamente, que nunca havia ouvido falar nesse
movimento que extorquia dinheiro dos sem teto que ele pretende liderar. E ainda
deu-se ao luxo de criticar “os que querem se aproveitar de uma tragédia para
fazer política”.
Se não sabe da existência desse e de outros movimentos
semelhantes, no mínimo é um relapso, pois deveria ter informações sobre os que
atuam no seu terreno, desmoralizando uma campanha que se anuncia como séria e
defensora dos direitos humanos dos que não tem casa para morar.
Boulos e seus assessores tinham, na verdade, obrigação de
denunciar esse tipo de gente que se aproveita da miséria alheia. Poderiam
aproveitar o acesso que têm às autoridades para propor uma campanha conjunta de
moralização desses cortiços, ocupados muitas vezes por quadrilhas de bandidos
que encontraram neles um novo filão para ganhar dinheiro ilegalmente, da mesma
maneira que vendem drogas dentro das ocupações e facilitam instalações
clandestinas, os chamados gatos, que acabam provocando tragédias como a do
edifício Wilton Paes de Almeida.
Esses grupos, que no limite são ligados a facções
criminosas, assemelham-se às milícias que atuam nas comunidades pobres e
favelas do Rio, e precisam ser combatidos. A união de milicianos com
traficantes, que a polícia paulista está investigando e a intervenção no Rio
está combatendo arduamente, é uma ameaça a toda a sociedade.
Guilherme Boulos teria credibilidade para cobrar da
prefeitura atitudes mais eficazes para transformar esses prédios invadidos em
moradia barata, com direito à fiscalização dos poderes públicos. A prefeitura
de São Paulo, em versões recentes ou mais remotas, desde 1997, quando ocorreu a
primeira invasão do MTST em um prédio público de São Paulo, têm
responsabilidade maior ainda, pois não podem governar apenas para uma parte da
população, esquecendo os que são explorados e permanecem vivendo como animais.
Se Guilherme Boulos não se dedicasse tanto à política
partidária, e tivesse uma visão mais ampla do que seja uma verdadeira ação
política, não permaneceria em Curitiba prestando homenagem a Lula, esperando
receber migalhas do espólio do lulismo. E usando os miseráveis que o seguem com
fins partidários, colocando-os à disposição da luta política do ex-presidente.
O presidente Michel Temer, já escrevi aqui, não deveria ter
ido aos escombros, por ser uma clara ação política indevida, num ambiente
hostil. Mas Boulos tinha obrigação de lá estar presente, e de denunciar a
extorsão que estava em curso, distorcendo o sentido da ação social que ele
alegadamente lidera.
Dizer que nunca ouviu falar desse movimento, e de diversos
outros espalhados pelo país, não é suficiente para expiar sua
irresponsabilidade. Afinal, um verdadeiro líder tem obrigação de denunciar os
que se aproveitam de situações miseráveis para explorar o próximo. Ou basta
denunciar as autoridades burguesas e os capitalistas desalmados para justificar
sua atuação política?
O Globo, 06/05/2018
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