sexta-feira, 15 de março de 2013

Espírito Desencarnado não é Santo

Alamar Régis de Carvalho (São Paulo–SP)
 

O grande problema de uma doutrina são os equívocos praticados por alguns dos seus profitentes. A Doutrina Espírita também é vítima disto, pelo que fazem alguns espíritas que, apesar da boa vontade que estão investidos no movimento e até mesmo da honestidade de propósitos, não se dão muito ao trabalho de entender bem os postulados doutrinários, a base fundamental da doutrina, na sua essência, e terminam prejudicando o entendimento do Espiritismo.

É exatamente por causa desses conhecimentos apenas superficiais da doutrina que ainda há muita prática igrejeira em nosso movimento, com todos os ingredientes do espírito de igreja, com as proibições, as obrigações, as censuras, as rezações excessivas, os rituais, as perseguições e todas essas coisas.

Analisemos aqui a questão da concepção dos espíritos pelos espíritas. Antes que eu faça a minha abordagem, vale relermos “O Livro dos Espíritos”, em seu livro segundo, que fala do “Mundo Espírita ou dos Espíritos”, da natureza dos espíritos de um modo geral, da influência deles em nossas vidas, etc.
É muito comum ouvirmos pessoas dizerem:

- “Esta coisa tem que ser assim, porque o Espírito tal disse que tem que ser assim, no livro tal”.

- “A nossa instituição vai ter que trabalhar desta forma, porque o mentor da casa disse que tem que ser desta forma”.

- “Fulano está errado e não deve ser levado a sério, porque o espírito tal, no livro tal, coloca a coisa de uma maneira diferente”.

- “Isto não é Espiritismo!!!!”.

Expressões como estas são ouvidas a todo momento no meio espírita. Daí resultam aquilo que chamo de “Espiritismos à moda da casa”, quando vários dirigentes, em diversas localidades, fazem do Espiritismo o que bem entendem, embora laborando na doutrina com honestidade e dedicação.

A grande confusão que existe é a concepção dos Espíritos, quando muitos os vêem como verdadeiros santos, donos absolutos da verdade, conhecedores de todas as coisas, perfeitos e infalíveis como se fossem o próprio Deus.

É preciso que todos nós espíritas entendamos bem aquilo que a obra básica da doutrina nos ensina, que diz que os espíritos desencarnados são exatamente os espíritos dos homens que viveram encarnados na Terra.


Se uma pessoa não foi espírita, quando encarnada, não vira espírita imediatamente à sua desencarnação. Poderá, depois de algum tempo, aceitar as idéias espíritas; do mesmo jeito que poderia aceitá-las, como muitos passam a aceitar, quando estão encarnados. Mas poderá também não querer aceitar.

Se uma pessoa, enquanto encarnada, viveu advogado aqui, praticando a advocacia como sua vocação e profissão, depois que desencarna não terá tendência para ser “espírito de cura”, já que não teve qualquer afinidade com a medicina ou a enfermagem. Continuará gostando do direito, das leis, dos “data venia”, do “vamos fazer uma juntada aos autos do processo”, do “transitado e julgado” etc.

Se um espírito foi padre ou freira, quando encarnado, amante da sua venerável igreja católica, não vai deixar de amar a sua igreja, depois que morre, por mais que tome consciência da sua condição de desencarnado, entenda a possibilidade da comunicação mediúnica, passe a usar um médium para se comunicar, crie simpatia pelo Espiritismo e resolva até escrever livros, exercendo o seu amor pela educação, pelo ensinar e pela aplicação dos seus conhecimentos de um modo geral.

Só que tentará passar para as pessoas, mesmo espíritas, orientações conforme a sua cultura adquirida que, queiramos ou não, trás o ranço católico. É natural que não vá passar idéias inquisitoriais, recomendações a determinadas formalidades, rituais ou qualquer procedimento católico que ele não aceita, do mesmo jeito que nos dias atuais já conseguimos identificar padres que, mesmo encarnados, não aceitam determinados dogmas e procedimentos que a sua igreja impõe. Antigamente o padre que se atrevesse a pelo menos insinuar que não aceitava pelo menos um dogma da igreja, era queimado sumariamente. Hoje a coisa está mais livre.

Nós temos um problema muito sério, no movimento espírita, no campo da moralidade, por exemplo, problema esse que gera outros para as pessoas.

Geralmente os Espíritos que são mais conhecidos no movimento espírita, que escrevem livros, que enviam mensagens através dos mais famosos médiuns, são pessoas que desencarnaram nas décadas de dez, de vinte, de trinta... mais ou menos.

Raramente nos vemos um espírito escrever algum livro pelo Divaldo, por exemplo, ou por outro médium, que tenha desencarnado na década de setenta. Falo desses espíritos que são considerados modelos doutrinários pelo movimento, não espíritos como aqueles da Editora Petit, embora respeitáveis.

Acompanhem o meu raciocínio:

Uma pessoa que viveu até a década de vinte, por exemplo, tendo desencarnado com 70 anos, mais ou menos, certamente deve ter nascido por volta do ano de 1850.

Que tipo de cultura ele adquiriu no período da sua vida como encarnado, acerca do que seria moral, da relação homem mulher, dos direitos do homem e dos direitos da mulher, etc, vivendo no período de 1850 a 1920?


Conceber a mulher como um ser inferior ao homem, que deveria se limitar aos afazeres domésticos, jamais a sair também para trabalhar fora, em igualdade de condições, era uma concepção machista desse espírito?

Claro que não. É machista hoje, nos nossos dias, mas no tempo dele era absolutamente normal, era o que era moral.

Discutia-se abertamente as questões sobre o sexo nas escolas? Nem pensar! Seria considerada a maior imoralidade.

Hoje o assunto é abordado, naturalmente, não apenas nas escolas, como também na televisão, onde até órgãos sexuais masculinos e femininos, em látex, são mostrados para crianças pegarem, vêem como funcionam, com câmeras mostrando em close, e ninguém mais se escandaliza com isto, a não ser mentes altamente poluídas e retrógradas que ainda existem nos dias atuais.

Mas o espírito em questão veria a coisa com essa naturalidade de hoje? Claro que não, veria como imoralidade conforme a cultura da sua época.

Mas aí há um outro questionamento que, de fato, tem fundamento:

Os espíritos, depois de desencarnados, continuam o curso das suas vidas normalmente, continuam os seus aprendizados, as suas buscas, pesquisas e aperfeiçoamento das suas idéias.

Nem todos.

Aqui na Terra, algumas pessoas concluem as suas graduações, nos diversos cursos superiores, e param por aí. São muitos os médicos que se formam, entram numa das vertentes das especialidades e ficam acomodados naquele conhecimento, sem se preocuparem com Mestrado, Doutorado, Pós Graduação em geral, participação em Congressos, Seminários, assinaturas de revistas e periódicos, porém trabalhando honestamente, lidando com dedicação, amor e respeito aos seus pacientes, no entanto estacionaram os seus conhecimentos.

Conheço oftalmologista formado há mais de 40 anos, que nunca fez qualquer pós graduação muito menos participou de congresso algum.

No Direito, nas diversas Engenharias e em todos os outros segmentos ocorrem a mesma coisa.

Você vai encontrar, entre os espíritos encarnados, alguns que, embora desencarnados na década de 20, continuaram a acompanhar o processo evolutivo, inclusive do plano encarnado e falam como se estivessem vivendo aqui hoje.


A Joanna de Ângelis, por exemplo, é um espírito que desencarnou em 1823, mas fala tranqüilamente sobre Carl Gustav Jung, que nasceu em 1875 e desencarnou em 1961, com um detalhe: Ela viveu no Brasil e ele na Suíça.

Mas tem outro detalhe que precisamos considerar: Ela foi freira, em várias das suas encarnações, inclusive na última, e como freira foi uma mulher extremamente digna, honesta e moralmente elevada.

Por estar em Paz com a sua consciência, já que o postulado espírita, que ela também passou a admirar, diz que A Lei de Deus está escrita na nossa consciência, ela obviamente deve conceber a sua vida como freira absolutamente correta e os conceitos obtidos no seio católico como sendo morais.

Continua freira, o que é absolutamente normal. Tanto que quando se apresenta a algum médium vidente, está sempre com a vestimenta de freira.

Outro aspecto que deve ser considerado:

O fato de um espírito desencarnado entender que ele pode se comunicar com o mundo material através de um médium, possibilidade que vem sendo dita pelo Espiritismo há muito tempo, não quer dizer que ele aceite o Espiritismo, se não aceitava enquanto encarnado.

Tenho mais um exemplo a citar:

Com o médium José Medrado, trabalham vários espíritos, com destaque para aqueles que gostam de pintar quadros.

Acontece que no meio deles, tem um que é padre e que não aceita o Espiritismo.

Veja só que coisa mais interessante: Se o Medrado participar de algum evento de pintura mediúnica em alguma instituição espírita, esse espírito se recusa a comparecer e, obviamente, não pinta nada. Mas se o evento acontece em um clube ou qualquer lugar neutro, já que é comum o citado médium realizar esse tipo de trabalho em ambientes não espíritas, olha ele lá, já querendo lugar na fila.

Vá explicar uma coisa dessa.

Segundo relata Medrado, trata-se de um espírito dócil, bom e carinhoso, mas pensa desse jeito e exige que todo mundo respeite o seu modo de ser, o que é um direito que ele tem.

Deixa de ser bom por causa disto?

Se você quiser me qualificar como alguns dirigentes me qualificam, pela minha absoluta independência de pensamento, que qualifique, mas eu, sinceramente, não leio obra espírita nenhuma, seja do espírito que for, já com a idéia preconcebida de que tudo o que vou ler ali é a verdade absoluta, que não deve ser discutida e nem questionada.

Se eu questiono até o Evangelho, que foi colocado no mundo como a “Boa Nova” do Cristo, como aquele caso da parábola da figueira, que eu não engulo de jeito nenhum, porque o meu bom senso convida-me e perguntar a mim mesmo:

“Será que o episódio aconteceu exatamente daquele jeito como foi relatado pelo evangelista?”.

Pense você, raciocine você e veja se tem sentido Jesus, com toda aquela excelência que ele foi, ter vontade de comer figo, encontrar uma figueira que não tinha nenhum fruto para lhe satisfazer, numa época em que não era tempo de figos, de repente se aborrecer daquele jeito e amaldiçoar a pobre da árvore e ainda jogar-lhe uma praga!!! Tem cabimento, uma coisa dessa?

Aí aparece um monte de gente para fazer palestras, dando as mais diversificadas interpretações para aquilo, pra coisa ficar “bonitinha”. Ora, tenha a santa paciência.

Para concluir é bom que todos entendamos que ninguém vira santo depois que desencarna, ninguém vira sábio, adquire todos os conhecimentos, fica dono de verdade absoluta e muito menos deve ser aceito em todos os seus conceitos e opiniões sem a devida análise o mais criteriosa possível.

Aproveito aqui para dizer às pessoas amigas que costumam me convidar para fazer palestras em algumas cidades. Se vocês me convidarem, como muitos convidam, para participar de reuniões mediúnicas, digam antes à direção da casa que o Alamar costuma gostar de conversar com os espíritos, gosta de questionar e de esclarecer todas as colocações feitas que não ficam bem claras. Comigo não tem esse negócio de silêncio absoluto e apenas ficar ouvindo, ouvindo, ouvindo e dizendo amém para o que espírito fala não.

É bom que se saiba, também, que muitos conceitos impostos por muitos espíritas, com base no que disse o espírito A ou B, principalmente no campo da moralidade, devem ser considerados como opiniões pessoais deles, e nem sempre devem ser absorvidos como a verdade absoluta. Principalmente quando entramos mais fundo na questão e identificamos um pouco da “cabeça” do médium na mensagem.

Ihhhhh! Aí já é uma outra matéria, que demandariam algumas páginas a mais.

A excelência do Espiritismo só se desperta onde existem espíritas lúcidos, sensatos e coerentes. Fora disso, o que encontramos é apenas prática de religião espírita.

Amém.

 
Alamar Régis de Carvalho (São Paulo–SP)
Alamar é orador espírita, Analista de Sistemas e Escritor em São Paulo, SP
e-mail: alamarregis@redevisao.netSite: www.redevisao.net

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