sábado, 16 de setembro de 2023

Meu anoitecer interior - crônica de Carlos Alberto Lima Coelho – Jornalista, poeta e escritor


MEU ANOITECER INTERIOR


           “O amor é uma fonte inesgotável de reflexões profundas como a eternidade, altas como o céu, vasta  como o universo.”- A. de Vigny


Carlos Alberto Lima Coelho*


A fraca luz que ilumina o meu leito cria um ambiente lúgubre, obrigando-me a ficar acordado, madrugada adentro. Ouço vozes ao longe, talvez vindas da TV, que se misturam com o som produzido pela chuva que cai no telhado. Uma vez ou outra o ronco dos automotores dá um toque especial ao cenário que se forma na minha mente. Fecho os olhos, procurando trazer de volta ao pensamento, as emoções que foram proporcionadas durante alguns momentos do dia. Vem o passado que mexe com o meu íntimo, o presente que me alegra e o futuro que me faz sonhar. Um misto de sentimentos que se alternam e me confundem, até. As imagens que se formam na minha cabeça não comprometem meu raciocínio. Exausto, respiro fundo, provocando uma revolução interior.

Como podem os poetas suportar tantas emoções assim?
Levanto-me e caminho pelos apertados espaços da casa. O ambiente é praticamente o mesmo. Todos dormem e eu, apesar do cansaço por mais um dia de trabalho, continuo costurando assuntos na memória, na tentativa de, pelo menos, construir uma história, com enredo e tudo. Olho pela fresta da porta, procurando qualquer movimento na rua, que possa atrair-me. Nada. Ao longe, ouço a sirene de uma ambulância que, a estas alturas da madrugada, deve estar prestando algum socorro, para salvar a vida de alguém. A violência entre os homens está incontrolável, principalmente entre aqueles que se aventuram à boêmia. A bebida, as drogas, o desamor, são as principais causas.
Ligo a luz da copa e um dos meus passarinhos de estimação, Zé Bigode, espanta-se e começa a cantar. Aliás, quando, por qualquer motivo, esquecemo-nos de desligar a luz, ele, como se quisesse avisar, canta o tempo todo. Cala-se quando tudo escurece novamente. Sento-me numa cadeira posta sob sua gaiola, e logo se movimenta, espalhando água com o seu banho improvisado. Gosto, descontrai-me um pouco mais. Não posso ficar o tempo todo no local, tenho que encontrar uma fórmula para atrair o sono. Logo os primeiros raios solares estarão aparecendo e tenho que sair para o trabalho.
Volto para o quarto, nada diferente. Ela, a luz fraca, e praticamente o mesmo burburinho. O poeta não cansa de imaginar, de pensar nos fatos do dia a dia e misturar sentimentos. Esboço uma reação para colocar no papel algumas frases para compor uma poesia. Pego o rádio, velho companheiro, e ouço as canções do Roberto Carlos, que não foram feitas para mim, mas que me entusiasmam como se fossem: “Hoje eu ouço as canções que você fez para mim. Não sei por que razão tudo mudou assim...” Logo depois: “Olha aqui, presta a atenção, esta é a nossa canção, vou cantá-la seja onde for...”.
Que fazer num momento como esse? Deixar o pensamento transpor as barreiras do infinito? Imaginar milhões de situações, buscar uma juventude perdida com o tempo e que não volta mais? Ah, se pudesse entrar no “túnel do tempo” para novamente, nos anos sessenta e setenta, viver as mesmas emoções, ver tantos companheiros que começaram suas trajetórias profissionais, algumas interrompidas anos mais tarde com suas partidas para outros planos... A solidão tenta me dominar, me incomodar. Desconfio que lágrimas rolarão pela minha face. Aguento firme, por pouco tempo, porque o rádio, esse meu companheiro inseparável, logo agora volta a modificar meu estado emocional.
Ainda ontem, ouvindo-o, lembrei-me do meu pai, inesquecível pai, escutando o Altemar, agora o Roberto, com “Meu querido, meu velho, meu amigo”, música que marcou também a nossa vida.... É doloroso sentir esse tipo de saudade... Parece que o sono está chegando. A lembrança de tudo continua muito viva na minha mente, mas preciso dormir um pouco. Logo, logo amanhecerá e a vida voltará à normalidade. O mundo material nos exige tudo, sempre o máximo que pudermos dar. Sob a mesma luz, mesmo ambiente, desligo o rádio, que toca baixinho, e deito-me, na esperança de que uma nova etapa na vida seja cumprida com dignidade.

*Carlos Alberto Lima Coelho – Jornalista, poeta e escritor


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