terça-feira, 18 de junho de 2024

A literatura sapiencial de Emmanuel e Chico Xavier - artigo de Gismair Martins Teixeira


A literatura sapiencial de Emmanuel e Chico Xavier

Gismair Martins Teixeira 

No contexto dos estudos literários a literatura se divide, em uma de suas várias abordagens na teoria do conhecimento literário, em “literatur” e “dichtung”. Os termos são de origem alemã e significam literatura em sentido mais amplo e mais estrito, respectivamente, na cultura desse país europeu. Quem traz essa informação é o crítico literário Antonio Candido, em sua vasta e bem fundamentada produção crítica.

 

Assim, no âmbito do germanismo, “literatur” diz respeito a toda e qualquer produção escrita, enquanto “dichtung” se refere a produções artísticas, geralmente de caráter ficcional, com definida função estética. A vastíssima produção escrita de Francisco Cândido Xavier, estimada atualmente em cerca de 600 obras publicadas, se forem consideradas as publicações póstumas do material deixado pelo médium, contempla ambas as perspectivas literárias, que no Brasil não apresenta a distinção didática germânica, estando implícita a divisão entre escrita convencional, por assim dizer, e a ficcionalidade.
 

Em relação ao convencional, o trabalho escrito de Chico Xavier, que psicografou um número extraordinário de autores espirituais cuja discursividade autoral é referendada por Inteligência Artificial especializada em análise comparativa de textos link, apresenta uma maior frequência de determinadas autorias, como é o caso do guia espiritual do médium, que assina suas obras com o nome bíblico de Emmanuel. Esse espírito apresenta uma gama diversificada de escritos através de seu médium, em gêneros que variam do romance à literatura sapiencial; ou seja, entre a “dichtung” e a “literatur”, de cuja especificidade tratamos em artigo acadêmico sobre espiritismo e covid-19 link.

A denominada Coleção Fonte Viva, em que Emmanuel discorre sobre recortes evangélicos específicos em excepcionais interpretações, pertence ao universo da “literatur” e pode ser classificada no gênero literário da literatura sapiencial, caracterizada por escritos que exploram a sabedoria de que o gênero humano, em sua amplitude como espécie, é dotado. Composta pelas obras “Caminho, Verdade e Vida”; “Pão Nosso”; “Vinha de Luz”; “Fonte Viva” e “Palavras de Vida Eterna”, a Coleção Fonte Viva apresenta mensagens em que o autor se utiliza dos princípios de hermenêutica consagrados na tradição interpretativa das letras sagradas como, por exemplo, a alegoria.


Na alegoria como método de interpretação tanto literária quanto sagrada ocorre a exploração por parte do intérprete de camadas mais profundas do texto, num profícuo diálogo com o símbolo, que funciona como uma espécie de alegoria sintética. Assim é que Aristóteles, por exemplo, séculos antes de Cristo já se utilizava da alegoria para interpretar passagens da “Ilíada” e da “Odisseia” de Homero, o que se tornaria prática comum nos séculos e milênios subsequentes.

 

Em uma das obras da Coleção Fonte Viva, por exemplo, pode-se encontrar o texto de número 114, intitulado “Embainha a tua espada”. Constante do livro Fonte Viva, o texto de Emmanuel aborda o versículo 11 do capítulo 18 do Evangelho de São João. Esse recorte diz respeito ao momento da prisão de Jesus Cristo, quando Pedro tenta defender o Cristo usando da força das armas. Jesus aproveita a ocasião para ministrar importante ensinamento, que dialoga com a concepção orientalista de karma ao afirmar que quem fere pela espada, pela espada será ferido.
 

O exegeta Emmanuel aproveita para tomar a guerra como símbolo bélico da condição que alegoriza as batalhas interiores de todos os indivíduos que ainda lutam por sua evolução espiritual rumo a uma perspectiva de paz. O autor estabelece instigantes analogias entre a guerra e sua característica de tormenta engendrada pela selvageria humana, fazendo referência a realidades que poucos param para meditar a respeito. Belas construções do gênio humano, laboriosamente construídas ao longo de séculos de trabalho e suor pelo progresso, são destruídas em minutos de loucura do ser humano, conforme as palavras do orientador da tarefa espiritual de Francisco Cândido Xavier.
 

Projetando esta realidade para o mundo íntimo, Emmanuel menciona que construções interiores e afetivas erguidas com muito carinho e dedicação pela individualidade são desperdiçadas clamorosamente quando se entra em guerra com o próximo com quem se compartilha a existência, seja qual for o tipo de relação de proximidade. Afirma o autor em “Fonte Viva”: “Sustentando a contenda com o próximo, destruidora tempestade de sentimentos nos desarvora o coração. [...] Construções do presente para o futuro e plantações de luz e amor, no terreno de nossas almas, sofrem desabamento e desintegração, porque o desequilíbrio e a violência nos fazem tremer e cair nas vibrações do egoísmo absoluto que havíamos relegado à retaguarda da evolução”.
 

Os livros que compõem a Coleção Fonte Viva trazem, cada um, no total, 180 lições com o conteúdo de sabedoria que o instrutor espiritual de Chico Xavier discorre sobre o evangelho utilizando-se dos recursos interpretativos da alegoria, da literalidade, da anagogia e da moral, conforme foi estabelecido ao longo da tradição hermenêutica da cultura humana, sobretudo no âmbito da cristandade, de que o mentor do médium Xavier se revela extraordinário adepto, o que refletia na discursividade e postura de vida xavieriana em sua relação com os fenômenos de que era instrumento.
 

No contexto de um mundo contemporâneo que vivencia as escaramuças entre russos e ucranianos, israelenses e árabes, com perspectivas sempre possíveis de alastramento da insânia coletiva que caracteriza a guerra, a transposição alegórica entre a guerra física coletiva e a guerra no mundo íntimo a extravasar para os próximos se torna de fácil compreensão ao entendimento. Daí o natural pacifismo que caracterizou a existência do médium nascido em Minas Gerais que afirmava, de forma reiterada, ter em Emmanuel um professor de espiritualidade a orientá-lo em sua extraordinária existência.


*Gismair Martins Teixeira - Doutor em Letras, com Pós-Doutorado em Ciências da Religião; professor e pesquisador.


(Artigo publicado originlmente no portal aredacao.com.br - de Goiânia 


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