terça-feira, 25 de novembro de 2025

Meu Pai, eu te amo com cada parte de mim - Marcelo Araújo


Meu Pai, eu te amo com cada parte de mim

Marcelo Araújo

Hoje, compartilho com dor, mas também com muito amor, algumas palavras sobre Jersan Araújo — meu pai, jornalista, guerreiro.

José Jersan Raimundo dos Santos Araújo nasceu em 5 de junho de 1945, no povoado Olinda dos Aranha (São João Batista, MA). Desde muito jovem, sua vida se entrelaçou com a comunicação. Ainda na adolescência, ele trabalhou como taquígrafo na Câmara Municipal de São Luís e, pouco depois, começou no Jornal Pequeno como repórter.

Sua carreira foi marcada por coragem, integridade e um profundo compromisso com a verdade.

Trabalhou em diversos veículos importantes — jornais impressos como Jornal de Hoje, Folha do Maranhão, O Debate, O Jornal, Jornal Pequeno, e também em rádio e TV. Mesmo durante a ditadura militar, ele não se calou: denunciou injustiças, investigou, escreveu com ousadia.

Em 2007, o Sindicato dos Jornalistas Profissionais de São Luís o homenageou como “Jornalista que Marcou Época” — um reconhecimento de sua independência, bravura e competência.

Como pai, ele sempre levou toda a família a acreditar no poder das palavras para transformar, para dar voz aos que não têm, para fazer a diferença. Sua visão era clara: jornalismo é mais do que uma profissão, é uma missão — servir à sociedade, expor o que está errado, dar luz aos que muitos preferem esconder.

Agora, enquanto ele está na UTI, sinto todo o peso da vida, mas também a força que ele me ensinou a ter. Quero que saibam: o legado dele vive — nas reportagens, nas lutas, na sua ética. E, sobretudo, em mim.

Pai, eu te amo com cada parte de mim. Que esse texto seja uma pequena homenagem, mas também um lembrete: sua voz permanece, eternamente.

Marcelo Araújo



Jersan Araújo 


domingo, 16 de novembro de 2025

Meus olhos castanhos - Hélcio Silva (16 / 11 / 2025)


Meu poema de hoje


 

Meus olhos castanhos

Hélcio Silva

16 / 11 / 2025

 

Meus olhos castanhos,

De encantos tamanhos,

Não são mais castanhos

E perderam seus sonhos

 

Minha boca não mais fala

Miinha garganta cala...

Silêncio!

Meu canto não mais canta a liberdade...

Nem exalta o Direito

 

O silêncio me cala...

O meu grito está preso...

Só a ditadura fala, grita... e faz tudo acontecer

*****

Meus olhos castanhos,

De encantos tamanhos,

Não são mais castanhos

E perderam seus sonhos


sábado, 1 de novembro de 2025

"A tacacazeira de olhos ternos e largo sorriso" - Texto/crônica


"A tacacazeira de olhos ternos e largo sorriso" 


Por Alcinéa Cavalcante 

(Acadêmica da Academia Amapaense de Letras)

 30/05/24

Dona Mangabeira era uma negra de olhar límpido, sorriso largo e dentes tão brancos como os guardanapos de algodão que ela mesma fazia para cobrir as panelas. 

Foi uma das primeiras tacacazeiras da cidade. Era do bairro da Favela. Sua banca (naquele tempo não tinha os carrinhos de hoje) era montada na esquina da rua Leopoldo Machado com avenida Almirante Barroso. De longe se sentia o cheiro do tucupi. Esse cheiro dava água na boca atraindo tanta gente para sua banca. O camarão era vermelhinho e o jambu treme-treme.

Aos domingos, a movimentação era bem maior. Era parada obrigatória de quem passava por ali para ir ao estádio Glicério Marques assistir aos clássicos da época.

A todos – autoridade ou peão – Mangabeira atendia com alegria, contava histórias, fazia o tacacá do jeitinho que o freguês pedia.

– Mais goma ou tucupi? Quantas colheres de pimenta? Quer mais jambu?

E o freguês ia dizendo como queria. 

De muitos ela sabia o gosto e já nem perguntava. 

Contava que meu pai, o poeta e jornalista Alcy Araújo, era o único que tomava tacacá sem goma.

Mangabeira tinha um carinho especial pelas crianças. Para elas servia o tacacá em cuia menor e nada de pimenta. Às vezes um moleque mais ousado pedia que ela colocasse um pinguinho. E ela, cheia de doçura, respondia: “Meu filho, criança não come pimenta”. E o moleque não insistia. O convencimento, tenho certeza, não era pelas palavras, mas pela doçura com que ela falava.

 Além de tacacazeira, Mangabeira era excelente lavadeira. Daquelas que botava a roupa “pra quarar” e engomava usando ferro a carvão. Era também benzedeira, tirava quebranto de criança, fazia banho de cheiro pra curar gripe, catapora e sarampo e chás e garrafadas pra todos os tipos de males.

Mangabeira era uma imagem forte na paisagem do meu bairro e é uma das belas recordações da minha infância.


"Tudo fora do lugar" Por Adaury Farias (Acadêmico da Academia Amapaense de Letras)


"Tudo fora do lugar"

Por Adaury Farias 

(Acadêmico da Academia Amapaense de Letras)

04 /0 4 /20 24

Um amigo perguntou, cortesmente, como eu estava. 

Senti uma vontade enorme de desabafar... 

Mas, como ele poderia pensar que eu estivesse demente, 

Vacilei um pouco e assumi o risco. 

Não me contive e me pus a falar: 

Meu papagaio me aporrinha se queixando de dor de dente 

O galo do vizinho que me acordava de madrugada, 

Agora canta desafinado como uma galinha d’angola 

Disputando sinfonia com o Sabiá da mangueira. 

Até a perereca que vivia coaxando quando chovia

E fazia banquete com grilos, mariposas e muriçocas, 

Está do tamanho dum sapo boi com a ração dos cães da dona Sônia. 

Pior é o gato safado da Marta que, não caça mais rato ou barata. 

Depois que ralhei com ele, vira e mexe o doido mija no meu sapato. 

E, no meio da madrugada, o bandido saltita de propósito

Na frente do sensor de alarme da garagem pra que ele dispare 

Só pra me acordar e, quando olho pela câmera, ele está lá balançando o rabo, 

Parece a Anita no carnaval de Olinda. 

Não, não tô bem. 

Como poderia estar se tudo parece fora do lugar? 

Fora isso, só o Diazepam que parei de tomar.


sexta-feira, 31 de outubro de 2025

Crônicas da Cidade - Tá na hora de fazer a lição de casa - Por Antonio Penteado Mendonça


CRÔNICAS DA CIDADE


Por Antonio Penteado Mendonça*

31 de outubro de 2025


Tá na hora de fazer a lição de casa

O Brasil, os brasileiros e brasileiras não aguentam mais o ritmo da nossa navegação. A canoa acelerou e perdeu as estribeiras, está descendo corredeira na velocidade de lancha com motor para puxar sky.

Eu sei, sky está fora de moda, o esporte hoje é outro, mas isso não invalida a colocação. O que fazem com o Brasil assusta vampiro e espanta fantasma, enquanto quem devia zelar pela coisa pública, ou boa parte deles, não tem muita certeza do que é público e do que é privado.

A tranquilidade com que mandam asfaltar estradas que servem suas fazendas é no mínimo indecorosa, mas faz parte da rotina mais velha entre as muitas rotinas dos malfeitos nacionais. Quem pode, pode, quem não pode, paga a conta. Que o diga os mais de um bilhão de reais que o governo sacou das contas públicas para indenizar os aposentados tungados no escândalo do INSS, sem que tenha um diretor de associação, sindicato ou outro tipo de entidade desonesta indiciado.

Não tem e no fogo baixo que mantém a água fria, o tempo escorre, daqui a pouco aparece outro escândalo e lá se vão ralo abaixo 6 bilhões de reais lindamente tungados de quem não tinha nada com isso.

Mas este é só um exemplo, tem outros, como 5 mil obras inacabadas espalhadas pelo país. Uma boa parte já deve estar inclusive deteriorada além da capacidade de recuperação. “Assim que é bom, agora precisa fazer outra licitação, contratar gente nova para resolver o problema antigo, sem que ninguém se preocupe em saber o que aconteceu e por que a obra não foi concluída”.

O país não aguenta mais, a população não aguenta mais. Está na hora de fazer a lição de casa e começar a botar ordem na bagunça. Se não acontecer isso, vamos fazer uma adaptação livre da famosa frase de Winston Churchill: “Nunca tão poucos roubaram tanto de tantos”.

*Antonio Penteado Mendonça é Advogado, formado pela Faculdade de Direito Largo São Francisco, com pós-graduação na Alemanha e na Fundação Getulio Vargas (FGV). Provedor da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo (2017/2020), atual Irmão Mesário da Irmandade, ex-presidente e atual 1º secretário da Academia Paulista de Letras, professor da FIA-FEA e do GV-PEC, palestrante, assessor e consultor em seguros.

 

ENCONTRO COM O REAL - Artigo de José Renato Nalini, acadêmico da Academia Paulista de Letras


ENCONTRO COM O REAL

Acadêmico: José Renato Nalini*

Anima-me uma discreta esperança de que o incrível progresso que se vivencia na China traga um pouco de constrangimento aos nossos maiores que se perdem na busca de interesses personalíssimos e se esquecem de que há um povo sofrido a depender de políticas públicas consequentes e consistentes


Encontro com o real

Visitar a China causa um choque de realidade. Como é que um país com a dimensão territorial do gigante asiático e com uma população de um bilhão e quinhentos milhões de pessoas consegue atingir um nível de progresso que nos deixa aturdidos?

Acredito, como observador modesto e jejuno, que a explicação está no caráter chinês. Confucionismo e taoísmo, ambos milenares, formaram a têmpera de um povo resiliente. Que não teme o trabalho. Que enfrenta as adversidades. Que tem plena consciência de que vontade, foco e determinação produzem milagres.

Sim, é um milagre constatar que em conurbações imensas, maiores do que a maior cidade brasileira – a nossa São Paulo – não têm problema de limpeza. Ruas rigorosamente limpas. Não há papel no chão, nem montículo de lixo em cada reentrância dos logradouros públicos. Há, sim, muito verde. Todos os espaços cobertos de vegetação multicolorida, com predomínio da primavera, a buganvília que ornamenta as bordas de viadutos, de pontes, de avenidas e de todas as elevações na cidade de Shenzen, por exemplo.

É uma cidade inteiramente eletrificada em sua mobilidade. Silencioso trânsito de automóveis e ônibus, com acréscimo de milhões de motos, lambretas e outros veículos desse gênero, que circulam por ruas e também calçadas. Todos se servem deles: mulheres, inclusive idosas. Mães com dois filhos, um à frente, outro à garupa. Tudo a funcionar com base na convicção de que a responsabilidade é de cada um, não do governo.

Antes dos direitos individuais, convertidos em bandeira egoística, os chineses praticam o reverso: os deveres. As obrigações. As responsabilidades. Sabem que uma sociedade se constrói mediante atuação e protagonismo de cada um. Não esperam que tudo “caia do céu” e que o poder público se encarregue de propiciar atendimento a todas as vontades. A China, pela minha observação, pratica o princípio da subsidiariedade, que parece esquecido em nossa terra.

Voltei de uma permanência de dez dias na China, com inveja do povo chinês. Suas UREs, Unidades de Recuperação Energética, parecem mais um laboratório de experiências físico-químicas do que um lugar onde o lixo é transformado em energia. Fiquei pasmo ao constatar que já não existe aquilo que em nossa Pátria é tão abundante que assusta: o excesso de resíduo sólido, fruto de nosso viciado consumismo. Somos a terra do desperdício e da incapacidade de destinação correta daquilo que desperdiçamos.

O convívio do histórico, do tradicional, com as mais avançadas tecnologias, evidenciam que o povo chinês sabe conciliar o respeito às tradições mas não hesita em adentrar no terreno da ciência pura e de sua aplicação para aprimorar o convívio entre os habitantes daquela imensidão. O bilhão e meio de almas que respeita os antepassados, que vive a disciplina pessoal como característica genética, orgulhosa de sua História multimilenar.

Como faz falta uma educação de verdade, que se preocupe não com a memorização de informações, como aqui se faz, mas com o despertar de qualidades sem as quais não há verdadeiro progresso. Progresso não é o desenvolvimento material de que decorrem o egoísmo, a ambição, a competição desenfreada e, infelizmente, o câncer da corrupção. Progresso é formar gerações respeitosas em relação a seus idosos, cônscias de seu compromisso com a História, convictas de que depende de cada um de nós contribuir para melhorar a qualidade de vida para todos. Inclusive para as futuras gerações.

Visitar escolas chinesas e verificar o que ali se vive talvez inspirasse os especialistas em educação, os vendedores de consultoria, os patrocinadores de métodos infalíveis que esbarram na queda de qualidade do ensino e na proliferação de gerações dispersas, desmotivadas, desalentadas e, quanta vez, inúteis para a edificação de uma verdadeira Pátria. Mostraria que a preocupação com a limpeza interna reflete a consciência de que escola é a nossa casa, pela qual respondemos. E que se ela foi construída e é mantida com o dinheiro de todos, maior deve ser a nossa responsabilidade por sua preservação.

Quanto aprendi com a China. Espero continuar a aprender. E anima-me uma discreta esperança de que o incrível progresso que ali se vivencia, traga um pouco de constrangimento aos nossos maiores que se perdem na busca de interesses personalíssimos e se esquecem de que há um povo sofrido a depender de políticas públicas consequentes e consistentes.

*José Renato Nalini, acadêmico da Academia Paulista de Letras

Publicado no Estadão/Blog do Fausto Macedo, em 30 10 2025


DIA NACIONAL DA POESIA - texto de Antonio Guimarães de Oliveira, escritor e poeta

DIA NACIONAL DA POESIA




Por Antonio Guimarães de Oliveira, escritor e poeta

O dia Nacional da Poesia surgiu em 2015 com a lei número 13.131.

Uma homenagem ao poeta mineiro Carlos Drummond de Andrade.

Um dos dez maiores poetas do Brasil. Nessa data homenageio todos poetas do Brasil, com o poema de minha lavra.


PERFUMES & DAMAS

– Um momento,

por favor!

– Não vai durar mais

do que...

uma eternidade!

– Está passando a mulher

mais perfumada...

do mundo:

– a dama da noite!

Depois de uma

eternidade

passada...

– Pois não!

– O que desejas?

– Perdão!

– Estou sem voz!

...reticente,

com os olhos,

falou...

– Eu ia dizer-te,

no passado eterno,

o que direi,

agora, na...

eternidade:

– a dama da noite

jamais deixará

de passar!

(ANTONIO GUIMARÃES DE OLIVEIRA. DATA: 31.10.2025. SÃO LUÍS-MA)

 

O crime manda, e o governo se cala!


O crime manda, e o governo se cala!

Bibo Nunes*

Deputado Federal

A imprensa internacional expõe o fracasso do governo Lula na segurança pública! Após a operação policial no Rio de Janeiro, veículos estrangeiros destacam o avanço das facções que impõem suas próprias leis nas favelas, e criticam o ministro Ricardo Lewandowski por se omitir diante da realidade.

Enquanto o mundo denuncia a força do crime organizado, o DESGOVERNO tenta minimizar o caos, fingindo que o Brasil ainda vive sob controle do Estado de Direito.  

Até a comunidade internacional já percebeu: o crime manda, e o governo se cala!


*Deputado federal do PL-RS, 1° vice-lider do PL, empresário, jornalista e comunicador independente de rádio e TV. Ex-presidente da TVE RS.

 

quinta-feira, 30 de outubro de 2025

O RISCADO E A VITROLA - artigo de Gabriel Chalita, acadêmico da Academia Paulista de Letras


O RISCADO E A VITROLA

Acadêmico: Gabriel Chalita*

Um dia desses, na casa de um amigo, segurei um disco de vinil nas mãos, antes de entregar à agulha da vitrola. Era como se eu segurasse o meu passado. O meu passado de músicas e de cuidados.


O riscado e a vitrola

Alguns não sabem o que é. É assim que é. O tempo vai desdizendo o que o tempo dizia. As invencionices vão para as prateleiras do ontem, enquanto o hoje apresenta as novidades. A sede de novidade parece insaciável.

Havia uma vitrola no tempo em que, na casa dos meus pais, esperávamos os discos serem lançados. E saíamos para comprar. Alguns dos grandes cantores deixavam para os festejos de fim de ano os lançamentos. E iam aos programas de televisão. E faziam das capas um caprichoso dizer.

Era bom de abrir o envelope, de retirar o plástico, de segurar nas mãos o disco e de entregar à vitrola. Os discos traziam as músicas, cada uma em uma faixa. Escolhíamos a música e colocávamos a agulha e nos sentávamos para ouvir. Ou, então, deixávamos desde a primeira.

Eu gostava de ouvir várias vezes. E de ir conversando com as canções. As letras. Os acordes. Acordava com o tocar do sino da Igreja, que ficava perto de casa e que chamava as pessoas à reza, e já colocava o disco na vitrola, enquanto me preparava para a escola.

Um dia, um riscado no disco. O riscado fazia pular um pedaço da música. E eu não gostava. O riscado era um incômodo. Eu não queria pular uma música. Eu queria ouvir uma a uma. Principalmente, quando quem cantava dizia a mim alguma emoção mais forte.

Eu, criança, reclamei com minha mãe. Ela disse que não tinha jeito. Que ouvisse eu um outro disco. Eu não era das insistências em assuntos que não cabiam aos outros. Minha tia, que ouviu a conversa, disse que ajeitaríamos. Eu sorri.

"Quando você voltar da escola, o disco estará perfeito".

Fui e fui pensando. Não tanto no disco de vinil arranhado, mas no cuidado. Minha tia tinha a profissão de vida de cuidar. E assim fez. E arranhão não mais estava, quando eu cheguei. Fui beijar em gratidão. Ela disse que eu merecia a remoção dos arranhões.

Minha mãe riu e falou de uma sujeira incrustada, palavra que, na época, talvez eu nem tivesse entendido. O fato é que a música tocava como eu queria que tocasse.

O tempo do existir foi me ensinando a remover alguns riscados. A vida não é plana, apenas. Como não o é a natureza. Somos natureza. E na natureza há os ciclos. Há o chegar e o partir. Há o frio e o calor. Há o sol e há os dias sem sol.

Na natureza, as águas ora estão mais amigáveis, ora fazem um riscado que nos parece uma resposta ao tanto que destruímos. A natureza nos dá respostas. E, também, os humanos. É preciso estar atento.

A atenção da minha tia, naquele amanhecer da minha infância, ensinou mais do que limpar um disco. Um riscado pode ser consertado. Algumas vezes conseguimos sozinhos, outras dependemos de quem sabe o que fazer. É bom não sabermos tudo. É bom precisarmos do outro.

O disco que tocava foi feito por muitos. A voz de quem cantava era parte de uma parte maior. Dos que tocavam. Dos que compuseram. Dos que trabalharam para fazer com que ouvíssemos as músicas que tocavam.

Penso nessas histórias todas e renovo em mim a decisão de não arranhar a melodia dos outros e de, ao contrário, estar atento para algumas limpezas.

Minha tia já foi ouvir canções do lado de lá, onde o mistério nos segreda a vida. Minha tia está do lado de cá, em mim. Como em mim está aquela vitrola tocando as músicas que me despertavam os dias da minha infância. Era bonito, também, quando a música era de cantar junto.

Nos natais cantantes da minha casa, eu ia afinando o meu jeito de compreender as palavras que deveriam ser ditas para trazer harmonia ao mundo.

As vitrolas voltaram em alguns lugares. Um dia desses, na casa de um amigo, segurei um disco de vinil nas mãos, antes de entregar à agulha da vitrola. Era como se eu segurasse o meu passado. O meu passado de músicas e de cuidados.

*Gabriel Chalita é acadêmico da Academia Paulista de Letras

Publicado em O Dia, em 26 10 2025


O vício estatal - artigo de Alex Pipkin, PhD em Administração


O vício estatal

Alex Pipkin, PhD em Administração

Um viciado em drogas só se recupera quando muda tudo: o ambiente, os hábitos, a mente e o corpo.

Não adianta trocar o fornecedor, mudar o discurso ou reduzir um pouco a dose.

A única saída real é a transformação completa, exigindo disciplina, foco e vontade inquebrantável de abandonar a dependência.

Sem isso, a morte é só questão de tempo.

O Brasil vermelho, verde e amarelo vive exatamente essa condição.

Somos um Estado viciado em gastar. Um dependente químico da despesa pública, alimentado por governos que não têm coragem de enfrentar o vício.

Em 2025, a dívida pública já ronda 80% do PIB, e o FMI prevê que pode atingir 100% até 2029 — talvez antes disso.

Não há mistério aqui. O problema é o mesmo de sempre, ou seja, a ausência total de disciplina fiscal, o desprezo pela regra número um da prosperidade econômica. A regra de ouro é gastar menos do que se arrecada.

Da esquerda, inconsequente e incompetente, a gente sabe que o fundo não tem poço.

A gastança, a farra do assistencialismo, o gasto público sem freio, tudo isso faz parte do DNA “progressista”.

Governos populistas, como o atual de Lula, vendem o vício como compaixão.

Falam em “inclusão”, “solidariedade” e “justiça social”, mas o que praticam é farra com o dinheiro público.

Querem mais Estado, mais cabide, mais poder.

O assistencialismo barato perpetua a dependência estatal e destrói a dignidade do homem que trabalha, produz e anda com as próprias pernas.

Mas, para a tristeza de muitos, o problema não vem só da esquerda sectária.

Mesmo governos que se autoproclamam fiscalmente conservadores falham porque não revisam os alicerces do prédio.

Não se tem coragem de fazer o que precisa ser feito. Coragem não se compra numa prateleira de supermercado.

É preciso, é urgente e essencial reformar o funcionalismo público, enfrentar as corporações e questionar privilégios que drenam o Estado.

Tristemente, essa coragem não sobrevoa os ares da republiqueta do Pau Brasil.

Acima de tudo, falta ousadia para enfrentar o poder Judiciário, hoje um verdadeiro reino de Nárnia, intocado pelo mundo real.

Todo mundo sabe disso. Todo mundo vê.

Mas ninguém tem coragem de agir.

A verdadeira disciplina fiscal — como a verdadeira recuperação de um viciado — exige ruptura, foco e coragem de recomeçar do zero.

É preciso redesenhar o Estado, reduzir suas funções e devolver à sociedade o protagonismo econômico.

Há funções que o governo simplesmente não deve mais desempenhar, porque o dinheiro frutifica melhor nos bolsos do povo do que nas mãos do Leviatã.

Essa é uma premissa básica de quem quer ter um povo: pessoas com agência, responsáveis e prósperas. Essa é a lição do protagonismo do indivíduo e da sua dignidade.

Portanto, me parece que essa questão não é apenas ideológica; é, acima de tudo, uma questão de coragem aristotélica.

A virtude de enfrentar o vício do Estado, de cortar privilégios, de reformar a máquina pública e reabilitar a disciplina fiscal exige coragem verdadeira, aquela que não se contenta com paliativos ou ajustes cosméticos.

Claro, o óbvio “lulante”… Com líderes como Lula — e toda a sua trupe de “progressistas” do atraso —, nosso destino é keynesiano:

vamos morrer, só que mais rápido.

Porque, se não reabilitarmos a disciplina fiscal e a reforma do Estado de maneira séria e para valer, não haverá Keynes, nem Nárnia, nem milagre que nos salve.


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