domingo, 19 de outubro de 2025

Quando atravessarmos o umbral...


Quando atravessarmos o umbral 

Diário Espírita de hoje

Quando atravessarmos o umbral que separa a matéria do Espírito, não haverá títulos, cargos ou credos capazes de responder por nós. Diante da luz maior, as vestes do corpo se desfazem, e o que permanece é apenas o que fomos em essência, o bem que semeamos, as lágrimas que enxugamos, os corações que amparamos no silêncio das nossas horas.

Ninguém nos perguntará qual era a nossa religião, mas sim, quanto de amor conseguimos transformar em gesto. O Céu não se mede por dogmas, mas por atitudes. A fé verdadeira não está nas palavras que pronunciamos, mas nas mãos que estendemos, nos perdões que concedemos, na paciência que exercitamos mesmo quando o mundo parece injusto.

O plano espiritual é espelho. Nele veremos refletido tudo o que fomos capazes de doar sem esperar retorno, e também tudo o que negamos quando o orgulho nos cegou. A cada alma será mostrada a colheita do seu próprio plantio e ali compreenderemos que não existe religião mais elevada do que o amor, nem templo mais sagrado do que o coração que aprende a servir.

Que possamos, ainda aqui, aprender a viver com humildade e compaixão, porque a morte não nos transforma, apenas nos revela. E quando enfim voltarmos à pátria espiritual, que nossos passos possam brilhar não pela crença que seguimos, mas pela luz que espalhamos no caminho.


O País do Medo - artigo de Alex Pipkin, PhD em Administração


O País do Medo

Alex Pipkin, PhD em Administração

As instituições brasileiras se tornaram fábricas de medo — e, mais do que isso, fábricas emblemáticas da autolocupletação e difusoras da intimidação. O poder e a liderança já não se afirmam pela confiança ou pela competência que inspira e serve de modelo; virtudes essenciais, sobretudo para a geração mais jovem. Historicamente, o poder flertou com o medo; no Brasil atual, ele o faz de forma escancarada e sem pudor. O medo tornou-se o método oficial das lideranças institucionais, que confundem força com coerção e autoridade com intimidação.

A universidade, que deveria ensinar a pensar por meio de várias visões de mundo, transformou-se em laboratório de obediência. O contraditório foi banido — e, de forma estúpida e ideológica, cancelado. Não se pode discordar, muito menos pensar contra o dogma. Não há debate; há apenas a catequese das falácias do coletivismo, do “progressismo” do atraso.

Enquanto isso, a suposta “suprema” corte tornou-se um espetáculo dantesco. O tribunal virou palco de arbitrariedades, vaidades e decisões nada republicanas. Cada juiz interpreta conforme seu humor ideológico, e a lei passou a ser pretexto para o arbítrio. Jornalistas são punidos, opiniões censuradas, e a liberdade de expressão, que um dia nos fez cidadãos, tornou-se risco calculado.

Vivemos sob a ditadura do medo institucionalizado, que transbordou para a vida comum. As pessoas evitam expor-se, opinar ou confrontar. Tornaram-se cúmplices involuntárias da própria servidão. Esse silenciamento é não apenas político, mas psicológico e moral. O resultado é o tipo humano mais perigoso para uma civilização: o vitimista submisso, que transfere a culpa e terceiriza a responsabilidade. Quem estuda a história sabe que este sempre foi o método de líderes autoritários travestidos de humanistas, que arrotam governar para o povo. A culpa pelos fracassos sempre recai sobre um inimigo criado, nunca sobre suas próprias falácias.

Como consultor empresarial, vejo isso de forma evidente. É impossível liderar se você fica limitado aos problemas atuais, sem olhar para a mudança. Muitos líderes estão nesse estado, agarrados ao passado, aos próprios erros e frustrações, culpando o sistema. Eles não mudam; esperam que alguém ou as circunstâncias os mude. A política do medo funciona como antídoto perverso: mantém-nos imóveis e impede que assumam responsabilidade, transformando a inação em obstáculo à mudança.

O legítimo líder é um homem livre que pensa criticamente e que, portanto, age de maneira diferente. Diante do fracasso, ele não repete suas queixas: ele aprende e age. Não diz “ninguém me ouviu”, mas “não construí confiança suficiente para fazer o que precisa ser feito”. Ele entende que a liberdade é inseparável da autorresponsabilidade e de sua ação crítica e deliberada.

Essa é a fronteira decisiva entre cidadão e súbdito. O medo institucionalizado impacta de maneira avassaladora todas as esferas da vida brasileira, impedindo o crescimento individual, corporativo e social — nas empresas, universidades, mídia e sociedade.

No Brasil, a vitimização tornou-se virtude pública. O resultado é uma sociedade de subalternos — dóceis, ressentidos, distraídos — que preferem culpar outros ao desconforto de pensar por si.

Diante dessa realidade, cada indivíduo precisa fazer um exame de consciência. É necessário criar seus próprios incentivos, refletir sobre valores e visão de mundo, e buscar mudar a si mesmo e, na medida do possível, este sistema perverso. É possível pensar diferente, adotar visões diversas, mas sem se acovardar ou se resignar à estagnação e ao retrocesso que medo e vitimização nos impõem. A responsabilidade é pessoal. A ação consciente é o único caminho para não nos tornarmos cúmplices de nossa própria mediocridade.

Enquanto o medo for o cimento das nossas instituições e a vitimização o refúgio das consciências, permaneceremos estúpidos. Não por falta de inteligência, mas por covardia moral.


sábado, 18 de outubro de 2025

Quem matou o Brasil?


Quem matou o Brasil?

Alex Pipkin, PhD em Administração

Era uma vez um país que se preparava para o grande desfecho. Telões erguidos nas praças, famílias reunidas, olhos vidrados na tela. O país queria saber “quem matou o Brasil”, que poderia ter sido. Mas quando a mesma nação não se mobiliza pela própria saúde física, econômica e mental, já se revela algo sintomático. O drama real não está nos palcos iluminados, mas nos corredores escuros de ministérios e nas planilhas frias do déficit público.

O crescimento econômico, motor esquecido da vida digna, da geração de empregos e de salários que permitam sonhar, fora visto pela última vez acorrentado ao Ministério da Economia verde e amarelo, soviete — ignorante econômico, incompetente e ideológico. A esperança, coitada, transitava de carona em discursos surrados, embalados por chavões como “igualdade” e “justiça social”, enquanto a liberdade, já ceifada, era vigiada pelo coluio entre governo lulopetista e ditadura da toga, onde políticos se travestem de ministros e a lei se transforma em mero detalhe.

O controle fiscal foi encontrado sem vida, estrangulado por um amontoado de ministérios. Com a disciplina fiscal eliminada e cancelada, o déficit público beira os 80% do PIB; surreal. Sob a retórica da “justiça social”, 94 milhões de pessoas vivem das esmolas estatais, transformadas em servos do Estado, terceirizando suas vidas ao Leviatã e tornando-se cabrestos eleitorais. O Estado hipertrofiado festejava com as estatais, legítimos cabides de emprego, fontes de corrupção, desperdício de recursos e serviços medíocres. Correios, Petrobras, Eletrobras, todos cenários de incompetência, palcos de escândalos.

A plateia aplaudia por hábito, mas certamente por ser incauta, desinformada e desesperada, ávida pelas soluções mágicas de curto prazo. Nos bastidores, os conspiradores celebravam. Chamavam-se “servidores do povo”, mas viviam do suor alheio, gozando daquilo que diziam condenar. Usufruindo do que criticavam, o “capitalismo selvagem” era demonizado, enquanto defendiam pobres e multiplicavam dependentes, porque a pobreza é o principal mote da narrativa e precisa ser perpetuada. Juravam combater o privilégio, mas socialismo era para o povo, enquanto as benesses do capitalismo se concentravam numa deselite podre.

A moralidade morreu de vergonha, assistindo à corrupção desfilar em carros oficiais, e nas palavras e ações da “grande dama” Janja. A dignidade não resistiu ao espetáculo diplomático; abraços a tiranos do tipo ideal venezuelano, salamaleques a terroristas do Hamas. A verdade é que Israel, a única democracia do Oriente Médio, não cometeu genocídio algum. O que mata lentamente um povo são políticas populistas, que nunca deram certo e não darão, ideológicas e contrárias à sabedoria econômica. Isso é que de fato mata a prosperidade na republiqueta verde e amarela, e vermelha.

A verdade econômica foi assassinada com requintes de crueldade, acusada de elitismo, apedrejada por quem confunde inveja com virtude. A coesão social estava em frangalhos, reproduzindo a conhecida estratégia marxista, dividindo o país em tribos de ressentimento.

A sanha tributária, único item do “plano de não ter plano”, é o esporte favorito de um governo perdulário e ideológico, onde impostos escorchantes matam mais do que doenças, tirando a comida da mesa do trabalhador, o dinheiro do seu bolso e a chance de prosperar andando com suas próprias pernas. O assistencialismo escorchante transforma cidadãos independentes em dependentes, enquanto a inflação corrói quem produz, a educação forma militantes inebriados pelos fantasmas da opressão. A liberdade de expressão, evidente, foi expulsa das universidades, claramente de viés marxista, especialmente nas públicas, mas também nas privadas.

Quando os créditos subiram, um silêncio tomou conta das ruas. Pela primeira vez, talvez a plateia percebesse o óbvio ululante: o assassino não estava no palco — estava na plateia. O narrador concluiu, com ironia amarga: “Vale tudo, e talvez por isso, nada mais valha”.

Eu honestamente não sei se Odete Roitman morreu ou está viva. Mas o que eu seguramente sei é que, na triste realidade brasileira, a moral, o crescimento econômico e a dignidade estão, efetivamente, mortas.

Longe de me considerar dono da verdade, presumo saber quem matou o Brasil.


O EVANGELIZADOR DA REPÚBLICA - Acadêmico José Renato Nalini


O EVANGELIZADOR DA REPÚBLICA

Acadêmico: José Renato Nalini*

Eram republicanos crédulos, confiavam na extinção do Império, acreditavam que a República sanaria qualquer espécie de problema tupiniquim. O que diriam hoje, ao verificarem como anda e como claudica a República Federativa do Brasil?


O evangelizador da República

Dia 12 de abril de 2026, fará 110 anos que falecia no Rio de Janeiro, em modesta pensão da rua das Laranjeiras, aquele que é considerado talvez o maior e mais eficiente evangelizador da República: Francisco Glicério. No dia 13 de abril de 2026, seu corpo foi sepultado no Cemitério da Saudade de Campinas, onde nasceu.

Quem o conheceu prodigaliza elogios. Pelágio Lobo assinala: “Devolvia-se à terra campineira o corpo de um dos maiores e mais ilustres dos seus filhos, que era ali singularmente querido, pelo devotamento com que a serviu nos seus períodos angustiosos de lutas e crises, e do flagelo da febre amarela e, principalmente, pela inalterável bonomia e simplicidade com que sempre acolheu os conhecidos, ricos ou pobres, que lhe batessem à porta ou invocassem a sua ajuda. A memória do grande morto, - é um consolo constatá-lo – não ficou sepultada no olvido e, com os anos decorridos, parece que se agiganta e se eleva sobre todo o nosso País, como uma das suas boas figuras tutelares”.

O tempo, ah! O tempo. Faz desaparecer da memória aqueles que não poderiam desaparecer dela. Restam depoimentos esparsos, em livros pouco lidos, pois a volúpia do excesso de informações obnubila as mentes, cada vez mais requisitadas para o superficial e transitório, enquanto despreza o essencial e permanente.

Resgata-se no livro “Velhas Figuras de São Paulo”, de Pelágio Lobo, algo que teve significado à época e que mereceria significar ainda hoje, na lembrança brasileira, marco inolvidável sobre esse gigante da História do Brasil.

É o que ficou chamado de “Os Cinco Mosqueteiros do Partido”, que passaram a ser chamados, com o tempo, “Os Cinco Mosqueteiros de Glicério”. Eram jovens republicanos, estudantes ou recém-formados em Direito, designados pelos chefes do Partido para trabalhos de propaganda ou de cabala. Eram encarregados de tarefas urgentes ou até arriscadas, das quais os chefes não poderiam se desincumbir. Seus nomes: Alberto Sarmento, Alfredo Pujol, Carlos de Campos, Herculano de Freitas e Júlio Mesquita. Atuaram intensa e eficazmente entre 1884 e 1889.

Eram tão sedutores em suas missões, que assustavam as hostes monárquicas e conservadoras. João Egídio, jornalista severo e jurista acatado, os chamava de “a cachorrada”, esclarecendo que os cinco e outros que os acompanhavam, só serviam para fazer barulho e espantar a caça do mato.

Glicério se divertia com esses qualificativos. E colecionava casos em que a investida dos “Mosqueteiros” foi fundamental para a vitória da República. Um desses casos envolvia um fazendeiro que dispunha de vários votos. Onde o chefe ia, a turma inteira ia atrás. Por isso era essencial convencê-lo a votar no Partido Republicano, pois viriam juntos os demais votos.

Só que o chefe do bloco obedecia cegamente à sua mulher, voluntariosa e forte, de físico avantajado e muito enérgica. Glicério convocou os mosqueteiros para a conquista do bloco. Usassem de todos os recursos. Cooptação, persuasão, convencimento, carinho ou qualquer outra forma de sedução.

Quando o grupo soube da missão, tentou escapar. A fama da mulher era conhecida em todo o Estado. Glicério insistiu e fez um sorteio. A este incumbia convencer a mulher de que sua grei deveria votar no PRP – Partido Republicano Paulista.

O resultado do assédio favoreceu Glicério. Todos os votos daquele distrito foram sufragados no candidato dele. Os adversários se surpreenderam e logo concluíram que “Glicério havia soltado a cachorrada dele...”. Quando um dos monarquistas o questionou, ele disse: “Não foi preciso soltar a cachorrada. Bastou um perdigueiro para fazer a ninhada mudar de moita...”

Não se sabe o que esse “perdigueiro” fez, para convencer a virago a alterar sua predisposição a eleger os conservadores. Mas os Mosqueteiros do Glicério funcionavam. Não falhavam. A causa do Partido estava sempre à frente de qualquer outro interesse.

Eram republicanos crédulos, confiavam na extinção do Império, acreditavam que a República sanaria qualquer espécie de problema tupiniquim. O que diriam hoje, ao verificarem como anda e como claudica a República Federativa do Brasil?

Já não há “Mosqueteiros”, inspiração saudável na literatura mundial. Há outros personagens, não tão ingênuos, perspicazes e capazes de tudo fazer em benefício da Pátria.

Publicado no Estadão/Blog do Fausto Macedo, em 12 10 2025

*José Renato Nalini é acadêmico da Academia Paulista de Letras


quinta-feira, 16 de outubro de 2025

PERFÍDIAS & TRAIÇÕES - artigo do acadêmico José Renato Nalini


PERFÍDIAS & TRAIÇÕES

Acadêmico: José Renato Nalini*

Pouca gente hoje se interessa por saber o que se passou na Câmara Federal na segunda quinzena de julho de 1898. Analisava-se o pedido de um promotor público do Distrito Federal para processar criminalmente os deputados que, no inquérito conduzido pelo delegado Soares Neiva, eram apontados como inspiradores ou ‘autores intelectuais’ do atentado de 5 de novembro de 1897


Perfídias & traições

A política partidária é para quem possui nervos de aço e estômago capaz de deglutir veneno. Isso porque ela é feita por seres humanos. Criaturas imperfeitas, falíveis, que têm um discurso até edificante, mas uma prática nem sempre digna de encômios.

Assim tem sido sempre. Nada indica súbita mudança. E quem estuda a História do Brasil encontra evidências disso que suscitariam várias enciclopédias.

Homem de lutas, idealista e sonhador, Francisco Glicério também enfrentou borrascas. Chegou a ser apeado do seu elevado pedestal de chefe das vinte e uma brigadas do poderoso PRF – Partido Republicano Federal.

Depois de ser o “Pai da República”, Francisco Glicério divergiu de Prudente de Morais e os ânimos chegaram a tal tensão, que se tornaram adversários irreconciliáveis. A quebra de amizades não é escoteira, nem novidade na rotina dos partidos.

Pouca gente hoje se interessa por saber o que se passou na Câmara Federal na segunda quinzena de julho de 1898. Analisava-se o pedido de um promotor público do Distrito Federal para processar criminalmente os deputados que, no inquérito conduzido pelo delegado Soares Neiva, eram apontados como inspiradores ou “autores intelectuais” do atentado de 5 de novembro de 1897. Visava-se matar o Presidente Prudente de Morais, que recebia as tropas vencedoras em Canudos. Para salvar sua vida, o Marechal Bittencourt acabou recebendo o projétil e veio a falecer.

Esses deputados eram Francisco Glicério, de São Paulo, Irineu Machado, do Distrito Federal, Torquato Moreira, do Espírito Santo, Alcindo Guanabara, do Estado do Rio e Barbosa Lima, de Pernambuco.

Quem iniciou os debates na Câmara foi o deputado João Galeão Carvalhal, baiano que representava São Paulo. Era homem respeitado e seu pronunciamento foi ouvido em grande silêncio. A ala governista aparteava o orador, enquanto o apoiavam Nilo Peçanha, Paula Ramos, Serzedelo Correia, Cassiano do Nascimento e Pinto da Rocha.

Galeão Carvalhal, orador experiente, encerrou sua fala com um repto: “Se há alguém, que tenha uma suspeita, sequer, sobre a inocência de nossos honrados companheiros, que venha afirmá-lo, com a responsabilidade dos seus nomes e da sua posição!”.

A resposta foi um silêncio, até que Pinto da Rocha exclamasse: “Este inquérito é uma indecência, uma obscenidade!”. Seguiu-se grande tumulto, com interrupção da sessão.

A bancada glicerista impugnava a atuação de J.J. Seabra, que advogava pela viúva do Marechal Bittencourt e, portanto, nítido o seu interesse no deslinde da questão e não hesitava em participar ativamente dos debates na Câmara.

Chegou sua vez de falar e, como era excelente na retórica, verberou contra os colegas da oposição. Sustentou que a licença apenas permitiria à Justiça apurar a participação dos suspeitos. Não implicava em imediata condenação dos presumivelmente inocentes. Enfatizou que o próprio Glicério, em publicação largamente divulgada nos jornais de São Paulo, afirmara aguardar, serenamente, a sua chamada perante juízo regular, a fim de produzir sua defesa.

As sessões se prolongavam, porque era grande o número de deputados ansiosos por externar sua posição. Chegou a vez de Calógeras. Embora governista e adepto de Prudente de Morais, por acreditar que este consolidaria a República, era homem íntegro e não mergulhava nas paixões política, que contaminavam o trâmite das questões a serem apreciadas em processo técnico. Despido de ardor partidário, teve a hombridade de sustentar que aquele processo era monstruosidade inconveniente. Monstruosidade, porque eivado de ira e ressentimento, que comprometia a regularidade jurídica. Inconveniência, porque procurava punir Glicério, “um homem cuja vida é uma tradição de pureza, mais do que isso, uma honra para o Estado que o elegeu e uma glória para o nome brasileiro”.

Para ele, a Câmara deveria, com desassombro, negar a licença pedida para processar seus membros, incluídos no inquérito por uma agitação política indigna de um Parlamento decente.

Seguiram-se acalorados debates e à votação, compareceram 177 parlamentares. 92 negaram a licença, 85 a concediam. Foi uma impressionante manifestação do Parlamento em defesa da intangibilidade de seus integrantes.

Publicado no Estadão/Blog do Fausto Macedo, em 15 10 2025

*José Renato Nalini é acadêmico da Academia Paulista de Letras


quarta-feira, 15 de outubro de 2025

A AGONIA DE ULISSES - por Dartagnan da Silva Zanela


A AGONIA DE ULISSES

Dartagnan da Silva Zanela*

Recentemente, tive a felicidade de encontrar em uma modesta livraria um livro de Antoine de Saint-Exupéry, “Carnets”, que reúne algumas reflexões e anotações que o piloto/escritor havia deixado em alguns caderninhos.

Em uma passagem, ele simplesmente diz, de forma melancólica, que o ódio é abominável; e o é por projetar em nossa alma imagens tremendamente falsas. Imagens falseadas sobre os outros e sobre nós mesmos e, quando nos permitimos ser tragados por essa tempestade, acabamos por nos desumanizar uns aos outros, crentes de que, ao fazermos isso, estamos montados na razão, autorizados pelos céus e cobertos com o manto de todas as virtudes.

Ora, se não somos mais capazes de sentar e ouvir atentamente aqueles que pensam diferentemente de nós sem termos um rompante, uma crise de pelancas, é sinal de que a ordem não mais existe. Não me refiro à “desordem democrática”, refiro-me à desordem da nossa alma. É nela que toda inversão de valores principia, é no solo do nosso coração que o caos e a anomia veem suas sementes germinar e dar seus frutos pestilentos.

A sociedade do ressentimento - Alex Pipkin, PhD em Administração

 

A sociedade do ressentimento

Alex Pipkin, PhD em Administração

Eu realmente tenho pensado e me debruçado sobre o nosso tempo, da sociedade do ressentimento. Uma época em que a sinalização de virtude e o sentimento de culpa pelas injustiças do passado se tornaram o novo alicerce moral das sociedades ocidentais. Não há como reinventar o mundo. Ele é como é. Negar sua natureza é adotar uma espécie de niilismo, uma negação do real que começa na infância e molda a mente de quem deveria crescer capaz e confiante.

Esse niilismo precoce domina a juventude, aprisionando-a em fantasmas da opressão e da injustiça, limitando-a a uma vida mais triste e medíocre. A sensação de que nada é superior a nada transforma-se em conformismo e ressentimento, direcionados por ideologias manipuladoras, criando uma incapacidade profunda de valorizar o que é realmente útil, belo e virtuoso. O resultado é um ciclo em que o talento e a criatividade se encontram cerceados, a curiosidade é punida, e a coragem intelectual é substituída pelo medo de pensar diferente.

Hoje, tudo que se esforça por ser útil, belo ou virtuoso encontra resistência, desacordo ou desdém, tanto porque desafia a lógica da mediocridade e da culpa, quanto porque é percebido como elitista. Glorifica-se a miséria e se enaltecem vícios, especialmente os da pobreza, enquanto se ignoram os valores virtuosos do mérito e do sucesso. Esse é o roteiro perfeito para populistas que querem manipular, manobrar e ceifar o pensamento crítico, transformando ressentimento e frustração em instrumentos de poder.

DIA NACIONAL DO PROFESSOR


DIA NACIONAL DO PROFESSOR

Antonio Guimarães de Oliveira

Eis um dia magnífico para todos nós. Fico, às vezes pensando: o que seria de nós se não existisse o professor (a)?

É interessante deixar bem claro, ou melhor, lembrar aos esquecidos: todos os professores um dia foram alunos.

Ser professor, portanto, continua sendo uma profissão atrativa, pois contínua aprendendo... Na verdade, o professor nada mais é do que um aluno com um pouco mais de experiência, seja para transmitir palavras, cálculos ou mesmo simples conhecimentos.

Recordo-me que também fui aluno e na minha adolescência, ainda no povoado Lago Limpo (não tive o prazer de ter como professora Maria Roseno), onde nasci, minha avó materna, a poetisa Laura Oliveira Guimarães foi a minha primeira professora.

Em seguida, já morando em Bacabal, tive a honra de ser aluno da

professora Gertrudes. Tinha delicadeza, educação e, como ninguém, transmitia o conhecimento necessário para aquela faixa etária...

Não posso esquecer também da professora Raimundinha do sr. Batista. Tinha uma régua adequada para os preguiçosos, desatentos e criaturinhas traquinas; a professora Rivalda era muito religiosa. Aprendi a tabuada com o incentivo da sua rigidez. Por ser muito próxima à igreja católica, sobretudo aos religiosos, sempre havia as rezas (antes e depois das aulas); a professora Risete era uma incansável. Tinha uma máxima repetitiva: adiante! Adiante! E assim, sucessivamente...

Carta Pública ao Ministro Luís Roberto Barroso:


Carta Pública do Instituto Lexum (renomada organização de juristas e acadêmicos brasileiros) ao Ministro Luís Roberto Barroso:

Do Jornal Cidade Online

“Fique, Barroso. Tenha a coragem de assistir ao fim do que você começou.

De todas as estratégias possíveis, a mais covarde é a fuga disfarçada de cansaço.

A história está repleta de engenheiros de ruínas que, ao verem o castelo desmoronar, saem pela porta dos fundos, de fininho, como se nada tivessem a ver com os escombros.

Mas não, ministro Barroso — o senhor não vai sair assim.

Sabe por quê?

Porque cada rachadura no prestígio da Suprema Corte brasileira carrega sua digital.

Cada voto em que o juiz se fez legislador, cada frase em que a moral pessoal se travestiu de princípio constitucional, cada vez que a toga pesou mais do que o texto — tudo isso tem sua assinatura intelectual, moldada lá nos tempos de UERJ, quando o senhor, encantado com a living constitution, decidiu ensinar ao País que a Constituição era um romance em construção, escrito por intérpretes iluminados.

De uma linha de pensamento ativista, porém respeitável, da tradição jurídica norte-americana, passamos a conviver com um neoconstitucionalismo tupiniquim, com uma demão de verniz acadêmico, mas que bem poderia ser batizado de doutrina do ‘perdeu, Mané, não amola’.

A prometida ‘recivilização’ do País, por um autodeclarado iluminista, se concretizou em autoritarismo galopante.

Pois bem, o romance virou panfleto.

A Corte virou trincheira.

A Constituição, peça de ocasião.

E agora, quando o País finalmente percebe o que aconteceu, o senhor cogita ir embora?

Não, Barroso.

Isso não seria prudente.

Seria simbólico.

E o símbolo que se formaria seria implacável: o autor de uma doutrina que prometeu redenção, mas entregou autoritarismo revestido de empáfia, agora tenta escapar do veredito histórico.

Não como um magistrado que se despede após o serviço cumprido — mas como quem abandona o navio ao ouvir o estalo da madeira.

Roberto Campos, ao comentar a correção monetária, confessou ter criado um carneiro que virou um bode.

Ele não se esquivou.

Ele olhou para a distorção de sua ideia original e assumiu a paternidade do monstro.

Já o senhor, quer sair de cena sem sequer reconhecer que o bode constitucional que nos coube nos últimos anos tem os traços exatos do seu neoconstitucionalismo messiânico.

Portanto, ministro, fique.

Fique para ver a extensão da obra.

Fique para explicar a erosão da legitimidade.

Fique para ouvir a crítica dos que ainda acreditam que juízes devem julgar, não governar.

Fique para entender que o Supremo não é palanque nem púlpito.

Ou então saia.

Mas saiba: sua saída não será apenas uma aposentadoria precoce.

*Será uma confissão.*”


sexta-feira, 10 de outubro de 2025

Artigo de Alex Pipkin


Artigo, especial, Alex Pipkin - O balcão de negócios

Alex Pipkin, PhD em Administração

Não sou cientista político, mas vivo nesta republiqueta verde-amarela vai fazer sessenta anos. Portanto, sinto os cheiros da feira, conheço o gosto da lama institucional. Digo com convicção hobbesiana: o homem não é perfeito, é egoísta, além de outras características nada elogiosas. O homem é assim, por natureza imanente. E, no Brasil, fisiologicamente, esses homens transformam-se em ministros.

Vejam o caso do ministro André Fufuca, do Progressistas, responsável pelo Esporte. Jovem, simpático, médico, mas acima de tudo especialista em fisiologia política. Quando seu partido decidiu desembarcar do governo lulopetista, Fufuca quis permanecer. Por convicção? Por coerência? Ora, poupe-me. Apenas apego ao conforto, ao tapete vermelho e, sobretudo, àquilo que se chama “estrutura de governo”, ou seja, boquinha garantida.

Também temos Celso Sabino, do União Brasil, ministro do Turismo, outro resistente ao suposto “ultimato” partidário. Disse que permanece por “convicção pessoal”. Convicção, sim, de que sair do poder seria um ato de generosidade que ninguém mais pratica.

E, como se não bastasse, estamos vivendo a emocionante, sentimental aposentadoria do ministro Luiz Roberto Barroso, candidatíssimo ao prêmio Nobel do “iluminismo”, que, no alto de seu “iluminismo”, deixa o STF, aludindo já ter contribuído para o grande avanço da republiqueta vermelho, verde e amarela. Mais um exemplo de como, no Brasil, virtude, erudição e fisiologia institucional podem coexistir sem qualquer atrito.

O fisiologismo, essa palavra sofisticada que tenta dar aparência nobre ao velho toma-lá-dá-cá, é o nome científico do balcão de negócios. E o balcão anda movimentado. Fufuca; Celso Sabino…

Convicções? Causas? Nenhuma. Apenas o velho instinto de sobrevivência política, travestido de pragmatismo. A retórica é o verniz; o conteúdo é o balcão de negócios.

É curioso observar como a política, essa ficção de bons propósitos, continua sendo vendida como uma arena de ideias. Quanta ingenuidade, meu caro Watson! Aqui, o que move a engrenagem não são ideais, mas interesses. Causas? Só se forem aquelas que garantem cargo, emenda e influência.

Vivemos, afinal, nesta republiqueta verde-amarela. Terra sem lei, da impunidade, da ditadura da toga e da corrupção desenfreada. Uma nação em que o crime compensa, o mérito incomoda e a coerência é tratada como excentricidade. A previsibilidade é quase científica: os incentivos que deveriam inibir o fisiologismo o estimulam; o sistema que deveria punir o desvio o recompensa.

Todo mundo sabe disso, é mais claro que água cristalina. O fisiologismo não é um acidente, é um projeto. E, enquanto a ciência política continua debatendo o país que deveria ser, nós, aqui fora, continuamos sobrevivendo ao país que é. Desafortunadamente, uma feira de vaidades, um leilão de princípios, uma coreografia cínica em que a virtude sempre dança sozinha.

Porque, no Brasil, o fisiologismo não morre. Ele apenas muda de gabinete.


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