Dom Walmor Oliveira de Azevedo - Arcebispo Metropolitano de Belo Horizonte – MG
A atenção do mundo está voltada para a sociedade
brasileira. Mas, infelizmente, o foco não é favorável: as turbulências das
Operações Lava Jato e Carne Fraca é que colocam o País no “olho do furacão”.
Uma exposição que mostra, com as revelações dessas operações, uma sociedade
desestabilizada e incapaz de promover a solidariedade e a justiça. Momento que
requer mais esforços em prol da democracia. E o caminho a ser trilhado não é o
de adotar a indicação de um grupo, instância governamental ou segmento único da
sociedade, nem mesmo de líderes políticos. Sobretudo, porque há um sofrido
déficit de lideranças, em razão de graves problemas, a exemplo da desconexão
entre princípios ético-morais e a dimensão subjetiva e pessoal, que influencia
as decisões. Essa desconexão, entre outras consequências, gera a
insensibilidade social. Assim, muitas
decisões são tomadas para favorecer quem não precisa, com prejuízos para os
mais pobres. Mesmo assim, aqueles que decidem acreditam que suas deliberações
são as mais acertadas. Consideram as próprias escolhas e projetos os mais
justos para o momento.
Desse modo, cria-se um descompasso que precisa ser
corrigido a partir de processos que representem oportunidades para a ampla
participação cidadã. Esse é o único meio de garantir escolhas adequadas e com
força para fazer a urgente assepsia nos funcionamentos institucionais e
governamentais. É uma via que leva às melhorias nos serviços públicos e na
conduta cidadã de todas as pessoas, nas diferentes áreas. Nesse sentido, a
reforma da Previdência não pode ser conduzida a partir da perspectiva de
poucos, mas deve suscitar ampla participação. Trata-se de singular oportunidade
para o cidadão participar, com opiniões, reflexões e debates sérios, que
contribuam para a construção de entendimentos. Esse exercício possibilita
também corrigir os modos de atuação de quem tem o dever de representar o povo.
Inclusive oferece a chance para políticos recuperarem a credibilidade perdida
justamente por, de modo contumaz, desconsiderarem as bases éticas e morais.
A reforma da Previdência pode até ser necessária à
democracia, mas nenhuma reforma pode operar na contramão do bem de todos,
principalmente dos mais pobres. As desigualdades que, historicamente, corroem a
sociedade brasileira, sustentadas por uma cultura de privilégios e de benesses,
não devem ser acentuadas. Por isso, a
atenção ao processo de reforma da Previdência, com adequadas escolhas, é um
desafio de todo o conjunto da sociedade.
Fundamental é que os representantes do povo ajam com transparência na
apresentação de informações, números e estatísticas, além de considerar os
diferentes contextos socioculturais da realidade brasileira.
Nada deve ser feito no afogadilho, a partir de visão
unilateral, particularmente quando se pensa nas reformas política e da
Previdência. O bem-estar dos mais pobres tem que ser o ponto de referência para
se planejar mudanças no Brasil. Uma sociedade democrática não pode jamais
passar por cima dos mais fracos. Por isso, todos devem se unir e fazer mais
pela democracia, participando dos processos que envolvam reformas. Nessa
tarefa, deve sempre estar no horizonte o que determina a Constituição Cidadã de
1988. Retroceder em marcos regulatórios, ou em princípios da vida cidadã, com o
exclusivo objetivo de se “fechar contas” ou de se acumular superávits,
constitui perda civilizatória. E a reversão desse prejuízo envolveria o
trabalho e o sacrifício de muitas gerações.
Fazer mais pela democracia tem que ser “a bandeira
cidadã” de todos, partindo de um sincero processo de identificação das próprias
responsabilidades. Um dever de cada pessoa, particularmente dos dirigentes e
dos representantes do povo. Para além do respeito formal das regras, esse
exercício de autoavaliação deve se inspirar em uma convicta aceitação dos
valores que norteiam os procedimentos democráticos. No conjunto desses valores,
e acima de tudo, está o respeito à dignidade da pessoa humana, que é sagrada e
inegociável, critério regulador da vida política.
As muitas reformas são necessárias, mas devem ocorrer no
contexto de um novo tecido cultural, a partir do diálogo, do confronto de
ideias e da construção de consensos. Um caminho para a verdadeira consolidação
da democracia, que qualifica a autoridade política e rege o exercício da
cidadania. Tarefa exigente, complexa, que requer olhar atento para a situação
dos mais pobres. Coragem para cortar privilégios e priorizar o bem comum. Eis o
caminho para mais se fazer pela democracia.
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