quarta-feira, 11 de janeiro de 2023

Poema de Aglaé Gil



Aglaé Gil

Moro aqui.

Às vezes, no entanto, não estou.

Saio daqui e ando pela rua repleta

de uns sentimentos loucos, umas lembranças toscas, à procura daquela que fui.

Às vezes, encontro um sorriso no galho de uma roseira, pendurado e ferido por um espinho.

Ele tem um nome que eu não escrevo nem repito.

Ontem, encontrei um olhar meu. Estava ali, numa dessas esquinas onde voam resquícios de lixo reciclável que os moradores deixam no descuido.

Parei e o olhar entre uma folha de papel e uma caixa de leite era o meu. Perdido. Perdido.

À procura de algo que nem sei.

Vou me catando um pouco.

Vento no rosto, chuva miúda.

E vou.

Até regressar - porque por ora esta é a morada que me cabe - e a gata me saudar miando uma cantiga incomum.

Sento-me com ela, conto a história da caminhada e retiro da bolsa o que encontrei.

Às vezes, ela se deita sobre o que trago e ronrona baixinho

Na certa, sabe mais de mim do que eu.

Não tem em si o veneno do raciocínio que pesa, destila, escolhe e sofre.

Mas tudo, tudo isso, tem um nome.

Não. Eu não o escrevo nem repito.

Mas você,eu sei, pode sentir.

...

A.Gil

 

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