No primeiro
texto exposto para discussão deste ano, a polêmica causada por JR Guzzo em
opinião publicada na revista "Veja" de fim de ano, quando defendeu
com unhas e dentes e com números o voto
distrital, tentando provar o completo despreparo da maioria dos eleitores
brasileiros, culpado pelo caos políticos e por escândalos como o do Mensalão.
(ML).
O texto de
Guzzo é forte e, de certa forma, provoca choques ao afirma que o brasileiro
vota mal porque é analfabeto e ignorante, sem interesse real pela política e
muito menos pelo futuro ética da nação brasileira:
"O
fato, para falar português claro, é que o brasileiro vota muito mal. E uma
dessas coisas que se falam em conversas particulares, mas raramente em público
— seria preconceito, elitismo ou fobia ao povo. Tudo bem, mas a realidade é a
realidade. O deputado federal mais votado do Brasil é o palhaço Tiririca, de
São Paulo, que se elegeu em 2010 com 1,3 milhão de votos e o lema “Tiririca,
pior do que está não fica”. O Ministério Público registra, só no ano de 2012, a
abertura de 10000 inquéritos para apurar crimes de corrupção e atos de
improbidade administrativa. Dos atuais deputados e senadores, mais de 250
respondem a processos penais — possivelmente, um recorde mundial. Não existe,
fora das penitenciárias, nenhum lugar onde o porcentual da população acusada de
crimes supere os números encontrados no Congresso Nacional. (...)".
Guzzo é mais ainda contundente ao afirmar: "(...) Há outro fato incômodo: o eleitorado vota mal porque é ignorante. De novo, muita gente boa fica horrorizada ao ouvir uma coisa dessas. Mas como alguém poderia sustentar o contrário num país onde 75% da população entre os 15 e os 64 anos de idade não consegue ler, escrever nem calcular plenamente? Ou seja: só um quarto dos brasileiros adultos é capaz de entender realmente o que lê, de escrever o que realmente quer dizer e de continuar aprendendo com a utilização dessas habilidades. As demais pessoas adultas não apenas são ignorantes; estão travadas na ignorância, pois o que sabem não é suficiente para que possam aprender mais. Não podem fazer as mesmas coisas que os cidadãos instruídos. Têm os mesmos direitos, mas não têm as mesmas capacidades. São iguais perante a lei, mas não perante a vida. Trata-se de uma verdade amarrada em fas. Horrível não é dizer que o eleitorado é ignorante; horrível é que ele seja ignorante.".
"(...)
Quem considera que isso é um insulto ao povo fica convidado a demonstrar como é
possível algum país ter, ao mesmo tempo, três quartos de sua população adulta
vivendo no analfabetismo funcional e eleitores capacitados a identificar com
clareza os seus interesses. Não dá. “Seria demagógico supor que a qualidade das
decisões que uma pessoa toma não muda com melhorias radicais de instrução”,
escreve o economista Gustavo Ioschpe, um dos mais competentes especialistas
brasileiros na área da educação. É isso. O eleitorado não é ruim, nem bom, pelo
fato de ser semianalfabeto. Também não tem nenhuma obrigação de votar bem; tem
apenas o direito de votar em quem quiser. Mas é inevitável que a ignorância
produza consequências concretas; eleitores sem interesse em política,
desinformados sobre a vida pública, indiferentes à própria cidadania e que
votam basicamente por obrigação, para ter os documentos “em ordem”, tendem
naturalmente a escolher mal. Ou não? (...)".
O colunista
JRGuzzo, da revista Veja, então, asservera, como solução: "(...) Sendo as
coisas o que são, a questão que se coloca é a de sempre: que fazer? Não é
possível, por exemplo, zerar tudo e só dar o título de eleitor a quem passar
num exame de conhecimentos gerais do tipo Enem. É inviável, igualmente,
terceirizar as eleições brasileiras para outro país — convocar o eleitorado da
Alemanha, digamos, para votar nas nossas eleições, na suposição de que os alemães
são mais instruídos e, portanto, escolheriam melhor. A saída mais viável, no
aqui e ago-ra, é desmontar o atual conjunto de regras eleitorais e colocar no
seu lugar um novo sistema de eleições para deputados e senadores — os que
escrevem e aprovam todas as leis vigentes no país. O objetivo é muito simples:
tomar mais fácil para o eleitorado brasileiro, tal como ele é hoje, a escolha
de políticos mais bem qualificados para trabalhar pelos interesses reais da
população — e, ao mesmo tempo, tomar mais difícil a eleição sistemática dos
vigaristas, escroques e parasitas que são o resultado inevitável da maneira
como se vota hoje no Brasil. Esse novo sistema se chama voto distrital; está em
uso desde sempre nas democracias mais bem-sucedidas do mundo, e é o alicerce
para qualquer reforma política séria que se pretenda fazer no país.
A melhor
recomendação em favor do voto distrital é o pavor que a grande maioria dos
políticos brasileiros tem dele. Sabem muito bem o estrago que isso pode fazer
no sistema eleitoral em vigor — e tudo o que querem é deixar as coisas
exatamente como estão, ou se possível ainda piores, porque são os únicos
beneficiários da presente situação. Seu principal argumento é dizer que o voto
distrital é uma coisa complicadíssima, impossível de ser entendida pelos
neurônios disponíveis no eleitorado — e, portanto, uma solução “inviável”. Pura
tapeação. Não se trata de nenhum problema de trigonometria esférica, ou algo
assim(...)".
A conta é
simples. Em São Paulo, aritmeticamente, é preciso quase 450000 cidadãos para
eleger um deputado; em Roraima bastam 37 500. O que dá mais ou menos valor ao
voto de um cidadão, pelo sistema vigente, é o seu endereço residencial. Não
haveria, numa mudança dessas, nenhum favorecimento a São Paulo, nem aos
“paulistas”, como pregam os inimigos do voto distrital; favorecidos seriam os
brasileiros que moram em São Paulo, qualquer que seja o lugar onde tenham
nascido. Que culpa têm por viver ali? Por que o seu voto deveria valer menos? O
equilíbrio entre os estados, igualmente, não seria prejudicado: cada uma das 27
unidades da federação continuaria tendo três senadores, independentemente do
tamanho do seu eleitorado. Haverá, é claro, distritos com territórios muito
maiores que outros, mas o número de eleitores será equivalente em cada um
deles. Qual é o pecado? Na verdade, embora a justiça e a lógica do princípio
“um homem, um voto” desagradem por instinto aos políticos brasileiros, não é
esse o seu principal problema. O que realmente os assusta no voto distrital é
tudo aquilo que vem com ele.
O novo
sistema, para começar, acabaria com os Tiriricas e Malufs. Eles teriam de se
candidatar por um único distrito, e só poderiam ser votados ali — e não mais no
estado inteiro, da mesma forma como um candidato de Goiás, por exemplo, não
pode receber votos no Paraná. Já é duvidoso, em primeiro lugar, que fossem
eleitos. Teriam de enfrentar, mano a mano, candidatos fortes no seu distrito,
em vez de concorrerem sem adversários definidos, como ocorre na geleia geral de
hoje. Além disso, acaba a farra das “sobras” — os votos excedentes que recebem
e servem para eleger um monte de zés-ninguém que tiveram votações miseráveis.
Elimina-se a necessidade de gastar fortunas correndo atrás de votos no estado
inteiro, o que só favorece os candidatos com mais dinheiro. No horário
eleitoral obrigatório só vão aparecer os concorrentes do distrito onde vive o
eleitor — o que simplifica decisivamente a sua escolha. Os partidos nanicos,
que em geral são apenas gangues montadas para extorquir governos, tendem a
sumir do mapa. Mais que tudo, os deputados estarão sempre cara a cara com os
eleitores de seu distrito, e terão de explicar diretamente a eles, a cada
eleição, o que fizeram no seu mandato. Por que aumentaram o próprio salário?
Por que empregaram tantos parentes? Por que não cassaram o colega ladrão? Por
que não fizeram nada de útil? Os candidatos adversários, com certeza, não vão
se esquecer de fazer essas cobranças. Para nenhum deputado haverá a
possibilidade de recuperar em outros lugares do estado os votos que perdeu em
seu distrito.
O que está
escrito aí acima não é um projeto de lei, algo que exige conhecimentos técnicos
e respostas para detalhes importantes do processo eleitoral; é apenas um artigo
de revista. Ninguém pretende, igualmente, sustentar que o voto distrital
resolveria “tudo” — nada é capaz de resolver tudo de uma vez. É apenas um
primeiro passo, mas sem ele não se começa a caminhada até o ponto ao qual é
preciso chegar. O que dificulta o debate do voto distrital, no fim da contas,
não são as suas falhas, e sim as suas virtudes. Elas desmancham um sistema que
mantém o Brasil do jeito que está hoje, e só interessa aos políticos — que,
naturalmente, não se animam a mudar algo que os favorece. É uma lei da
natureza. “As espécies são capazes de desenvolver instintos que as protegem”,
escreveu Charles Darwin em A Origem das Espécies. “Mas nenhuma espécie
desenvolve instintos em benefício de outra.”
Eis aí o
sistema eleitoral brasileiro, descrito cientificamente. Entregue aos políticos,
só mudará para pior.
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