Mhario Lincoln |
A denúncia válida pode ser por crime comum, crime
de responsabilidade, abuso de poder, desrespeito às normas
constitucionais ou violação de direitos pátreos previstos na
Constituição. À título de esclarecimentos, ontem conversei longamente
com o jornalista e advogado Mhario Lincoln, maranhense que mora em
Curitiba-PR, ex-candidato a vereador (SLZ) pelo PMDB/PTC, sobre o
clamor das ruas pró-impeachment da presidente Dilma.
Mhario
deu sua opinião jurídico-política sobre o assunto e esclareceu algumas
dúvidas com relação a esse instrumento "mais político que jurídico, diz
ele ao citar o entendimento do professor Ives Gandra: ' juridicamente o
processo tem sentido, mas depende do Congresso, e lá o julgamento é
político', tal qual, usado pela primeira vez no Brasil, quando do
impedimento do ex-presidente Fernando Collor de Melo."
Mas, o
próprio Fernando Henrique Cardoso, também já havia passado por situação
parecida quando, no início do seu segundo mandato, em 1999, ocorreu a
passeata dos 100 mil pressionando os deputados da Câmara Federal a
acatar a denúncia de impedimento de FHC.
"Como FHC tinha a
maioria na Câmara o impeachment não se concretizou porque tudo começa no
acatamento da denúncia por 2/3 dos deputados, que em seu total somam
513", diz Mhario na entrevista.
Quanto ao atual movimento
para derrubar a presidenta Dilma Rousseff, Mhario enfatiza a força dos
movimentos populares, mas ressalva "que se não houver pressão popular
diretamente dentro da Câmara Federal, o risco de naufrágio da intenção
democrática é grande, como já naufragaram outros 12 pedidos de
impeachment de Dilma, todos, devidamente arquivados na Câmara Federal",
explicita.
Por fim Mhario Lincoln se preocupa, igualmente, com
a "banalização desse instrumento tão importante para a democracia
brasileira. Para se ter uma idéia, a cada novo presidente que assume o
país, inclusive o FHC e Lula foram alvos de manifestações
pró-impeachment. O Lula na época em que explodiu o Mensalão. Acho que as
coisas devem ser feitas com caluda, a fim de que ofereçam resultados e
essas manifestações, sob a égide de denúncias graves, não acabem
arquivadas pela Câmara Federal, onde tudo começa".
Leiam a íntegra, abaixo.
Hélcio Silva: VC acha que o Impeachment de Collor é agora 'peça de museu', como disse o ex-senador Paulo Brossard?
Mhario Lincoln:
No caso atual, como episódio isolado, sim. Nas condições em que o
parlamento nacional se encontra com maioria esmagadora de Dilma, não
haverá impeachment. Basta lembrar que no começo do segundo mandato de
FHC, houve um levante popular quase idêntico ao de hoje levando cerca de
100 mil pessoas às ruas, pedindo o impedimento do Presidente da
República. Como FHC tinha maioria na Câmara Federal, nada prosperou.
HS-Então você concorda em definir o instrumento do Impeachment como 'peça de museu'?
ML-
No todo, nunca! Acredito que o impeachment, guardadas suas respectivas
atualizações, é uma importante peça de defesa jurídico-social e estará
sempre à disposição do cidadão brasileiro. Seja no caso da corrupção
política e administrativa ou no desrespeito ainda maior ao Estado
Democrático de Direito.
HS-Vc diz 'político-administrativo'. Por que?
ML-
Porque essa ferramenta constitucional é antes de tudo
político-administrativa. Mais político que jurídico, entendimento,
inclusive, o mesmo do professor Ives Gandra: 'juridicamente o processo
tem sentido, mas depende do Congresso, e lá o julgamento é político'.
Todo o processo se desenrola quando o Legislativo (Câmara Federal) acata
a denúncia contra o Presidente da República e coloca em votação. Caso
2/3 dos deputados aprovem a medida, o processo então é submetido ao
Senado. Portanto, a lei sugere o caminho. Quem julga é o Legislativo.
Portanto, o poder político. Mesmo tendo tipicidade jurídica, o
julgamento sempre será político.
HS- No caso específico de Dilma?
ML-
O impeachment tem que começar pela Câmara Federal e terminar no Senado.
Ora, a esta altura, com o PMDB sendo dono de alguns dos mais
importantes Ministérios de Dilma e sendo esse partido, o fiel da
balança, acho muito difícil a Câmara com seus 513 deputados, sendo 70 do
PT e 66 do PMDB, perfazendo um total de 136 deputados, incluindo aí
mais algumas dezenas de 'dependentes' do governo Dilma, acatar tal
instrumento moralizador. Sendo um julgamento político, como funcionaria
a consciência de cada um parlamentar cassando Dilma e abrindo o
processo eleitoral novamente?
HS- Quer dizer então que o Vice não assume?
ML-
No momento atual, não! Eu pergunto: interessaria ao PMDB derrubar Dilma
e seu vice? Michel Temer também iria na enxurrada pois, se o
impeachment acontecer antes dos dois anos do mandato atual, são
convocadas novas eleições. Após dois anos, a decisão fica na mão do
Congresso. Tem um detalhe bem interessante nisso tudo: Quem for eleito
nos dois casos não fica por mais quatro anos, apenas respeita o tempo
restante do mandato impedido.
HS- Então o Aécio tem chances?
ML-Aí
vem o velho questionamento: E Aécio Neves. Onde ele entra? Em primeiro
lugar não é tão estranho se pensar em Aécio. Ele mesmo poderia disputar
nova eleição ou simplesmente (em caso extremo) ser eleito pelo
Congresso. Considerando seu resultado nas últimas eleições, é um nome
forte. Mas acredito que ele não estaria com tanto interesse em pegar o
resto do mandato de Dilma, na atual conjuntura. Ele mesmo já disse isso,
após as eleições do ano passado, (2014).
HS- E Cunha, Calheiros e Lewandowski?
ML
- Tanto o Cunha, o Calheiros ou Ricardo Lewandowsk, na hierarquia da
substituição da Presidência da República: presidente da Câmara dos
Deputados, presidente do Senado e presidente do STF, respectivamente,
podem somente ' substituir' o Presidente e o Vice, temporariamente, no
caso, enquanto o processo de impeachment ocorrer. Além das substituições
normais quando essas autoridades estão fora do país.Todavia, em nenhuma
hipótese se manteriam no cargo sem serem candidatos oficiais ao
posto. Basta ler o que está singrado na Carta Magna do país.
HS-
Então, na conjuntura atual, é sonho a busca do impeachment de Dilma
Rousseff e o chamamento pra isso no dia 15 de março de 2015?
ML-
O chamamento não é um sonho. É uma manifestação democrática legítima,
como a passeata dos 100 mil do FHC ou o movimento dos caras-pintadas do
Collor. Todavia, a legitimidade do impeachment só se dará dentro da
Câmara Federal, ao ser acatada a denúncia, sendo da responsabilidade
única e exclusiva (sem golpe, claro) dos 2/3 dos 513 deputados. Aceita a
denúncia de irregularidades constitucionais ou afronta ao Estado
Constitucional de Direito, a peça, então, é removida para o Senado para
aprovação igualmente por 2/3 dos senadores. Nesse ínterim, o Presidente
da República estará com atividades suspensas por 180 dias. Um detalhe:
Quando se tratam de crimes comuns cometidos pelo Presidente da
República, o julgamento é feito pelo Supremo Tribunal Federal. Mas se
são crimes de responsabilidades, é o Senado que julga. E como eu disse,
nessa fase, o presidente da República fica suspenso temporariamente do
cargo, e o vice-presidente, no caso atual Michel Temer (PMDB), assume.
HS- A partir daí, como se desenrola o processo?
ML
- Bom, o Senado vai ouvir testemunhas, colher provas, tendo
responsabilidades parecidas com o do Judiciário. Isso tudo para tornar
os trabalhos de apuração mais imparciais possíveis. Mas é o presidente
da Corte Máxima do país quem preside a sessão de julgamento. Ou seja,
Ricardo Lewandowski, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF).
HS- Soa estrando o presidente do STF presidir o processo no Senado, não?
ML
- O fato de o presidente do STF presidir o processo é porque o 'réu',
vamos dizer assim, é o Presidente da República. Serão mais de 200
milhões de brasileiros que indiretamente também estarão envolvidos nesse
processo, além do futuro da Nação. A presença do presidente do STF
garante, à princípio legal, o mínimo de lisura e cautela, a fim de não
transformar essas sessões em um espetáculo esdrúxulo. Detalhe: O
presidente do STF não vota, só dirige os trabalhos. Para deferir o
impeachment, então, seriam necessários dois terços dos votos dos
senadores. Isto é, 54 senadores terão que votar pela condenação do
Presidente (ou Presidenta da República).
HS - Quanto às penas, Mhario Lincoln
ML
- As penas nesse caso são necessariamente a perda do mandato e do
cargo, essa a principal, e outra que poderia ser a inelegibilidade do
ex-presidente por oito anos. Mais uma vez, aí, é o Senado que, também,
define se o presidente perde o mandato e fica inelegível, ou se apenas
perde o cargo. Nesse caso específico, o vice-presidente, então,
assumiria o posto, passados mais de 2 anos do mandato impedido. (Antes
disso, novas eleições). É bom lembrar o seguinte: Nos dois primeiros
anos de mandato, novas eleições são chamadas em 90 dias, e nos dois
últimos, é o vice-presidente quem assume. A mesma regra ocorre quando há
a vacância do vice-presidente da República, por morte, renúncia, ou
quando é condenado.
HS - No caso específico de Dilma Rousseff, qual a sua opinião?
ML
- Basta ler a página da consultoria jurídica da Câmara Federal para se
concluir que desde 2011, (doze) 12 pedidos de impeachment foram
protocoladas contra Dilma. Mas a Casa já rejeitou esses pedidos. Todos
pelo mesmo motivo: inconsistência jurídica, alguns, “por falta de
tipicidade e/ou indícios mínimos de autoria e materialidade”. Três
dessas solicitações foram apresentadas em meio à disputa presidencial.
Ora, não se deve banalizar esse precioso instrumento de controle do
Estado de Direito. Especialmente, quando pedidos sem fundamentos
probatórios acabam distorcendo a realidade e mudando o foco maior da
denúncia. Essa deve provar com consistência a relação da Presidenta com
algum crime de responsabilidade contra o que está previsto na
Constituição – entre eles, o exercício dos direitos políticos,
individuais e sociais, a segurança interna do País, a probidade na
administração, a lei orçamentária, o cumprimento das leis e das decisões
judiciais, entre outros enumerados pelo Art.85, da CF. Parlamentares
da oposição (ou que se dizem da oposição), deveriam se engajar de corpo e
alma na busca concreta dos documentos comprobatórios das denúncias para
dar escopo jurídico denunciativo a tudo que foi amplamente divulgadas
na imprensa nacional e internacional e, assim, organizar uma monstruosa
manifestação dentro do Congresso Nacional. Gostaria muito, no
entretanto, que só o povo com sua força e coragem, fossem estacas de aço
para perfurarem de morte o pulmão da corrupção. Mas só essas
manifestações, nesse caso específico do impeachment, só resolvem, se
cooptarem membros do legislativo, pelo menos algumas dezenas dos 513
deputados, os quais, 2/3 deles, poderiam ser responsáveis pela aceitação
dessa medida política contra a Presidenta da República. Essa é minha
opinião sóbria, sem exageros psicodélicos, muito menos radicalismo,
sobre o assunto. Muito obrigado, Hélcio Silva, data vênia outros, um dos
últimos democratas brasileiros de verdade!
(*)
Mhario Lincoln é jornalista, advogado (autor de dois livros de Direito
Administrativo), escritor e ex-candidato a vereador por São Luís pelo
PMDB e pelo PTC, onde assumiu cargo no diretório estadual do Maranhão.
Hoje, Auditor Aposentado.
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