terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

A Impugnação do Mandato de Dilma.

Mhario Lincoln

Mhario Lincoln
O "Impeachment" ou impugnação de mandato é um termo que está muito em voga nas redes sociais brasileiras ultimamente. Esse termo denomina o processo de cassação de mandato do chefe do poder executivo pelo congresso nacional, pelas assembleias estaduais ou pelas câmaras municipais. 
A denúncia válida pode ser por crime comum, crime de responsabilidade, abuso de poder, desrespeito às normas constitucionais ou violação de direitos pátreos previstos na Constituição. À título de esclarecimentos, ontem conversei longamente com o jornalista e advogado Mhario Lincoln, maranhense que mora em Curitiba-PR, ex-candidato a vereador (SLZ) pelo PMDB/PTC,  sobre o clamor das ruas pró-impeachment da presidente Dilma. 
Mhario deu sua opinião jurídico-política sobre o assunto e esclareceu algumas dúvidas com relação a esse instrumento "mais político que jurídico, diz ele ao citar o entendimento do professor Ives Gandra: ' juridicamente o processo tem sentido, mas depende do Congresso, e lá o julgamento é político', tal qual, usado pela primeira vez no Brasil, quando do impedimento do ex-presidente Fernando Collor de Melo."
Mas, o próprio Fernando Henrique Cardoso, também já havia passado por situação parecida quando, no início do seu segundo mandato, em 1999, ocorreu a passeata dos 100 mil pressionando os deputados da Câmara Federal a acatar a denúncia de impedimento de FHC.
"Como FHC tinha a maioria na Câmara o impeachment não se concretizou porque tudo começa no acatamento da denúncia por 2/3 dos deputados, que em seu total somam 513", diz Mhario na entrevista. 
Quanto ao atual movimento para derrubar a presidenta Dilma Rousseff, Mhario enfatiza a força dos movimentos populares, mas ressalva "que se não houver pressão popular diretamente dentro da Câmara Federal,  o risco de naufrágio da intenção democrática é grande, como já naufragaram outros 12 pedidos de impeachment de Dilma, todos, devidamente arquivados na Câmara Federal", explicita.
Por fim Mhario Lincoln se preocupa, igualmente, com a "banalização desse instrumento tão importante para a democracia brasileira. Para se ter uma idéia, a cada novo presidente que assume o país, inclusive o FHC e Lula foram alvos de manifestações pró-impeachment. O Lula na época em que explodiu o Mensalão. Acho que as coisas devem ser feitas com caluda, a fim de que ofereçam resultados e essas manifestações, sob a égide de denúncias graves, não acabem arquivadas pela Câmara Federal, onde tudo começa".

Leiam a íntegra, abaixo.

Hélcio Silva: VC acha que o Impeachment de Collor é agora 'peça de museu', como disse o ex-senador Paulo Brossard?

Mhario Lincoln: No caso atual, como episódio isolado, sim. Nas condições em que o parlamento nacional se encontra com maioria esmagadora de Dilma, não haverá impeachment. Basta lembrar que no começo do segundo mandato de FHC, houve um levante popular quase idêntico ao de hoje levando cerca de 100 mil pessoas às ruas, pedindo o impedimento do Presidente da República. Como FHC tinha maioria na Câmara Federal, nada prosperou.

HS-Então você concorda em definir o instrumento do Impeachment como 'peça de museu'?
ML- No todo, nunca! Acredito que  o impeachment, guardadas suas respectivas atualizações, é uma importante peça de defesa jurídico-social e estará sempre à disposição do cidadão brasileiro. Seja no caso da corrupção política e administrativa ou no desrespeito ainda maior ao Estado Democrático de Direito.

HS-Vc diz 'político-administrativo'. Por que?
ML- Porque essa ferramenta constitucional é antes de tudo político-administrativa. Mais político que jurídico, entendimento, inclusive, o mesmo do professor Ives Gandra: 'juridicamente o processo tem sentido, mas depende do Congresso, e lá o julgamento é político'. Todo o processo se desenrola quando o Legislativo (Câmara Federal) acata a denúncia contra o Presidente da República e coloca em votação. Caso 2/3 dos deputados aprovem a medida, o processo então é submetido ao Senado. Portanto, a lei sugere o caminho. Quem julga é o Legislativo. Portanto, o poder político. Mesmo tendo tipicidade jurídica, o julgamento sempre será político.

HS- No caso específico de Dilma?
ML- O impeachment tem que começar pela Câmara Federal e terminar no Senado. Ora, a esta altura, com o PMDB sendo dono de alguns dos mais importantes Ministérios de Dilma e sendo esse partido, o fiel da balança, acho muito difícil a Câmara com seus 513 deputados, sendo 70 do PT e 66 do PMDB, perfazendo um total de 136 deputados, incluindo aí mais algumas dezenas de 'dependentes' do governo Dilma, acatar tal instrumento moralizador. Sendo um julgamento  político, como funcionaria a consciência de cada um parlamentar cassando Dilma e abrindo o processo eleitoral novamente?

HS- Quer dizer então que o Vice não assume?
ML- No momento atual, não! Eu pergunto: interessaria ao PMDB derrubar Dilma e seu vice? Michel Temer também iria na enxurrada pois, se o impeachment acontecer antes dos dois anos do mandato atual, são convocadas novas eleições. Após dois anos, a decisão fica na mão do Congresso. Tem um detalhe bem interessante nisso tudo: Quem for eleito nos dois casos não fica por mais quatro anos, apenas respeita o tempo restante do mandato impedido. 

HS- Então o Aécio tem chances?
ML-Aí vem o velho questionamento: E Aécio Neves. Onde ele entra? Em primeiro lugar não é tão estranho se pensar em Aécio. Ele mesmo poderia disputar nova eleição ou simplesmente (em caso extremo) ser eleito pelo Congresso. Considerando seu resultado nas últimas eleições, é um nome forte. Mas acredito que ele não estaria com tanto interesse em pegar o resto do mandato de Dilma, na atual conjuntura. Ele mesmo já disse isso, após as eleições do ano passado, (2014).

HS- E Cunha, Calheiros e Lewandowski?
ML - Tanto o Cunha, o Calheiros ou Ricardo Lewandowsk, na hierarquia da substituição da Presidência da República: presidente da Câmara dos Deputados, presidente do Senado e presidente do STF, respectivamente,  podem somente ' substituir' o Presidente e o Vice, temporariamente, no caso, enquanto o processo de impeachment ocorrer. Além das substituições normais quando essas autoridades estão fora do país.Todavia, em nenhuma hipótese  se manteriam no cargo  sem serem candidatos oficiais ao posto. Basta ler o que está singrado na Carta Magna do país.

HS- Então, na conjuntura atual, é sonho a busca do impeachment de Dilma Rousseff e o chamamento pra isso no dia 15 de março de 2015?
ML- O chamamento não é um sonho. É uma manifestação democrática legítima, como a passeata dos 100 mil do FHC ou o movimento dos caras-pintadas do Collor. Todavia, a legitimidade do impeachment só se dará dentro da Câmara Federal, ao ser acatada a denúncia, sendo da responsabilidade única e exclusiva (sem golpe, claro) dos 2/3 dos 513 deputados. Aceita a denúncia de irregularidades constitucionais ou afronta ao Estado Constitucional  de Direito, a peça, então, é removida para o Senado para aprovação igualmente por 2/3 dos senadores. Nesse ínterim, o Presidente da República estará com atividades suspensas por 180 dias.  Um detalhe: Quando se tratam de crimes comuns cometidos pelo Presidente da República, o julgamento é feito pelo Supremo Tribunal Federal. Mas se são crimes de responsabilidades, é o Senado que julga. E como eu disse, nessa fase, o presidente da República fica suspenso temporariamente do cargo, e o vice-presidente, no caso atual Michel Temer (PMDB), assume.

HS- A partir daí, como se desenrola o processo?
ML - Bom, o Senado vai ouvir testemunhas, colher provas, tendo  responsabilidades parecidas com o do Judiciário. Isso tudo para tornar os trabalhos de apuração mais imparciais possíveis. Mas é o presidente da Corte Máxima do país quem preside a sessão de julgamento. Ou seja, Ricardo Lewandowski, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF).

HS- Soa estrando o presidente do STF presidir o processo no Senado, não?
ML - O fato de o presidente do STF presidir o processo  é porque o 'réu', vamos dizer assim, é o Presidente da República. Serão mais de 200 milhões de brasileiros que indiretamente também estarão envolvidos nesse processo, além do futuro da Nação. A presença do presidente do STF garante, à princípio legal,  o mínimo de lisura e cautela, a fim de não transformar essas sessões em um espetáculo esdrúxulo. Detalhe: O presidente do STF não vota, só dirige os trabalhos. Para deferir o impeachment, então, seriam necessários dois terços dos votos dos senadores. Isto é, 54  senadores terão que votar pela condenação do Presidente (ou Presidenta da República).

HS - Quanto às penas, Mhario Lincoln
ML - As penas nesse caso são necessariamente a perda do mandato e do cargo, essa a principal, e outra que poderia ser a inelegibilidade do ex-presidente por oito anos.  Mais uma vez, aí, é o Senado que, também, define se o presidente perde o mandato e fica inelegível, ou se apenas perde o cargo. Nesse caso específico, o vice-presidente, então, assumiria o posto, passados mais de 2 anos do mandato impedido. (Antes disso, novas eleições). É bom lembrar o seguinte: Nos dois primeiros anos de mandato, novas eleições são chamadas em 90 dias, e nos dois últimos, é o vice-presidente quem assume. A mesma regra ocorre quando há a vacância do vice-presidente da República, por morte, renúncia, ou quando é condenado.

HS - No caso específico de Dilma Rousseff, qual a sua opinião?
ML - Basta ler a página da consultoria jurídica da Câmara Federal para se concluir que desde 2011, (doze) 12  pedidos de impeachment foram protocoladas contra Dilma. Mas a Casa já rejeitou esses pedidos. Todos pelo mesmo motivo: inconsistência jurídica, alguns, “por falta de tipicidade e/ou indícios mínimos de autoria e materialidade”. Três dessas solicitações foram apresentadas em meio à disputa presidencial. Ora, não se deve banalizar esse precioso instrumento de controle do Estado de Direito. Especialmente, quando pedidos sem fundamentos probatórios acabam distorcendo a realidade e mudando o foco maior da denúncia. Essa deve provar com consistência a relação da Presidenta com algum crime de responsabilidade contra o que está previsto na Constituição – entre eles, o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais, a segurança interna do País, a probidade na administração, a lei orçamentária, o cumprimento das leis e das decisões judiciais, entre outros enumerados pelo Art.85, da CF.  Parlamentares da oposição (ou que se dizem da oposição), deveriam se engajar de corpo e alma na busca concreta dos documentos comprobatórios das denúncias para dar escopo jurídico denunciativo  a tudo que foi amplamente divulgadas na imprensa nacional e internacional  e, assim, organizar uma monstruosa manifestação dentro do Congresso Nacional. Gostaria muito, no entretanto, que só o povo com sua força e coragem, fossem estacas de aço para perfurarem de morte o pulmão da corrupção. Mas só essas manifestações, nesse caso específico do impeachment, só resolvem, se cooptarem membros do legislativo, pelo menos algumas dezenas dos 513 deputados, os quais, 2/3 deles, poderiam ser responsáveis pela aceitação dessa medida política contra a Presidenta da República. Essa é minha opinião sóbria, sem exageros psicodélicos, muito menos radicalismo, sobre o assunto. Muito obrigado, Hélcio Silva, data vênia outros, um dos últimos democratas brasileiros de verdade!


 (*) Mhario Lincoln é jornalista, advogado (autor de dois livros de Direito Administrativo), escritor e ex-candidato a vereador por São Luís pelo PMDB e pelo PTC, onde assumiu cargo no diretório estadual do Maranhão. Hoje, Auditor Aposentado.

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