Por Alanna Souto*
Na seara da umbanda uma das formas de conexão com as
divindades e com os guias –– no âmbito da cosmogonia de um D`us único e seus
desdobramentos –– é por meio das obrigações. Mas o que significa isso?
Geralmente é uma dúvida que abate a maioria dos novos umbandistas e dos
neófitos da religião, alguns confundem com despacho que é um tipo de oferenda,
contudo nem sempre a recíproca é verdadeira, ou seja, nem toda oferenda é um
despacho.
Oferenda é um gesto de amor, um presente aos seus guias e
orixás, uma forma de gratidão e afeto. O despacho tem um sentido mais diverso,
apesar de muito ligado à quebra de demandas.
É importante lembrar que o ato de ofertar, das oferendas é
tão antigo quanto à existência a humana. No velho testamento há inúmeros
versículos que reportam à oferendas desde Caim e Abel até a paixão de Cristo
pela humanidade que é tida simbolicamente como sacrifício ao Criador diante da
brutalidade humana, incluindo, seus assassinos, grosso modo, como avaliou Sto.
Agostinho em De Civita Dei . O que posteriormente anulou a lei antiga de
ofertas mediante o seu sangue derramado em sacrifício vivo e caritativo ao
Senhor (Hb 1:1; Ef 5:2), no caso dos cristãos, judeus até hoje praticam oferendas,
algumas, inclusive, com ofertas de animais.
De todo modo reporto rapidamente a essa retrospectiva
histórica judaico-cristã, pois muitas pessoas associam obrigações e oferendas
ás religiões afro-religiosas e a umbanda de forma grosseira e pejorativa quando
o ato simbólico de ofertar aos Orixás e/ou guias é tão legitimo no amor a D`us
ou as suas divindades quanto as realizadas em qualquer outra religião.
Obrigação, como bem definiu o estudioso e sacerdote da
umbanda Ronaldo Linares, é todo ato litúrgico, ritualístico ou oferenda em que
o adepto “se obriga” a realizar ao seu orixá ou guia a fim de reajustar
energias ou visando algum objetivo em prol de seu desenvolvimento. Logo, é um
ato de “magia”, pois o rito e oferenda resultarão em benefícios aos ofertantes.
Cada obrigação tem uma função específica, há obrigações de
auxílio espiritual, geralmente, orientadas pelos guias que explicam quais os
atos litúrgicos devem ser feito ou oferendas para alcançar a graça ou cura
almejada; há ainda a obrigação de defesa e quebra demanda de trabalhos
magísticos baixos com intuito de prejudicar ou manipular o livre-arbítrio do
filho/filha de fé, o guia atuante no trabalho de libertação ao receber a
obrigação irá desmanchar e neutralizar a demanda negativa enviada; e há também
a obrigação aos orixás que é uma obrigação na qual exige um processo
preparatório maior, um conjunto de prática litúrgica que perpassa o
recolhimento, jejum, abstinências de modo geral e oferenda que tenhamos cuidado
com vossas próprias mãos ou sob auxílio de um orientador ou dirigente (mãe/pai
de santo) que se destina a preparação sacerdotal do médium desenvolvido ou um
melhor reajuste/fortalecimento do equilíbrio entre o médium, independente de
pretensão ao sacerdócio, e seus principais orixás (de frente, adjuntó e orixá
ancestral).
Ontem no dia 13 de junho “arrei” minhas obrigações com muito
amor aos meus orixás, mãe e pai como trato carinhosamente meus principais
orixás, Iansã, orixá de frente e Ogum, meu adjuntó, celebrando e acordando com eles,
meus pais divinos, representantes do D`us maior na minha “cabeça” os caminhos
trilhados e os que serão semeados. Assim como arriei para meu orixá ancestral
Oxalá que como a própria palavra adjetivada informa é aquele orixá ligado a
nossa ancestralidade, a inteligência divina que nos recepcionou assim que fomos
gerados nesse mundo, harmoniza-nos, protege e nos magnetiza.
Compartilho dessa minha sagrada experiência, primeiro com
intuito de desmitificar alguns preconceitos e sanar dúvidas a respeito de
alguns passos de conexão com essa linda cosmogonia que forma a Umbanda, além de
socializar um pouco desse amor e encantamento que tenho por essa ciência
espiritual tão pouca esclarecida e mal interpretada na sociedade em que
vivemos.
As obrigações tanto para Iansã quanto para Ogum e Oxalá
foram oferendas feitas com matéria prima advinda do mundo vegetal, essências
perfumadas, além das velas e bebidas, afinal, a umbanda tradicional ou de raiz,
o corte de animal não faz parte do seu fundamento. A foto abaixo registra as obrigações a iansã
e ogum.
As obrigações foram arriadas na Tenda mamãe Oxum e Ogum
beira-mar, dirigida com toda humildade, amor, paciência e muito senso de humor
por uma grande amiga minha que outrora fomos irmãs de santo e, há mais de 3
anos, assumiu essa grande tarefa espiritual – e social, por que não? Afinal
trata-se de auxiliar pessoas e educar por meio da tradição oral a preservar o
conhecimento tradicional de nossos antepassados! – em ser uma dirigente
espiritual da umbanda, a querida mãe Geise D`Oxum, sempre generosa com todos
que lhe batem a porta.
Finalizo esse texto da quadra junina rememorando a louvação
a Sto. Antônio que tive a honra de participar no dia 12 de junho nessa linda
tenda aonde o seu Zé Pelintra, devoto desse santo, além do fato de Sto. Antônio
na umbanda ser sincretizado com Exu, e seu Zé sendo um exu e tendo o domínio do
elemento fogo fez nos lembrar arquetipicamente das fogueiras de São João que
tem o significado místico de depurar ou destruir, conforme as ações de cada um,
não a toa se usa a expressão “pulei uma fogueira”, o poder das consequências, cada um aguente
as suas...
Dentre as parábolas simbólicas de Jesus há uma dentre tantas
que diz o seguinte: “Vim para atear fogo sobre a terra...” (Lucas, 12:49), ou
seja, a necessidade do incêndio para as transformações internas e externas, o
fogo como símbolo do progresso , e ainda como diria na obra kardecista “Nossas riquezas maiores” sobre a força desse
elemento na voz do espírito benfeitor Camilo, psicografado por José Raul
Texeira: “É nas altas temperaturas que ele propicia que conseguimos desfazer a
virulência dos micróbios, mas é igualmente por meio de sua ação que logramos
converter a rocha metálica em utilidade”.
E é sob os códigos e o signo do fogo em todas as diversas
simbologias do sagrado, que por ventura também é elemento do reino de Xangô, o
orixá do trono divino da justiça, que agradeço a proteção e a transformação de
ter chegado até esse degrau na longuíssima escada de Jacob.
Amém
Shalom
Saravá
Aranauam!
*Alanna Souto é escritora e pesquisadora
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