Há dois meses, na última viagem que fez à sua terra natal, Juazeiro do Norte (CE), a dona de casa Valmira das Neves da Silva estava bem mais confiante do que nas visitas anteriores. Desta vez, as placas nos aeroportos já não representavam mais códigos indecifráveis e sim auxiliaram na localização dos serviços necessários. Valmira é uma das 2 mil pessoas que aprenderam a ler e a escrever por meio do Alfabetizando com Saúde, projeto da Prefeitura de Curitiba feito em parceria entre as secretarias municipais da Saúde e da Educação.
A proposta surgiu em 2002, com o objetivo de alfabetizar usuários que frequentam as unidades de saúde de Curitiba e que não se sentem encorajadas a entrar nos modelos mais comuns de alfabetização de adultos. Como essas pessoas já têm vínculo com os profissionais das unidades, acabam vencendo as barreiras para iniciar o processo de alfabetização. “São pessoas que não sabem ler ou escrever e que têm o desejo de aprender, mas não iriam para uma escola formal”, comenta a coordenadora do Alfabetizando com Saúde, Florence Munhoz.
Em 2008, o programa recebeu prêmio internacional de alfabetização da Organização das Nações Unidas para Educação Ciência e Cultura (Unesco).
Atualmente, nove unidades básicas de saúde de Curitiba oferecem o Alfabetizando: Vila Leonice (Boa Vista); Santa Quitéria I, Vila Feliz, Fanny-Lindoia, Vila Leão (Portão); União das Vilas (Santa Felicidade); Cândido Portinari, Sabará (CIC) e Umbará II (Bairro Novo). As aulas são ministradas por voluntários, duas vezes por semana, e têm duração de duas horas.
Os alunos utilizam materiais criados especificamente para esse programa e que abordam questões de saúde, aplicadas à vivência do dia-a-dia dos alunos. “São explorados os conhecimentos que eles já têm, suas histórias de vida”, conta Florence. O processo de alfabetização pode ser iniciado em qualquer momento e varia de seis a 12 meses, pois depende da evolução de cada alfabetizando.
Os idosos são a maioria dos alunos, como é o caso da dona de casa Zenaide Freire das Chagas, de 78 anos, que conheceu o programa há 5 anos, por intermédio de uma amiga, que também frequentava as aulas. Zenaide conta que muita coisa mudou em sua vida depois de aprender a ler e a escrever com a ajuda da professora aposentada Maria Aparecida de Oliveira, de 64 anos, carinhosamente chamada pelos alunos de Cida. “Eu era totalmente dependente do meu marido, não saía de casa nem para fazer compras no mercado”, relembra.
Cida, que já lecionou para todas as faixas etárias, conta que é bem diferente a forma de ensinar para adultos e crianças. “Com os adultos, é necessário usar assuntos e temas que façam parte do cotidiano deles, para que possam assimilar com mais facilidade”, comenta a professora, que sempre estimula a produção de cartas, bilhetes e recados pelos alunos.
Na Unidade de Saúde Sabará, na CIC, a turma do Alfabetizando com Saúde é formada por alunos com deficiência, que se reúne semanalmente para fazer as atividades em grupo e até para receber orientações de higiene e utilização correta dos medicamentos. Abel da Costa Conceição, de 35 anos, afirma que chegou a frequentar a escola regular, mas sentia muita dificuldade de aprendizado. No programa, Abel aprendeu como deve tomar os remédios de uso contínuo. “Estimular a autonomia a esses usuários é tão importante quanto saber ler e escrever”, destaca a coordenadora da US Sabará, Laura Neizer.
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