O Tribunal de Contas da União (TCU) emitiu parecer nesta quarta-feira a favor da rejeição das contas de governo da gestão Dilma Rousseff de 2014.
A decisão representa uma grande derrota para a presidente,
pois será usada por oposicionistas na tentativa de iniciar um processo de
impeachment no Congresso. No entanto, não há consenso entre juristas sobre se a
rejeição das contas é suficiente para fundamentar um pedido de cassação de seu
mandato.
Por 8 votos a zero, a unanimidade dos ministros entendeu que
o governo cometeu irregularidades na gestão das contas federais, melhorando
artificialmente o resultado do Orçamento do ano passado e evitando assim cortes
de gastos em ano eleitoral.
No julgamento, o relator do caso, ministro Augusto Nardes,
disse que, somadas, as operações irregularidades praticadas pelo governo
melhoraram artificialmente as contas públicas de 2014 em R$106 bilhões. Ele
criticou o governo por falta de transparência e disse que suas ações
caracterizaram "um cenário de desgovernança fiscal".
As tentativas do governo de adiar a sessão falharam. Antes
do TCU emitir seu parecer, o pedido da Advocacia-Geral da União (AGU) para
afastar Nardes do caso foi recusado pelos demais oito membros da corte e por
decisão liminar do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luiz Fux. A AGU
argumentava que Nardes é parcial, já que antecipou seu voto contra o governo em
diversas entrevistas à imprensa.
Foi a primeira vez que o TCU recomendou a rejeição das
contas federais desde 1937, ano em que Getúlio Vargas deu o golpe do Estado
Novo. Nos últimos anos, o TCU vinha aprovando as contas do governo Dilma com
ressalvas.
No lado de fora do prédio do Tribunal de Contas, que fica
perto do Congresso Nacional, manifestantes soltaram fogos de artifício para
comemorar a decisão.
O parecer do TCU é apenas uma recomendação ao Congresso –
são os parlamentares que decidirão em votação no Senado e na Câmara se rejeitam
ou não as contas de 2014.
Mas não está claro ainda como se dará essa avaliação pelos
parlamentares.
O presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, colocou
em votação no início de agosto as contas de alguns anos dos governos Collor,
FHC e Lula que até então não haviam sido analisadas. Ele quis apreciar as
contas dos outros governos para deixar o caminho livre para a votação das
contas de 2014 da administração Dilma.
No entanto, a senadora Rose de Freitas (PMDB-ES), presidente
da Comissão Mista de Orçamento do Congresso, ingressou com um mandado de
segurança contra o julgamento da Câmara no STF (Supremo Tribunal Federal), sob
o argumento de que a votação deveria ser feita em sessão conjunta com o Senado.
O ministro Luís Roberto Barroso decidiu que as sessões já
realizadas não deveriam ser anuladas, mas concordou com a ministra que as
contas deveriam ser julgadas em conjunto. Sua decisão constou como uma
recomendação, pois o caso ainda tem que ser julgado pelo plenário para que haja
uma decisão final. No momento ele está sob análise do procurador-geral da
República, Rodrigo Janot, que deve se manifestar sobre o tema.
Essa definição é importante porque quem pauta sessões
conjuntas da Câmara e do Senado é o presidente do Senado, Renan Calheiros, que
hoje é mais "amigável" com o governo do que Cunha - opositor
declarado à Dilma.
A BBC Brasil entrevistou dois juristas sobre a possibilidade
de a rejeição das contas do governo Dilma serem usadas para embasar um pedido
de processo de impeachment.
Joaquim Falcão, diretor da faculdade de Direito da FGV-Rio,
considera que “razões técnicas” tornam difícil que a rejeição das contas gere
um processo de impeachment, embora não descarte a possibilidade de ele ser
aberto, pois trata-se de uma decisão política.
Entre outros argumentos, ele cita o fato de que não há
precedente de uma autoridade do Poder Executivo (seja governador ou prefeito)
afastado do cargo por esse motivo. Em geral, diz, as punições são cobrança de
multas ou proibição de se candidatar nos anos seguintes.
"Será uma novidade você dizer que cometer crime contra
responsabilidade fiscal dá impeachment. Nunca houve (impeachment por rejeição
de contas)", disse.
Ele argumenta também que a gestão fiscal é uma
"política de governo" e que para cassar Dilma é preciso provas que a
comprometam diretamente com eventuais irregularidades cometidas, como aconteceu
no caso do ex-presidente Fernando Collor.
Falcão destaca ainda que a Constituição Federal estabelece
que só pode haver impeachment por crimes praticados no atual mandato, e as
contas analisadas agora são do ano passado. Dessa forma, o STF terá que se
manifestar sobre a possibilidade de atos de 2014 poderem gerar um processo de
impeachment no atual mandato, ressaltou.
Já o professor de direito administrativo da PUC-SP Adilson
Dallari, defende que a rejeição das contas pode derrubar a presidente e
sustenta seu argumento no artigo 85 da Constituição Federal, que prevê que
"atos que atentem contra a lei orçamentária" são crimes de
responsabilidade que podem gerar impeachment.
Ele acredita que Dilma tem responsabilidade direta sobre os
atos praticados. "Pela Constituição Federal, o Presidente da República é o
chefe de governo. Os ministros são subordinados. Então, a responsabilidade é do
chefe. Não tem como escapar disso", argumenta.
Na sua avaliação, quando um governante do Poder Executivo é
reeleito, seu mandato passa a ter oito anos na prática, pois não há interrupção
de governo. Para ele, isso permite que juridicamente Dilma sofra um impeachment
por atos praticados antes da sua reeleição. O professor considera que se isso
não for possível cria-se um incentivo para que se cometam irregularidades no
quarto ano de mandato.
"Essa teoria de restringir ao mandato atual é
completamente absurda porque ela é um incentivo à corrupção", afirmou.
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