Crônica do amanhecer
Por Hélcio Silva
(17 / 12/ 2015)
O prudente Tancredo dirigiu-se indignado ao senador Auro Soares de Moura Andrade e, de dedo em riste, rotulou-o em alto bom som – canalha!...
Vi, ontem, o fato relatado em um dos artigos do ministro
Edson Vidigal, hoje republicado em meu blog, cujo título é “Como são míopes os
tubarões”.
Em outro artigo - também publicado aqui no blog com o título
“Tudo bem no ano que vem” – o ministro antecipa o sucesso do próximo
carnaval... Para ele não haverá mais
ninguém que não cante a marchinha que desde agora está com tudo para fazer
sucesso – “ai, ai meu Deus / me dei mal / bateu em minha porta / o japonês da
Federal...”
Ufa! E eu fiquei cá pensando comigo em alguém com fantasia
de japonês batendo na porta do lobo!
Esse carnaval vai ser
um sucesso!... Porém, muita gente a temer!
No Maranhão, acalmam-se os peixes... provisoriamente!...
Agitados voltarão após o carnaval, nas novas versões do sermão!
Lembrei ontem de Sebastião Nery...
Há muitos anos não o vejo, sequer falar dele!... Esteve no
Maranhão em um comício na praça da Alegria, há muito tempo – não recordo o
ano... Mas sempre li, por anos e anos, os artigos de Senastião Nery.
Jornalista, escritor e deputado federal, cargo este exercido
entre 1983 a 1987.
Ontem, lendo os textos de Vidigal, lembrei Sebastião.
Nesta manhã, busquei os ditos e/ou escritos do Nery e
encontrei, nos mares do eter, um texto, um pequeno texto, do seu livro “Ninguém
me contou, eu vi”...
A história nos conduz, nos faz um viajante!...
Revela, recorda, relembra, revigora, neste caso, uma
história de luta do velho Ulysses - o guerreiro - e de outros guerreiros do
guerreiro MDB, contra os cães de ACM...
Os tempos nos trazem os fatos: A PM cercou a praça. Ao todo,
eram 500 homens armados, 28 viaturas e dezenas de cães, tudo contra o velho
MDB..., contra a liberdade!... E uma frase de Ulysses que ficou para a
história:
“Soldados da minha Pátria! Baioneta não é voto, boca de
cachorro não é urna!”
Reproduzo abaixo, o texto de Sebastião Nery - do livro
Ninguém me Contou. Eu Vi:
“Ninguém me contou. Eu vi. Estava lá. Às 19 horas de um
sábado, em 1978, no “hall” do Hotel Praia-Mar, em Salvador, Ulysses Guimarães,
Tancredo Neves, Roberto Saturnino e Freitas Nobre receberam a visita de toda a
direção do MDB da Bahia com a notícia nervosa:
– A Polícia Militar havia cercado a praça do Campo Grande e
comunicado oficialmente ao partido que não ia permitir a reunião para
lançamento das candidaturas da Oposição da Bahia ao Senado.
– Isto é ilegal, disse Ulysses. A portaria do Ministério da
Justiça proíbe concentrações em praça pública, mas não em recinto fechado. A
sede do partido é inviolável.
Ulysses esfregou as mãos na testa larga, desceu pelos olhos
fechados, levantou-se:
– Vou entrar de qualquer jeito. Vamos entrar. É uma
arbitrariedade sem limites.
A BATALHA
Em vários automóveis, saímos todos, políticos e jornalistas,
com encontro marcado em frente ao Teatro Castro Alves, do outro lado da sede do
MDB, no Campo Grande. Era um campo de batalha: 500 homens de fuzil com baioneta
calada, 28 caminhões-transporte, dezenas de patrulhas, lança-chamas, grossas
cordas amarradas nos coqueiros em torno da praça.
Ulysses desceu do carro, olhou, meditou, comandou:
– Vamos entrar na praça e no partido! Vamos rápido, sem
conversar.
Avançou. Atrás dele, Tancredo, Saturnino e a mulher, Freitas
Nobre, Rômulo Almeida, Newton Macedo Campos e Hermógenes Príncipe (os três
candidatos do MDB ao Senado), deputados Nei Ferreira, Henrique Cardoso, Roque
Aras, Clodoaldo Campos, Aristeu Nogueira, Tarsílo Vieira de Melo, Domingos
Leonelli, vereador Marcello Cordeiro, Nestor Duarte Neto, eu e outros
jornalistas. Uma cerca de fuzis e os soldados empertigados. Quando nos
aproximamos, um oficial gritou:
– Parem! Parem!
Ulysses levantou os braços e gritou mais alto:
– Respeitem o presidente da Oposição!
Meteu a mão no cano de um fuzil, jogou para o lado,
atravessou. Tancredo meteu o braço em outro, passou. O grupo foi em frente.
Três imensos cães negros saltam sobre Ulysses, Freitas Nobre dá um ponta-pé na
boca de um, Rômulo Almeida defende-se de outro. Chegamos todos à porta da sede
do MDB, entramos aos tombos e solavancos. Ulysses sobe à janela, ligam os
alto-falantes para a praça:
– Soldados da minha Pátria! Baioneta não é voto, boca de
cachorro não é urna!
E os cabelos brancos se iluminavam como coqueiros ao vento.
Era o comício que não tinha sido planejado: 14 discursos e
uma passeata. Graças à coragem, decisão e valentia de Ulysses.”
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