Deus poderia ter feito o mundo sem que o homem
necessitasse de construir nada para melhorá-lo. Todas as coisas no lugar certo,
todos os homens sem o dilema entre o Bem e o Mal. Era o que tinham Adão e Eva,
os primeiros e os últimos seres a provar a utopia ecológica.
Foi por isso que Rousseau e Malherbe, em momentos
diferentes, viram o selvagem feliz e a beleza de viver num mundo sem ambições.
Triste engano. Adão, Eva e os índios que foram batizados em Notre Dame,
deixando Paris de 400 anos atrás excitada, vendo seres de outros mundos e
estrelas, tão cheios eram de vaidade quanto os poetas de França.
Deus fez a obra da natureza de uma matéria convulsa, em
contorções permanentes, de seres nascendo e morrendo, de gases que se combinam
e destroem, de gente à feição do Criador, mas a alma dividida com o Diabo. E
provou com as próprias Escrituras, quando aludiu ao fato da tentação de Cristo
pelo demônio. O que lhe diz ele? “Dar-te-ei todos os prazeres da Terra, desde
que me entregues tua alma.” E mostrou-lhe do alto do monte o mundo e suas
seduções. Ora, argumenta Vieira, se o Diabo oferecia o mundo, era porque este
era dele.
Mas o Criador não fez nem o mundo nem o homem perfeitos,
justamente para que este participasse da obra da criação. Escondeu-se na fé
para dar ao homem o maior de todos os seus bens: a liberdade. A liberdade de
construir o mundo e de descobrir o caminho da virtude, dividido entre o bem e o
mal.
Chegamos ao fim da História e ao começo de outra época.
Já se pode ver o mundo do futuro, interdependente, sem fronteiras, com o
conceito de soberania desmoronado em favor do ideal universal da sobrevivência
da própria humanidade. Um mundo da informática, em que ninguém precisa sair de
casa, lugar onde se trabalha, diverte-se, dorme-se, administra-se e reza-se.
Tudo nas telas coloridas, no gingado dos robôs. Não haverá mais mistérios. Tudo
se sabe, desde o conteúdo da partícula fundamental da matéria, raiz do
universo, até a previsão de todos os fenômenos e do futuro. Não faltará a
viagem ao interior da alma humana e a construção de seres sintéticos, sem
necessidade dessa coisa de amor e sexo.
Nada mais terrível e aterrador do que a visão desse mundo
triste, sem ideias, sem Deus, sem a liberdade de escolher entre a virtude e o
pecado.
Não nos entreguem ao mundo frio das máquinas. Vamos
continuar na aventura de um mundo feito com o suor do homem, o trabalho, o
emprego, a inteligência, o idealismo, os heróis, os mártires e os poetas.
Afinal, dizia-me um caboclo do Maranhão: “Nada mais
triste do que o fim de uma vaquejada, a saudade dança de roda.” E qual o
consolo? – pergunta. “A certeza de que, na outra semana, vai ter outra
vaquejada.”
Assim é a vida.
José Sarney
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