RIBAMAR FONSECA
Jornalista e escritor
Há uma evidente preocupação dos integrantes do novo governo
em acelerar, no Senado, o processo de julgamento da presidenta afastada Dilma
Roussef, de modo que a decisão seja tomada bem antes dos 180 dias previstos na
Constituição. E essa preocupação se explica: primeiro porque, como interino, o
presidente em exercício Michel Temer não tem a força necessária para fazer tudo
o que pretende, sobretudo porque não tem legitimidade, e, segundo, porque em
seis meses corre o risco de provocar descontentamentos entre os senadores, com
a consequente mudança de votos que poderá por um fim no seu sonho presidencial.
Afinal, a julgar pelo número de sufragios que lhe permitiu sentar na cadeira
presidencial (55 x 22) ele ficou pendurado em apenas três votos, uma frágil
maioria, para continuar Presidente até 2018. E por conta disso, no primeiro dia
do novo governo alguns ministros já emitiam sinais de insegurança diante das
primeiras críticas, surgidas no Senado, entre os que votaram a favor do
impeachment.
Na verdade, tudo leva a crer que o processo não ultrapassará
os 90 dias, devendo estar concluído até setembro vindouro, quando o ministro
Ricardo Lewandowski, que presidirá o julgamento no Senado, deixará a
presidência do Supremo Tribunal Federal, devendo ser substituído pela ministra
Carmem Lúcia. O próprio Lewandowski, aliás, já manifestou o desejo de encerrar
a sua tarefa no Senado antes do término do seu mandato de presidente do STF. E
enquanto isso não acontece, Temer vai governar pisando em ovos, caminhando com
muito cuidado para não pisar nos calos de algum senador ou desagradar algum
partido, o que significa andar no fio da navalha. Esse é o grande problema de
quem não chegou à Presidência pelo voto popular, sem força para impor-se, o que
o torna refém de todos os que podem influenciar o voto dos senadores e,
consequentemente, o resultado do julgamento. Encurtar o tempo do processo,
portanto, reduz a possibilidade de acontecer algo que possa mudar o jogo.
Mas isso é apenas uma pequena amostra das suas enormes
dificuldades como Presidente sem legitimidade. Ele também é refém do PSDB, que
pediu ao Tribunal Superior Eleitoral a cassação do mandato da chapa
Dilma-Temer, alegando uma série de irregularidades. E como o TSE é agora
presidido pelo ministro Gilmar Mendes, um tucano que há muito deixou de
esconder as penas, não parece muito difícil adivinhar a sua posição. Embora tenha
recentemente aventado a possibilidade, muito difícil, de separar Temer de Dilma
no processo em curso no TSE, obviamente já maquinando uma fórmula capaz de
cassar apenas o mandato da Presidenta afastada, Gilmar terá um trunfo nas mãos
para impedir que o Presidente interino faça algo que desagrade o ninho tucano.
O guru do partido, aliás, o ex-presidente Fernando Henrique, já afirmou que o
governo é do PMDB e não do PSDB, sinalizando, inclusive, a possibilidade de
abandoná-lo caso não cumpra as exigências tucanas. Uma carta de seguro para o
caso de dar tudo errado.
O fato é que, consciente do caminho torto que palmilhou para
chegar à Presidência, Temer já dá mostras de fragilidade. Ele parece perdido em
meio às críticas de todos os lados, inclusive de seus aliados golpistas. E
depois de recuar da extinção do MinC, já recuou do recuo, mantendo a cultura no
MEC, cujo titular, Mendonça Filho, está sendo rejeitado até pelos que aprovaram
o golpe. Além disso, a reação de alguns países latino-americanos, que se recusam
a reconhecê-lo como presidente do Brasil, amplia o seu isolamento. A situação
está ficando tão difícil que integrantes do seu governo já falam em pedir ajuda
ao ex-presidente Lula, assim como alguns jornalistas que defenderam o golpe,
como Eliane Cantanhede, que já fazem apelo por uma trégua, um gesto que poderia
ter sido feito antes da aprovação do impeachment pela Câmara. E a oposição ao
novo governo, afora manifestações populares isoladas, ainda nem começou a dar
sinais de vida no teatro político, o que poderá acontecer já nesta semana com
ações na Justiça contra a posse de alguns ministros sob investigação. E que não
são poucos.
A insegurança do Presidente interino, já percebida logo no
seu discurso de posse, poderá agravar-se no decorrer dos dias, sobretudo quando
anunciar o seu programa de privatizações, já desenhado pelo seu escudeiro
Moreira Franco – e avalizado pela Globo – que deverá desencadear reações mais
intensas em todo o país. Pelo que se conseguiu observar nestes primeiros
momentos do novo governo, Temer não parece ter estrutura para resistir às
pressões, sobretudo dos próprios aliados, mesmo tendo o apoio da imprensa, o
que poderá encurtar a sua gestão com uma difícil mas não impossível renúncia
antes da conclusão do julgamento de Dilma pelo Senado. Se tal acontecer, estará
escancarado o caminho para eleições presidenciais em outubro deste ano, junto
com o pleito municipal, o que se apresenta como a melhor solução para tirar o
país dessa situação. Afinal, só um governo eleito pelo povo, em eleições livres
e limpas, terá legitimidade e forças para tomar as medidas necessárias,
incluindo as reformas reclamadas, para recolocar o Brasil nos trilhos do
desenvolvimento. E qualquer que seja o eleito, certamente aproveitará as lições
deste episódio para não cometer os mesmos erros.
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