*José Carlos Leal
A palavra assombração é formada de Ad= perto, trazer para
perto + sombra. Na antiguidade clássica, acreditava-se que o morto continuava
existindo no outro mundo (Hades) na forma de sombra (skiá). Em determinadas
circunstâncias o morto poderia aparecer aos vivos com um simulacro de seu corpo
de carne a que chamavam eidolon. Em nosso tempo, a palavra assombração designa
certas aparições que acontecem em determinados lugares que, normalmente são
evitados pela maioria das pessoas.
Eu me lembro, quando era menino, em Honório Gurgel, um
subúrbio da antiga linha auxiliar, havia uma antiga fazenda de escravos chamada
fazenda do Vira Mundo. Ficava na subida da rua Igarapé antiga rua 30. Os
moradores da periferia costumavam dizer que, tarde da noite, ali se ouviam os
lamentos dos escravos torturados. Contava-se ainda que nas noites de sexta para
sábado, o Coronel Vira Mundo, o antigo dono da fazenda, lavava na biquinha ali
existente um cavalo todo de fogo. Nas segundas-feiras, os moradores diziam que descia
da fazenda, à meia- noite, uma procissão composta de almas penada.
Contava-se também que em determinados dias da semana, quem passasse por ali poderia ver um curioso fantasma. Tratava-se de uma mulher que caminhava sempre em sentido contrário ao da pessoa que passava por ali. Ela vinha caminhando normalmente sem aparentar suspeita de que fosse uma alma do outro mundo. Quando, porém, chegava bem perto do passante, ela crescia... crescia... crescia até passar dos postes e se ” derramava “ sobre a pessoa que tinha a má sorte de vê-la. Segundo o que se contava as pessoas apavoradas chegavam a desmaiar de pavor.
Havia outras informações de minha infância todas elas
aterradoras como a do fantasma do meladeiro. Contava-se que na rua Américo da
Rocha, antes de seu calçamento ainda, havia, nas altas horas da noite, um homem
que passava com um saco nas costas, paletó comprido, chapéu de aba larga,
vendendo melado. No silencia da noite, era comum ouvir-se a sua voz anunciando
a sua presença com o grito : Meladeiro !... Meladeiro!... Meladeiro!...
Certa noite, havia em uma das casas daquela rua um
casamento e as moças, amigas da noiva ficaram até tarde, tagarelando enquanto
enfeitavam o quarto da moça que ia se casar. De repente, ouviram lá fora o
grito misterioso: Meladeiro !... Meladeiro.!... Meladeiro !... As moças que
moravam na casa ficaram em silencio respeitoso, porém, havia uma delas que
viera de Botafogo e não conhecia Honório Gurgel. Por isso, Ela falou:
- Um melado com
farinha até que pegava bem. Vamos comprar uma garrafa?
- Lurdinha, para
com isso. Não brinque com essas coisas. Disse a moça que era a irmã mais velha
da noiva.
- Que coisas! Não
é apenas um homem vendendo melado?
- Isso é alma penada!
Exclamou a jovem.
- Que alma penada
que nada! Eu vou comprar melado.
Ditas essas palavras a moça da Zona-Sul abriu a janela
chamou o meladeiro e lhe pediu uma garrafa de mel mas não aceitou dinheiro em
pagamento. Ela pegou a garrafa e ele foi embora. As outras moças saíram do
quarto muito assustadas. Quando a moça ficou sozinha e abriu o embrulho onde
estava a garrafa, deu um grito. As amigas voltaram correndo e encontraram a
moça caída e, no chão, ao lado dela, estava uma canela de defunto.
Esta história não acaba aqui. Depois deste acontecimento
a moça começou a definhar, perdeu o apetite e tossia como se estivesse
tuberculosa. Ela foi ao médico, ele mandou que se fizessem chapas, mas estas
nada acusaram. A doença continuou. Foi então consultado um médium que “trabalhava
em casa” e este disse que a causa do mal era o meladeiro e,se ela quisesse
ficar boa, teria que devolver a canela de defunto àquela alma que cumpria um
fado pesado. Ela voltou a Honório Gurgel e uma noite ficou à espera do meladeiro
e. quando ela veio, ela, apavorada, chamou-o e lhe devolveu o objeto terrível.
O homem esticou a mão descarnada e pegou a canela dizendo: “Isso é para você
não mexer com o que não conhece.”
Na minha infância essas histórias serviam para ocupar o
espaço que hoje é preenchido pela televisão ou pelos jogos eletrônicos dos
computadores. Por este motivo, muitas dessas histórias, eram tidas como
“causos” histórias inventadas pelo povo para fazer passar o tempo ou para
assustar crianças impedindo que elas fossem à noite, brincar em lugares que os
adultos consideravam perigosos. Acontece, porém, que essas histórias são muito
antigas e universais. Egípcios, babilônios, gregos e romanos possuem, nas suas
tradições relatos sobre a aparição de espíritos; deste modo, não se pode
descartar o assunto como mera invencionice.
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