Cidade do Vaticano (RV) – Nos dias passados o Papa Francisco voltou a falar com a imprensa e através dela, com o mundo que a rodeia, ou seja, todos nós. Francisco não se desmente e escolheu mais uma vez, - se assim podemos dizer -, um jornal de periferia, mais precisamente, um jornal de rua. Tratou-se do jornal “Scarp de tênis”, periódico italiano fundado em 1994 e atualmente conhecido por ser um “jornal de rua”, sem fins lucrativos, editado pela Caritas italiana. Os redatores são sem-teto e outras pessoas em dificuldades ou excluídas socialmente que encontram no jornal uma ocupação e uma complementação de renda.
É através desse simples meio de comunicação que o Santo
Padre, refletiu sobre temas muito interessantes e contou anedotas de sua vida.
Não escolheu grandes networks para falar, mas um jornal feito e construído por
pessoas simples e muitas vezes invisíveis.
Numa das perguntas a recordação de um fato que chamou a
atenção da “grande mídia”, os seus sapatos, os sapatos do Papa. Francisco
tempos atrás foi até uma loja comprar novos sapatos. Mas por que tanta atenção?
E a pergunta: talvez porque hoje seja difícil colocar-se nos sapatos dos
outros?
A resposta de Francisco é lapidária: “é muito difícil colocar-se “nos sapatos dos outros”, porque com frequência somos escravos do nosso egoísmo”. As pessoas, muitas vezes, preferem pensar nos próprios problemas sem querer ver o sofrimento e as dificuldades dos outros. Depois, há outro nível: colocar-se “nos sapatos dos outros” significa ter grande capacidade de compreensão, de entender o momento e as situações difíceis.
Se pensarmos nas existências que com frequência são
marcadas pela solidão, então colocar-se “nos sapatos dos outros” significa
serviço, humildade, magnanimidade, que é também o sinal de uma necessidade. Eu
preciso que alguém se coloque “nos meus sapatos”. Porque todos nós precisamos
de compreensão, de companhia e de conselhos. Sim, entender significa
“colocar-se nos sapatos dos outros”. E não é fácil.
Ainda no decorrer da entrevista o Papa Francisco contou
momentos interessantes, seja da sua vida, seja de um de seus predecessores, São
João Paulo II. Diante de uma pergunta sobre o que ele diz quando encontra um
sem-teto, o Papa respondeu simplesmente: “Bom dia. Como vai?”. “Algumas vezes
trocamos poucas palavras, - acrescentou -, outras vezes se cria uma relação e
se ouvem histórias interessantes”. Contou o fato de um sem-teto de origem
polonesa que vivia perto do Vaticano. Não falava com ninguém, nem com os
voluntários da Caritas que levavam para ele comida. Somente depois de muito
tempo conseguiram fazer com que ele contasse a sua história: “Sou um sacerdote,
- disse -, conheço bem o seu Papa, estudamos juntos no seminário”.
O assunto
chegou a São João Paulo II que ouvindo o nome confirmou ter estudado com ele no
seminário e quis encontrá-lo. Eles se abraçaram depois de quarenta anos e no
final de uma audiência o Papa pediu para ser confessado pelo sacerdote que
tinha sido seu companheiro. “Agora, porém, cabe a você”, disse-lhe João Paulo
II. E o companheiro de seminário foi confessado pelo Papa.
Graças ao gesto de um voluntário, de uma comida quente,
algumas palavras de conforto e um olhar de bondade, essa pessoa pode se
reerguer e começar uma vida normal que o levou a se tornar um capelão de um
hospital.
As pessoas que vivem pelas ruas entendem quando existe
realmente um interesse da parte da outra pessoa ou quando existe, não um sentimento
de compaixão, mas certamente de pena. Eles percebem essa maneira diferente de
olhá-los.
Falando ainda de sua história contou que os seus avós e
seu pai poderiam ter partido no final de 1928 da Itália, pois eles tinham as
passagens para o navio ‘Princesa Mafalda’, o navio que afundou nas costas do
Brasil. Mas eles não conseguiram vender em tempo o que possuíam – recordou
Francisco - e por isso mudaram a passagem e embarcaram no ‘Giulio Cesare’, no
dia 1º de fevereiro de 1929. “Por isso, eu estou aqui", destacou.
Francisco na sua entrevista conta ainda de outros
episódios e fala de temas do nosso dia a dia, mas em todas as questões ele
salienta a dimensão do homem, da solidariedade, da esperança. Sublinha que a
solidariedade se encontra mais facilmente nas periferias, nas favelas do que
nos bairros centrais. Ali se vê o irmão que se preocupa com o outro. Talvez
tenha sido esta a intenção de Francisco de conversar com um jornal da
periferia, pois sabe que ele é a expressão da simplicidade e da preocupação com
o outro, com os últimos. Uma maneira de falar a partir das periferias da
comunicação, aos grandes centros da nossa sociedade. Uma maneira de exortar-nos
a calçar o sapato do outro. (Silvonei José)
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