NELSON VALENTE
No dia 14 de julho de 1889, centenário da Revolução
Francesa, foi devidamente comemorada no Rio de Janeiro. Mas as festas tiveram
inesperado desfecho: um tiro no Imperador D. Pedro II. O Imperador, sua
consorte e a Princesa Isabel deixavam o Teatro Santana, no Rio de Janeiro, após
assistirem a um concerto, quando ecoaram brados de Viva a República. Este
primeiro incidente não teve maiores consequências. Quando a carruagem passava,
pouco à frente, diante da Maison Moderne – o restaurante da predileção dos
literatos da Corte – é disparado, em sua direção, um tiro de revólver, que se perde,
sem atingir o veículo, seus ocupantes ou os batedores. Perpetrara-se um
atentado contra o Monarca.
O centenário daquele acontecimento, que se comemoraria a
14 de julho de 1889, tornou-se o marco de grandes eventos. Até essa data, por
exemplo, todos os adeptos da República deveriam ter libertado seus escravos. A
Lei Áurea, porém, frustou-lhes os objetivos. Contudo, celebraram a efeméride e,
como em outras solenidades, fizeram executar a Marselhesa, para desespero dos
Monarquistas. A ojeriza destes pelo hino francês, que lhes sabia como deboche,
está expressa no propósito manifestado por candidato conservador de, se a sorte
sorrisse aos republicanos, no derradeiro pleito eleitoral travado no Império,
refugiar-se em sua fazenda, para não ouvir os acordes provocativos daquela
música.
Inesperada também foi a decisão do júri que julgou o
autor do atentado.
O autor (Adriano do Vale, português de 21 anos de idade)
do atentado foi preso - a grande maioria do júri decidiu pela negativa do fato,
absolvendo-o.
O julgamento marcou-se para 23 novembro: Os jurados eram
12 e o réu foi absolvido por 10 votos. Estava repleta a sala do júri, por
ocasião do julgamento de Adriano do Vale. Falaram o promotor público Lima
Drummond, o curador Otoni e o defensor Ferreira Lima. Não houve réplica. E, não
obstante o réu ter confessado amplamente o crime. Coisas do júri, dir-se-á. Um
fato provado e confessado resulta inexistente, pela decisão dos jurados.
O 14 de julho foi, portanto, comemorado com efusão
ruidosa, em que se misturavam a Marselha e os vivas à República. E, tudo isso,
sem a mínima interferência policial, diante da mais absoluta complacência das
autoridades. As manifestações hostis ao governo e ao regime tinham cunho
rotineiro, durante o Segundo Reinado. Foi assim que, a 15 de julho de 1889, no
dia seguinte ao que festejara o centésimo aniversário da Queda da Bastilha,
emprestando-lhe um cunho de grande acontecimento republicano, Pedro II e
membros da Família Imperial envolvidos em atos afrontosos. Herdando um Império
no limiar da desintegração, Pedro II transformou o Brasil numa potência
emergente na arena internacional.
O reinado de Pedro II veio a um final incomum — ele foi
deposto apesar de altamente apreciado pelo povo e no auge de sua popularidade.
Ele não permitiu qualquer medida contra sua remoção e não
apoiou qualquer tentativa de restauração da monarquia. Passou os seus últimos
dois anos de vida no exílio na Europa, vivendo só e com poucos recursos.
Algumas décadas após sua morte, sua reputação foi restaurada
e seus restos mortais foram trazidos de volta ao Brasil como os de um herói
nacional. Sua reputação perdurou até o presente. Os historiadores o enxergam
numa visão extremamente positiva, sendo considerado por vários o maior
brasileiro.
Segundo, o Professor Doutor Arnaldo Niskier: “Quando se
debate o que deve ser lecionado aos nossos alunos, a partir de uma nova
concepção de currículo, a variedade é imensa. Na discussão em torno do assunto,
a imaginação é o limite. Chegamos ao absurdo de ler propostas de cortar
episódios como a Inconfidência Mineira e a revolução Farroupilha, sob o
pretexto de que não contém elementos indígenas ou afrodescendentes em número
expressivo. Querem reescrever a nossa história, como se isso fosse possível.
Alguns professores defenderam a tese de que devemos abandonar os estudos das
nossas matrizes eurocêntricas, o que atingiria a língua portuguesa, a sua
literatura, e também a história do Brasil. Como abrir mão de tanta riqueza
cultural?”
Nelson Valente é professor universitário, jornalista e
escritor.
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