José Sarney
Eu viajara a Guadalajara, México — onde estou agora —,
para participar — como agora — da Feira Internacional do Livro, a segunda maior
do mundo. Recordo que naquele ano aqui estive com Vargas Llosa, Fernando del
Paso, García Márquez e Paulo Coelho. Lançava a edição de O Dono do Mar em
espanhol, feita pelo Fondo Economico de Cultura, e descobria a grande, velha e
bela cidade, fundada em 1532.
De Guadalajara segui, numa viagem longa, para Nápoles,
onde se realizaria a Sessão da Unesco que deveria declarar a cidade de São
Luís, no Maranhão, Patrimônio da Humanidade. Era o coroamento de uma luta em
que minha geração se empenhara: a preservação da cidade velha.
Começáramos, nos anos 50 — Odylo, Tribuzzi, Domingos
Vieira Filho e eu —, a campanha, numa época em que administradores a haviam
retalhado, derrubando quarteirões para abrir avenidas, como a Avenida Magalhães
de Almeida e a Rua do Egito, seccionando o tecido urbano, substituindo os
sobrados por edifícios medíocres, acabando com as árvores do Largo do Carmo e
até derrubando uma igreja, como a da Conceição, na velha e tradicional Rua
Grande, que, graças a Deus, escapou da degola.
Nossa primeira tarefa, em parte vitoriosa, foi a de
formar uma consciência da importância do patrimônio que herdáramos.
Lembrar que nossa História, nossa cultura, nossa
manifestação artística eram nossa identidade.
Creio que hoje a maior parte dos maranhenses, de São Luís
ou de outras partes do Estado, vê o Centro Histórico como incorporado à sua
vida.
Fora em missão a São Luís o grande arquiteto português e
conhecedor da história das cidades, Vianna de Lima, que traçou o primeiro
roteiro de preservação e tombamento.
Naqueles tempos a visão mais comum em nosso País era a
ilustrada por um prefeito de Angra dos Reis: “Doutor Rodrigo tomba por um lado,
eu tombo pelo outro.”
E saíam botando abaixo o que encontravam pela frente. Em
São Luís se seguia este lema.
O IPHAN fez muitos tombamentos em São Luís: objetos,
prédios, trechos da cidade. Estudou a cidade. Entre os muitos que estiveram ali
lembro Olavo Pereira da Silva e Dora Alcântara (e seu marido Pedro), pois os
dois registraram sua passagem com livros fundamentais: ela, sobre azulejos; ele,
Olavo, sobre nossa arquitetura.
Veio outra geração. Com Roseana à frente se avançou
extraordinariamente. A cidade se acendeu. Foi um tempo de construção, ao
contrário do presente.
Chegou a boa hora. O Governo de Roseana, por meio do
IPHAN, preparou a postulação do Brasil de que São Luís fosse declarada
Patrimônio da Humanidade. No dia 6 de dezembro, no teatro do Palácio Real, em
Nápoles, assistimos à reunião da UNESCO, presidida pessoalmente por Federico
Mayor, grande intelectual e homem público espanhol.
Leram-se os nomes dos monumentos que recebiam a
distinção.
Companhias ilustres, como Carcassonne, na França,
recuperada por um dos pais da preservação cultural, Violet-le-Duc. Chegou a vez
do Brasil e de sua candidatura: São Luís do Maranhão. Aprovação unânime. Festa.
Emoção profunda. Estavam em Nápoles a Governadora Roseana; o Prefeito de São
Luís, Dr. Jackson Lago, eu e uma grande comitiva.
Pouco depois, chegou a vez de Guadalajara — onde estou
agora —, e o Hospício Cabañas, com murais de Orosco, juntou-se a nós. Fui o
único a aplaudi-lo, solitário.
Passados 20 anos, verificamos como é importante não
dormir sobre os louros conquistados. A cidade de São Luís do Maranhão está quase
agonizante, prestes a perder o título, que tanto lutamos para conquistar. O
compromisso que assumimos, de usufruto e guarda, não está sendo cumprido. O que
lhe dão é desfrute e abandono.
Basta lembrar o silêncio com que estamos comemorando a
data, sem uma única menção a ela. Nada, nada.
Mas eu relembro e, com Roseana, Luís Felipe Andrés e
todos que participaram dessa luta, continuamos a batalha.
Salvemos a cidade, 20 anos de Patrimônio da Humanidade.
José Sarney
(nov 25, 2017)
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