A água é fundamental desde atividades cotidianas, como
tomar banho, até para o desenvolvimento econômico de um país, pois com ela é
possível gerar energia, produzir alimentos e produtos de consumo, entre outras
atividades. Para informar à sociedade brasileira como anda a situação das águas
do País, a Agência Nacional de Águas (ANA) lança o relatório pleno de
Conjuntura dos Recursos Hídricos no Brasil 2017 em 4 de dezembro. Esta
publicação é a referência para acompanhamento sistemático e periódico das
estatísticas e indicadores relacionados a recursos hídricos no Brasil.
Totalmente reformulado para oferecer informações de
maneira clara e didática através de infográficos, o Conjuntura é dividido em
seis capítulos. No primeiro há informações sobre a relação do ciclo hidrológico
e o Conjuntura. Em seguida há um panorama da quantidade e da qualidade das
águas superficiais e subterrâneas do País. Na terceira parte o relatório
apresenta os principais usos da água no Brasil e detalha os volumes de água
retirados, consumidos e que retornam ao meio ambiente. O capítulo seguinte
aborda o sistema de gestão de recursos hídricos. A quinta seção é sobre crise
hídrica e regiões críticas em termos de quantidade e qualidade das águas. Por
fim, há uma análise sobre o setor de recursos hídricos.
Esta é a terceira edição plena do Conjuntura, sendo que
as duas primeiras foram publicadas em 2009 e 2013.
Crises hídricas
Um dos temas
abordados pelo Conjuntura 2017 são as crises hídricas causadas por secas e
estiagens ou por cheias no País. É possível compreender os fatores que
resultaram na crise hídrica do Semiárido, do Distrito Federal, do Sistema
Cantareira (SP), do Paraíba do Sul (RJ). O material também aborda grandes
cheias, como as registradas no rio Negro (AM) em 2013, rio Madeira (RO) em
2014, no rio Acre em 2015 e nos rios Jacuí e Itajaí-Açu (SC) também em 2015.
Segundo o relatório, 48 milhões de pessoas foram afetadas
por secas (duradoura) ou estiagens (passageiras) no território nacional entre
2013 e 2016. Neste período, foram registrados 4.824 eventos de seca com danos
humanos. Somente em 2016, ano mais crítico em impactos para a população, 18
milhões de habitantes foram afetados por estes fenômenos climáticos que causam
escassez hídrica, sendo que 84% dos impactados viviam no Nordeste.
Ao contabilizar eventos de cheia, o Conjuntura informa
que entre 2013 e 2016 um total de 7,7 milhões de brasileiros sofreram com os
impactos dos diferentes tipos de cheias: alagamentos, enxurradas e inundações.
Apenas em 2016, cerca de 1,3 milhão de habitantes sofreram com a água em
excesso. Enquanto o dano mais frequente causado pelo fenômeno é a perda de
residências e outros bens materiais, menos de 1% dos impactados tiveram outros
tipos de danos, como óbitos, desaparecimentos, doenças e ferimentos em
decorrência de cheias.
De 2003 a 2016, as secas e estiagens levaram 2.783 municípios
a decretarem Situação de Emergência (SE) ou Estado de Calamidade Pública (ECP),
sendo que 1.409 cidades do Nordeste (78,5% da região) tiveram que declarar SE
ou ECP. Destes municípios, aproximadamente metade decretou emergência ou
calamidade pelo menos uma vez em sete anos diferentes. Entre 2013 e 2016, o
Nordeste registrou 83% dos 5.154 eventos de secas registrados no Brasil, que
prejudicam a oferta de água para abastecimento público e para setores que
dependem de água para realizarem atividades econômicas, como geração
hidrelétrica, irrigação, produção industrial e navegação.
Entre 2003 e 2016, quase metade (47,5%) dos municípios
brasileiros declararam Situação de Emergência ou Estado de Calamidade Pública
pelo menos uma vez por conta de cheias, dos quais 55% (1.435) ficam no Sudeste
ou no Sul. Considerando o período de 2013 a 2016, Santa Catarina e Rio Grande
do Sul tiveram 44% dos registros de eventos de cheias associados a danos para
pessoas no País.
A publicação da ANA, que conta com dados de mais de 50
instituições parceiras, também informa que secas e cheias representaram 84% dos
quase 39 mil desastres naturais entre 1991 e 2012 no território nacional,
afetando cerca de 127 milhões de brasileiros. No período de 1995 a 2014, as
perdas chegaram a R$ 182,7 bilhões. Assim, os prejuízos chegam a R$ 9 bilhões
por ano ou aproximadamente R$ 800 milhões por mês.
Armazenamento de água
Na publicação também há dados sobre a evolução da
capacidade de acumulação de água no País entre 1950 e 2016, alcançando um
patamar de cerca de 600 trilhões de litros, especialmente acumulados em
reservatórios para geração de energia hidrelétrica, que corresponde a 64,5% da
matriz elétrica.
O Conjuntura também mostra a evolução do volume acumulado
nos reservatórios do Sistema Interligado Nacional (SIN) entre 2012 e 2016,
período pelo qual a bacia do São Francisco vem enfrentando forte seca. Em 2015,
os reservatórios do Velho Chico, do Tocantins-Araguaia e das demais regiões
hidrográficas tiveram os menores volumes do período. A exceção foi na Região
Hidrográfica do Paraná, onde ficam o Sistema Cantareira e a bacia do Paraíba do
Sul, que teve o pior volume em 2014, ano da crise hídrica no Sudeste.
No Nordeste os reservatórios que compõem o reservatório
equivalente, monitorado pela ANA, tiveram uma tendência de alta apenas na Bahia
e no Piauí entre 2012 e 2016. No Ceará, Paraíba, Pernambuco e Rio Grande do Norte
a queda no período foi contínua. Com isso, o reservatório equivalente do
Nordeste acumulou redução acentuada no volume de água armazenado.
Devido a este contexto de escassez na região, a Agência
precisou elaborar termos de alocação negociada de água para disciplinar os usos
do recurso em sistemas hídricos que enfrentam fortes secas ou que possuem
potencial de conflito pelo uso da água. As alocações aconteceram na Bahia,
Paraíba, Pernambuco, Piauí e Rio Grande do Norte.
Usos da água
O Conjuntura 2017
traz como novidade os dados sobre vazão de retirada e de consumo de água para
mineração e termelétricas. No Brasil se retiram, em média, 2.057,8m³/s dos
rios, córregos, lagoas, lagos e reservatórios; sendo que 46,2% vão para
irrigação. Já a vazão média de consumo é de 1.081,3m³/s. Deste total, 67,2% são
consumidos pela irrigação. Para esta atividade econômica o Brasil ainda tem um
potencial de crescimento de 76 milhões de hectares, principalmente no
Centro-Oeste.
Segundo o estudo da ANA, a demanda por uso de água no
Brasil é crescente, com aumento estimado de aproximadamente 80% no total
retirado de água nas últimas duas décadas. Até 2030, a previsão é de que a
retirada aumente em 30%. A publicação informa, ainda, que o histórico da
evolução dos usos da água está diretamente relacionado ao desenvolvimento
econômico e ao processo de urbanização do País. Também são mostrados os volumes
que retornam ao meio ambiente, que são as vazões retiradas e não consumidas.
Qualidade de água
Sobre qualidade da água, a publicação da ANA aponta que
12% dos pontos monitorados analisados são classificados como excelentes com
base no Índice de Qualidade das Águas (IQA), que contém nove parâmetros
físico-químicos e biológicos. Em áreas urbanizadas, este total cai para 7%. No
total 63% dos pontos têm suas águas classificadas como boas, 13% como
regulares, 9% como ruins e 3% como péssimas. Em cidades os pontos com IQA
regular, ruim ou péssimo aumentam.
Gestão de recursos hídricos
Entre os aspectos da gestão de recursos hídricos, o
relatório pleno mostra a evolução da gestão de águas no País. Verifica-se
aumento do número de comitês de bacias hidrográficas estaduais criados no País,
passando de 30 para 223 entre 1997 e 2016. Este crescimento se deu
principalmente a partir dos dez anos da Lei nº 9.433/97, que criou a Política
Nacional de Recursos Hídricos. Os comitês funcionam como um parlamento das
águas e têm em sua composição representantes do Poder Público, da sociedade
civil, de setores usuários de água e de comunidades tradicionais. Estes
colegiados realizam a gestão descentralizada dos recursos hídricos em sua área
de atuação.
Todas as outorgas para usos consuntivos (que consomem
água) emitidas no Brasil até julho de 2016, incluindo as já vencidas ao longo
dos anos, foram para 115.092 captações de água, sendo 88% outorgadas pelas
unidades da Federação (outorgas estaduais). A ANA responde por 12% do número
total de captações outorgadas (outorgas federais). Porém, a vazão total
outorgada pela Agência é de 48% ante 52% da vazão outorgada pelas UFs. No total
das outorgas federais e estaduais, a irrigação é o uso que responde por 63% de
toda a vazão já outorgada.
Os 12 planos de recursos hídricos (PRHs) de bacias
interestaduais elaborados até 2016 abrangem uma área correspondente a 54% do
Brasil. No entanto, o Conjuntura aponta uma baixa efetividade na implementação
das ações propostas nesses planos. Mesmo após aprovada a cobrança pelo uso da
água em algumas bacias onde incidem os planos, por exemplo, poucas são as
intervenções efetivamente implementadas dentre aquelas previstas. Além disso,
há pouco rebatimento dos planos na programação e orçamento dos órgãos gestores
estaduais de recursos hídricos.
Os PRHs de bacias interestaduais elaborados e aprovados
mais recentemente – na bacia do Piancó-Piranhas-Açu, em junho de 2016, e na
bacia do Paranapanema, em outubro de 2016 – apresentam uma nova abordagem, que
reduz o prazo de elaboração do documento. Outra mudança é a concepção de plano
de ações com orçamento mais realista, foco na governabilidade do sistema de
gestão dos recursos hídricos e definição de um passo a passo para a
implementação de ações estratégicas por meio de um manual operativo (MOP).
De acordo com o Conjuntura 2017, o valor cobrado pelo uso
de recursos hídricos no Brasil em 2016 foi de R$ 328,6 milhões, sendo que houve
a arrecadação de 90% deste montante. Em bacias hidrográficas com rios de
domínio da União (interestaduais e transfronteiriços) que já cobram pela água
bruta, R$ 66 milhões foram cobrados no ano passado e a arrecadação foi de 76%,
sendo que o setor de saneamento é responsável por 72% da arrecadação nestas
bacias. São elas: Paraíba do Sul; Piracicaba, Capivari e Jundiaí (PCJ); São
Francisco; e Doce.
Lições e desafios
para o setor de recursos hídricos
O Conjuntura 2017 também apresenta, ainda, lições e
desafios para que o setor de recursos hídricos evolua, principalmente a partir
das crises de água ocorridas recentemente. Diversas propostas de aprimoramento
da legislação e dos regulamentos sobre a água têm sido objeto de debates no
âmbito do SINGREH, no sentido de melhorar a governança e a gestão integrada dos
recursos hídricos. O Projeto Legado é uma dessas iniciativas, que visa fomentar
os aperfeiçoamentos necessários ao Sistema.
Um exemplo das reflexões sobre o setor é se a unidade de
gestão dos recursos hídricos deve ser unicamente a bacia hidrográfica, como
define a Política Nacional de Recursos Hídricos. Configurações espaciais
alternativas, que confiram maior eficácia para o enfrentamento de problemas,
podem ser mais vantajosas. É o caso da gestão conjunta de reservatórios
localizados em diferentes bacias ou a necessidade da gestão com foco em bacias
estendidas, como ocorre no caso de transposições de água, onde há bacias
“doadoras” e ”receptoras”.
A aplicação dos instrumentos de gestão, a atuação dos
órgãos gestores e dos entes colegiados integrantes do SINGREH e a determinação
das competências legais a partir do domínio da água são outros exemplos que
também são alvos de questionamentos e análises quanto às vantagens e
fragilidades atuais. Estes aspectos têm sido avaliados pela ANA e seus
parceiros institucionais, dentre eles a Organização para a Cooperação e
Desenvolvimento Econômico (OCDE).
Características já conhecidas quanto à disponibilidade
hídrica e abundância de chuvas na Amazônia, sazonalidade bem marcada no
Centro-Oeste, baixa disponibilidade e escassez hídrica no Semiárido e chuvas
bem distribuídas nas regiões Sul e Sudeste são fatores que justificam se pensar
em uma gestão de recursos hídricos diferenciada para essas regiões.
Considerando estes fatores, o debate quanto às necessidades de inovações e
adequações nos instrumentos de gestão dos recursos hídricos têm se
intensificado no setor e vêm sendo conduzidos nos Diálogos para o Aperfeiçoamento
da Política e do Sistema de Recursos Hídricos no Brasil.
O Conjuntura destaca que inovações na própria Política
Nacional de Recursos Hídricos e em outras legislações inerentes ao setor devem
ser consideradas no momento atual com o intuito de aperfeiçoar o arcabouço
legal e institucional em que se baseia a gestão de águas no País. Neste
contexto o relatório procura ser um meio de reflexão e divulgação dessa
política pública junto a sociedade brasileira, em busca do seu aprimoramento
sistemático e de soluções eficazes às crises hídricas do presente e do futuro,
indo além de fornecer um panorama da situação dos recursos hídricos nacionais.
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