Percival Puggina
Não, três vezes não! Eles não farão um Brasil à sua
hedionda imagem e semelhança.
Nesta noite de 22 de março, enquanto escrevo, sinto o
coração apertado. Sei que, neste momento, os ratos se regozijam nos porões do
submundo e os grandes abutres festejam nas iluminadas coberturas do poder. Aos
olhos escandalizados da nação, o STF testemunhou contra si mesmo. Falou aos
trancos com o “humanitário” Gilmar Mendes. Soprou vaidade e ironia matreira com
Marco Aurélio Mello. Tartamudeou e olhou assustado com Rosa Weber. Perdeu
resquícios de pudor militante e se fantasiou de amor ao próximo com Ricardo
Lewandowski e Dias Toffoli. Deu razão a Saulo Ramos com os floreios monocórdios
de Celso de Mello.
Enquanto confessavam suas culpas e exaltavam a impunidade,
viralizava o crime, a corrupção e o pandemônio moral. Suas palavras nos
aprisionavam ainda mais, corroendo esperanças que juízes de verdade haviam
plantado em nossas almas. Acabamos o dia numa cidadania vã, sugados feito
bagaço, desprovidos de qualquer poder e capturados pelo mecanismo que nos tomou
como servos submissos, pagadores das contas que não cessam de nos impor.
Ironicamente, queriam convencer-nos de que era tudo para o nosso bem! Ora, isso
é tão ridículo que não prosperará!
Reconheço. Assim como, em Cuba, tive medo do Estado, esta
tarde tive medo aqui. Medo de também nos tomarem a esperança. Senti a dormência
de sua perda e me lembrei das palavras lidas por Dante no sinistro portal do
Inferno: “Por mim se vai a cidade dolente; por mim se vai a eterna dor; por mim
se vai a perdida gente...”. E, ao fim do verso, a sentença terrível que, há
sete séculos, ecoa com letras escuras nas horas sombrias: “Lasciate ogni
speranza voi ch’entrate” (Deixai toda esperança, vós que entrais)
Não exagero, leitor amigo. Ali estava, mesmo, o portal do
Averno, do Inframundo. Cinco dos sete pecados capitais eram encenados por uma
tribo de togas. Os dardos da ira cruzavam o salão como tiroteio na favela. A
soberba se refestelava na própria voz. Ah, o poder sem freios! A inveja se
esbaforia entre duas malquerenças: a do brilho e a da altivez.
A preguiça, sim
ela, fez parar a sessão às 18 horas da tarde; ela mesma admitiu as férias
pascais. A avareza fremia de cupidez, olhos postos nos bilhões em honorários
que se derramarão para a imediata soltura de milhares de criminosos
endinheirados, já cumprindo pena de prisão por condenação em segunda instância.
São sentenciados cujas condenações extinguiram completamente a presunção de
inocência, mas em relação às quais não se completou – e talvez não se complete
jamais – o rito do trânsito em julgado. Ao menos enquanto houver talão de
cheques com fundos suficientes para puxar os cordéis da impunidade.
Todavia, não! Este é o país de Bonifácio, de Pedro II, de
Nabuco, de Caxias! Esse STF fala por si e haverá de passar! Os corruptos não
nos convencem nem nos vencem. Trouxeram-nos às portas do Inferno. Exibiram-nos
o portal de Dante. Que entrem sozinhos. Perseveraremos.
Percival Puggina, membro da Academia Rio-Grandense de
Letras, é arquiteto, empresário e escritor.
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