Depois de descobrir que um ex-assessor do filho do
presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), movimentou "atipicamente"
1,2 milhão de reais em suas contas, a Procuradoria da República no Rio de
Janeiro decidiu encaminhar a investigação sobre eventual irregularidade no caso
para a esfera estadual. Agora, caberá a algum promotor vinculado ao Ministério
Público Estadual do Rio de Janeiro abrir qualquer procedimento de apuração, se
assim achar necessário. O órgão de investigação local costuma se destacar por
sua atuação contra o narcotráfico, e raramente atua em grandes operações contra
corrupção de agentes políticos.
Na semana passada, um relatório do Conselho de Controle
de Atividade Financeira (COAF) revelado pelo jornal O Estado de S. Paulo
apontou que Fabrício José de Queiroz, um policial militar que era motorista e
segurança do deputado estadual Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), teria movimentado
essa quantia milionária em suas contas sem qualquer justificativa plausível.
Como policial lotado na assessoria parlamentar do gabinete de Flávio, Queiroz
recebia pouco mais de 21.000 reais por mês. Ou seja, em um ano, teria de ter
uma movimentação de aproximadamente 252.000 reais. Valor 4,7 vezes inferior ao
movimentado por ele. Além disso, foi constatado que o policial depositou 24.000
em cheques para a esposa do presidente eleito e madrasta de Flávio, Michele
Bolsonaro. O ex-assesor também recebeu transferências bancárias de outros sete
servidores da (Alerj) que passaram pelo gabinete de Flávio Bolsonaro, segundo a
Veja.
Queiroz se tornou alvo da apuração depois que se iniciou
a Operação Furna da Onça, um desdobramento da Lava Jato que, no dia 8 de
novembro, resultou na prisão de dez deputados estaduais suspeitos de receberem
uma mesada ilegal dos governos de Sergio Cabral e de Luiz Fernando Pezão (ambos
do MDB e que também estão presos). Flávio Bolsonaro não está entre esses investigados.
Com o desenrolar dessa operação, o COAF passou a monitorar as movimentações
financeiras de servidores da Assembleia Legislativa do Rio e constatou que 22
deles movimentaram juntos a quantia de 200 milhões de reais. Um dos que tiveram
uma movimentação atípica foi o policial militar. Os nomes dos demais
funcionários e ex-servidores não foram divulgados.
Como justificativa para transferir as apurações para a
esfera estadual, a Procuradoria da República no Rio informou que na relação do
COAF não havia nenhum de seus alvos. “Como o documento indicava a existência de
movimentações atípicas de outras pessoas que não eram alvos da referida
operação, o MPF na 2ª Região (RJ/ES), diante da ausência de indícios que
justificassem alguma apuração em âmbito federal relacionados a tais nomes,
remeteu o material ao MP/RJ, para que o órgão apure eventuais ilícitos de
competência estadual cometidos na Alerj”, declarou a procuradoria em nota
emitida na noite desta segunda-feira.
Desde que o assunto veio à tona, tanto o deputado Flávio,
recém-eleito senador, quanto seu pai, Jair Bolsonaro, têm negado qualquer
irregularidade. Ambos já declararam confiar em Queiroz, mas disseram que é ele
quem tem de se explicar. O presidente eleito, contudo, deu uma breve explicação,
no sábado, sobre os valores que entraram nas contas de sua mulher. Conforme
ele, era parte do pagamento de um empréstimo feito por Jair Bolsonaro ao
policial, de quem é amigo há 34 anos. O ex-assessor não se manifestou até o
momento.
Em declaração à imprensa no sábado, Bolsonaro afirmou que
emprestou 40.000 reais ao amigo e dividiu esses pagamentos em dez cheques de
4.000 reais. Pediu que os valores fossem depositados na conta de Michele porque
ele nem sempre consegue ir ao banco. Afirmou ainda que não declarou esse
empréstimo à Receita Federal. “Se eu errei, eu arco com a minha
responsabilidade perante o fisco. Não tem problema nenhum”.
A proximidade entre as duas famílias era tamanha que uma
filha de Queiroz, chamada Nathalia, chegou a trabalhar no gabinete parlamentar
de Jair Bolsonaro em Brasília. Pai e filha foram exonerados de seus cargos
comissionados em 15 de outubro, dois dias antes de a Procuradoria da República
ingressar com os pedidos de prisão da Operação Furna da Onça.
Esse foi o primeiro constrangimento envolvendo o futuro
mandatário do país desde que ele foi eleito em outubro com um forte discurso de
combate à corrupção. O assunto já rendeu munição para opositores dele no
Congresso. O deputado Paulo Pimenta (PT-RS), por exemplo, chamou no plenário da
Câmara o caso de “Bolsogate” e cobrou explicações mais claras dos suspeitos.
“Isso é um escândalo gravíssimo. Nós estamos falando da família do presidente
eleito. Nós estamos falando de um assessor do gabinete dele que era o caixa,
que movimentou em 12 meses mais de R$ 1,2 milhão. Essa história está muito
esquisita”.
No plenário, nenhum aliado de Bolsonaro o defendeu
enquanto era atacado pelo petista. Todos os oito parlamentares do PSL com
mandato atualmente estavam ausentes da Câmara, porque participavam da
diplomação do presidente eleito no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). “É
curioso que o COAF não se empenhou da mesma maneira para investigar a gestão
petista. Agora, são só discursos para atacar Bolsonaro, que não tem nada a ver.
Qualquer investigação vai mostrar que não há nada de errado”, disse o deputado
eleito pelo PSL do Mato Grosso, Nelson Ned Previdente, conhecido como Barbudo.
O COAF participou de todas as grandes investigações de escândalos políticos
recentes, do mensalão à Lava Jato.
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