Marli Gonçalves
O celeiro de jovens atletas, em contêineres, bem ao lado de
cilindros de oxigênio, inflamáveis, explosivos, e onde nos papéis oficiais
deveria ser só um estacionamento. O restaurante e os prédios administrativos
bem abaixo no caminho da barragem que se rompeu, sem as sirenes que apenas
agora soam descontrolados aos ouvidos de outras cidades, de outras barragens.
As árvores, as pedras, que caem e que rolam, nem elas se aguentam de ver aos
seus pés sempre tanta sujeira, tantas construções irregulares. Pessoas
arrancadas de suas vidas em átimos, segundos, o tempo que piscamos
Nós piscamos. Eles, os que se foram, fecham os olhos. Para
sempre. Outros, os que fecharam os olhos durante muito tempo para esses erros
bárbaros, para essas tragédias mais do que anunciadas, previstas, cantadas,
soletradas, continuam. Sacando de seus bolsos, sabe-se lá se deixando cair
algum dinheiro ganho enquanto dormitavam, lenços, onde choram compungidos.
Consolam as vítimas, os sobreviventes, seus familiares, tentam explicar o
inexplicável, abrem suas rigorosas investigações lentas, decretam luto oficial,
bandeiras a meio mastro.
Foi assim em Mariana, foi assim em Santa Maria. Será assim,
talvez, em Brumadinho, nas cidades vizinhas alarmadas agora a todo instante.
Poderá ser assim em mais pontes e viadutos que se dissolvem, assim como o
asfalto vagabundo com o qual seguidamente recapeiam ruas e estradas, crateras
abertas, feridas em chagas que não se curam, bueiros e bocas abertas esperando
as suas próximas vítimas.
O descaso com que tratam as cidades, os espaços onde
vivemos, os espaços públicos e privados, as ruas por onde passamos, as estradas
por onde andamos, é aterrador. São os fios pendurados que eletrocutam, deixados
ali por uma empresa, pela outra que mexeu, por mais uma que precisou desligar
ou ligar. São as responsabilidades jogadas de ombro a ombro, de mão em mão, de
governo a governo, de uma esfera a outra.
Promessas ouvimos. Mas quem tem de fazê-las,
definitivamente, somos nós. Aos deuses, para que nos protejam dos perigos que o
descaso de anos nos têm sido seguidamente mostrados, e anos após anos. Câmaras
municipais dormentes dão nomes dos mortos às ruas e avenidas que os mataram –
afinal precisam ser homenageados, como dizem, para não serem jamais esquecidos.
Aqui e ali fazem leis que nem eles cumprem; outras, apenas ridículas. Em qual
vereador você votou nas últimas eleições municipais, lembra?
Assembleias legislativas? Ora, faça-me o favor. Olha a do
Rio de Janeiro, quase toda atrás das grades, por desvios, corrupção, fantasmas
bem vivos, laranjas espremidos, “rachadinhas” de salários. A de São Paulo
aguarda investigações; claro, se acharem alguém lá dentro daqueles corredores
vazios e inúteis para perguntar qualquer coisa. Eles, os deputados, certamente
dirão que estão nas suas “bases”, lutando por suas regiões, pelas cidades que
representam no Estado. Em qual deputado estadual votou na última eleição há
poucos meses, lembra?
Aí ficamos nós, daqui de nossas vidas, chorando, varrendo a
água para fora de nossas casas, recolhendo escombros e até culpando Deus por
tantas desgraças, assistindo ao show diário de insanidade e briga pelo poder no
Congresso Nacional, Câmara e Senado Federal. Lá longe. Lá no bonito Planalto
Central.
Volte para cá. Volte seus pensamentos de novo ao seu ao
redor. É nele que precisamos ficar atentos, fiscalizar, denunciar, fotografar,
registrar todos os pedidos que fazemos quando ( e se é que ) conseguimos ser
atendidos por algum canal oficial, e que são solenemente ignorados, até que um
dia…a casa cai, a árvore se mata e mata, o buraco engole, o prédio pega fogo, a
ponte cai, o rio transborda, o fio eletrocuta, a pedra rola do morro, a
barragem rompe…
Ah, não esqueça de pagar o IPTU. Ele está vencendo esses
dias. E o dinheiro que ele arrecada – pode ler no “carnê” – deveria servir para
que não amargássemos tantas tragédias nas nossas portas. Há também muitos
outros, além dos embutidos como linguiças em tudo o que compramos. Cadê o
dinheiro que tava aqui? O gato comeu, o urubu pôs fogo, a lama levou.
Marli Gonçalves, jornalista – Dizem que tenho sorriso
fácil. Pois vejam só: ele anda sumido nas últimas semanas. Cidades, ainda muito
burras, pleno e amargo 2019 marligo@uol.com.br e marli@brickmann.com.br
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