RIBAMAR FONSECA
Jornalista e escritor
O venezuelano Juan Guaidó já fez escola no Brasil: o
senador Davi Alcolumbre, do DEM do Amapá, autoproclamou-se presidente do Senado
e, na maior cara de pau, presidiu a sessão de abertura do ano legislativo,
empossando os novos senadores e conduzindo a eleição para escolha da nova Mesa
Diretora da Casa. Como seria de se esperar, pois nem todos os senadores
aceitaram o "presidente a la Guaidó", foi uma sessão tumultuada que
se prolongou por dois dias, terminando sob a presidência do senador mais idoso,
José Maranhão, conforme determinação do ministro Dias Toffoli com base no
Regimento Interno das Casa, e elegendo Alcolumbre para a presidência. Apesar de
exercer o seu primeiro mandato de senador, o político amapaense revelou muita
habilidade e um surpreendente poder de articulação, derrotando o experiente
senador Renan Calheiros, que era considerado o favorito. Para atingir seu
objetivo, no entanto, Alcolumbre contou também com o apoio do governo
Bolsonaro, escancarado pelo filho do Presidente, Flavio, ao declarar seu voto,
e da bancada do PSDB.
Na Câmara dos Deputados confirmou-se o favoritismo do
deputado Rodrigo Maia, do DEM do Rio de Janeiro, que se reelegeu com larga
maioria com a Esquerda dividida. Embora não tenha a maior bancada nas duas
casas do Congresso, o DEM elegeu os dois presidentes e passa a ser o maior
aliado de Bolsonaro, que precisa de ambos para aprovar as suas reformas. Ao
contrário do Senado, a Câmara realizou uma sessão tranquila, presidida pelo
deputado mais idoso, cumprindo rigorosamente o Regimento Interno, que determina
votação secreta. Graças a isso Maia, conforme esperava, contou com a traição de
parlamentares da Esquerda. Foi justamente por temer esse tipo de traição,
propiciada pelo voto secreto, que o senador Alcolumbre se bateu pelo voto
aberto, chegando a dizer que só entregava a presidência se a votação aberta
fosse mantida. A segunda votação foi secreta, após anulada a primeira, mas a
manobra do senador amapaense deu certo e ele foi eleito. Depois de acusar a
eleição de fraudulenta (na primeira votação apareceu mais votos do que o número
de senadores), o senador Calheiros renunciou à sua candidatura em sinal de
protesto. E tudo ficou mais fácil para Alcolumbre.
A eleição no Senado, porém, deixou evidente que nada mudou
na política brasileira com a ascensão de Bolsonaro à Presidência da República,
embora durante a campanha ele tenha prometido que acabaria com as políticas do
compadrio e do toma-lá-dá-cá. Houve uma expressiva renovação no Senado, mas
constatou-se que só mudaram as caras pois o enredo é o mesmo. Ficou claro mais
uma vez que o povo, que os colocou no Parlamento como seus representantes, só
serve mesmo em época de eleição, para elegê-los, pois a partir da posse eles
estão a serviço de interesses que não são necessariamente os interesses da
população e do país, o que será fácil de verificar na votação das chamadas
reformas do governo, em especial a reforma da Previdência, considerada
prejudicial aos trabalhadores. Os presidentes das duas casas legislativas,
aliás, já declararam que vão se empenhar para a aprovação dessas reformas. A
título de ilustração vale lembrar que, a exemplo de um deputado maranhense que
disse certa vez que era sempre governo pois quem mudava eram os governadores,
Rodrigo Maia, que foi homem de confiança de Temer, agora integra o time do
ex-capitão. Ele também é sempre governo, pois quem muda são os presidentes.
Há um outro detalhe muito interessante a observar na
eleição do Senado: o seu novo presidente, Davi Alcolumbre, já deu um mau
exemplo de respeito às leis, pois desrespeitou o Regimento Interno da Casa ao
assumir ilegalmente a sua presidência e ao impor o voto aberto, pois a regra
estabelecia que a sessão seria presidida pelo senador mais idoso e a votação
seria secreta. E mais uma vez o Parlamento deu sinais de fraqueza, ao mesmo
tempo em que fortaleceu o Poder Judiciário, ao levar a questão para ser decidida
pelo Supremo Tribunal Federal. O seu presidente, ministro Dias Toffoli, apenas
deu cumprimento ao Regimento Interno da Câmara Alta, inclusive argumentando
corretamente em sua decisão que o senador David Alcolumbre, como um dos
candidatos à presidência da Casa, não poderia presidir a eleição. Ou seja, os
parlamentares vão continuar recorrendo ao Poder Judiciário para decidir suas
pendências, dando ao Supremo o direito de interferir em suas questões internas
e, inclusive, de legislar, como tem acontecido. Com um Parlamento fraco vamos
continuar assistindo à supremacia do Judiciário, que já mandou invadir a sede
do Poder Legislativo e até prender, sem flagrante delito, senadores e
deputados, cuja imunidade está prevista na Constituição. E não se ouviu nenhum
gemido do Congresso.
Diante desse panorama, velho conhecido de todos, ninguém
tem dúvidas de que tudo vai permanecer como dantes: o Congresso, ao contrário
da sua missão constitucional, continuará sendo mero homologador das medidas do
Governo, até porque a oposição, dividida, não terá forças para conter as ações
deletérias do Executivo. A diferença é que agora o DEM, que detém o poder nas
duas Casas do Parlamento, vai exigir mais contrapartidas de Bolsonaro, que terá
de satisfazê-lo se quiser ver suas matérias aprovadas. O espetáculo será o
mesmo mas os eleitores não poderão se queixar, porque foram eles que elegeram o
ex-capitão e os parlamentares que acabam de tomar posse. Ou seja, além de
"canibais" e "ladrões", como disse o Ministro da Educação
do governo eleito por eles, o colombiano Velez Rodriguez, são também imbecís.
Só nos resta rezar para que um dia chegue a termo esta falsa democracia, de
fachada, segundo o ex-governador e jurista Claudio Lembo, para quem só uma
mobilização popular pode mudar esta situação. Oremos, pois.

Nenhum comentário:
Postar um comentário
Este blog só aceita comentários ou críticas que não ofendam a dignidade das pessoas.