segunda-feira, 4 de fevereiro de 2019

Renovação no Congresso não mudou nada na velha política


RIBAMAR FONSECA

Jornalista e escritor

O venezuelano Juan Guaidó já fez escola no Brasil: o senador Davi Alcolumbre, do DEM do Amapá, autoproclamou-se presidente do Senado e, na maior cara de pau, presidiu a sessão de abertura do ano legislativo, empossando os novos senadores e conduzindo a eleição para escolha da nova Mesa Diretora da Casa. Como seria de se esperar, pois nem todos os senadores aceitaram o "presidente a la Guaidó", foi uma sessão tumultuada que se prolongou por dois dias, terminando sob a presidência do senador mais idoso, José Maranhão, conforme determinação do ministro Dias Toffoli com base no Regimento Interno das Casa, e elegendo Alcolumbre para a presidência. Apesar de exercer o seu primeiro mandato de senador, o político amapaense revelou muita habilidade e um surpreendente poder de articulação, derrotando o experiente senador Renan Calheiros, que era considerado o favorito. Para atingir seu objetivo, no entanto, Alcolumbre contou também com o apoio do governo Bolsonaro, escancarado pelo filho do Presidente, Flavio, ao declarar seu voto, e da bancada do PSDB.

Na Câmara dos Deputados confirmou-se o favoritismo do deputado Rodrigo Maia, do DEM do Rio de Janeiro, que se reelegeu com larga maioria com a Esquerda dividida. Embora não tenha a maior bancada nas duas casas do Congresso, o DEM elegeu os dois presidentes e passa a ser o maior aliado de Bolsonaro, que precisa de ambos para aprovar as suas reformas. Ao contrário do Senado, a Câmara realizou uma sessão tranquila, presidida pelo deputado mais idoso, cumprindo rigorosamente o Regimento Interno, que determina votação secreta. Graças a isso Maia, conforme esperava, contou com a traição de parlamentares da Esquerda. Foi justamente por temer esse tipo de traição, propiciada pelo voto secreto, que o senador Alcolumbre se bateu pelo voto aberto, chegando a dizer que só entregava a presidência se a votação aberta fosse mantida. A segunda votação foi secreta, após anulada a primeira, mas a manobra do senador amapaense deu certo e ele foi eleito. Depois de acusar a eleição de fraudulenta (na primeira votação apareceu mais votos do que o número de senadores), o senador Calheiros renunciou à sua candidatura em sinal de protesto. E tudo ficou mais fácil para Alcolumbre.

A eleição no Senado, porém, deixou evidente que nada mudou na política brasileira com a ascensão de Bolsonaro à Presidência da República, embora durante a campanha ele tenha prometido que acabaria com as políticas do compadrio e do toma-lá-dá-cá. Houve uma expressiva renovação no Senado, mas constatou-se que só mudaram as caras pois o enredo é o mesmo. Ficou claro mais uma vez que o povo, que os colocou no Parlamento como seus representantes, só serve mesmo em época de eleição, para elegê-los, pois a partir da posse eles estão a serviço de interesses que não são necessariamente os interesses da população e do país, o que será fácil de verificar na votação das chamadas reformas do governo, em especial a reforma da Previdência, considerada prejudicial aos trabalhadores. Os presidentes das duas casas legislativas, aliás, já declararam que vão se empenhar para a aprovação dessas reformas. A título de ilustração vale lembrar que, a exemplo de um deputado maranhense que disse certa vez que era sempre governo pois quem mudava eram os governadores, Rodrigo Maia, que foi homem de confiança de Temer, agora integra o time do ex-capitão. Ele também é sempre governo, pois quem muda são os presidentes.

Há um outro detalhe muito interessante a observar na eleição do Senado: o seu novo presidente, Davi Alcolumbre, já deu um mau exemplo de respeito às leis, pois desrespeitou o Regimento Interno da Casa ao assumir ilegalmente a sua presidência e ao impor o voto aberto, pois a regra estabelecia que a sessão seria presidida pelo senador mais idoso e a votação seria secreta. E mais uma vez o Parlamento deu sinais de fraqueza, ao mesmo tempo em que fortaleceu o Poder Judiciário, ao levar a questão para ser decidida pelo Supremo Tribunal Federal. O seu presidente, ministro Dias Toffoli, apenas deu cumprimento ao Regimento Interno da Câmara Alta, inclusive argumentando corretamente em sua decisão que o senador David Alcolumbre, como um dos candidatos à presidência da Casa, não poderia presidir a eleição. Ou seja, os parlamentares vão continuar recorrendo ao Poder Judiciário para decidir suas pendências, dando ao Supremo o direito de interferir em suas questões internas e, inclusive, de legislar, como tem acontecido. Com um Parlamento fraco vamos continuar assistindo à supremacia do Judiciário, que já mandou invadir a sede do Poder Legislativo e até prender, sem flagrante delito, senadores e deputados, cuja imunidade está prevista na Constituição. E não se ouviu nenhum gemido do Congresso.

Diante desse panorama, velho conhecido de todos, ninguém tem dúvidas de que tudo vai permanecer como dantes: o Congresso, ao contrário da sua missão constitucional, continuará sendo mero homologador das medidas do Governo, até porque a oposição, dividida, não terá forças para conter as ações deletérias do Executivo. A diferença é que agora o DEM, que detém o poder nas duas Casas do Parlamento, vai exigir mais contrapartidas de Bolsonaro, que terá de satisfazê-lo se quiser ver suas matérias aprovadas. O espetáculo será o mesmo mas os eleitores não poderão se queixar, porque foram eles que elegeram o ex-capitão e os parlamentares que acabam de tomar posse. Ou seja, além de "canibais" e "ladrões", como disse o Ministro da Educação do governo eleito por eles, o colombiano Velez Rodriguez, são também imbecís. Só nos resta rezar para que um dia chegue a termo esta falsa democracia, de fachada, segundo o ex-governador e jurista Claudio Lembo, para quem só uma mobilização popular pode mudar esta situação. Oremos, pois.

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