José Sarney
Afinal a Reforma da Previdência passou em primeiro turno.
Primeira etapa vencida. Mas nos deixou muitos exemplos. O primeiro deles a
total falência dos partidos. Foi preciso o Presidente Rodrigo Maia, que
demonstrou uma extraordinária competência para construir uma engenharia
política para viabilizá-la, ocupar o lugar do Executivo e articular uma maioria
extraordinária dentro da Câmara, usando das práticas que fazem do regime
democrático o melhor — na expressão de Churchill, “o pior do mundo, fora todos
os outros”. Quais são elas? O diálogo, a negociação, a articulação entre os
partidos, a sensibilidade para aferir a opinião pública e, a maior de todas, o
convencimento da classe política de ser a matéria de interesse público
inadiável.
O Executivo durante todo o processo pareceu perdido num
cipoal que o levou a substituir dois ministros de articulação política e de
retirar a tarefa da mão de outro que se mostrou inapetente para a tarefa, dada
suas relações com o Presidente da Câmara. O próprio Presidente da República
teve de ir e vir, trocando farpas, nas quais era possível ver sombras da
política do Rio de Janeiro.
Outro ângulo foi a constatação já conhecida da fragmentação
dos partidos (trinta e três) de funcionar como tal, tendo como base a
disciplina e a coerência de pontos de vistas, já que nenhum deles tem programa
a executar — estes são apenas objetivos difusos esquecidos nas letras mortas
dos Estatutos partidários, não lidos pelos representantes nem ao menos
encontrados impressos, sobreviventes apenas pela descoberta da internet, onde é
possível encontrá-los sob a guarda do Professor Google.
Em nossa democracia representativa os representantes
eleitos não representam nada. Dez dias depois de cada eleição, eles não sabem
das ideias que os levaram aos parlamentos, a maior delas votar no amigo, o
apoio de cabos eleitorais, alguns cartazes e, hoje, algumas mensagens
conjunturais nas redes sociais. Basta ver na votação da Reforma da Previdência
que os principais entraves — causa das maiores discussões — eram as
reivindicações corporativas de sindicalistas, evangélicos, ativistas femininas,
minorias discriminadas (LGBT), ruralistas e outros menos votados. São
interesses setoriais defendidos por grupos corporativos.
Hoje, já é unanime a constatação de que a única
legitimidade que resistiu nos parlamentos é a geográfica, isto é, a que existe
nos países em que usam o voto distrital, onde o deputado representa o
território e a população do seu distrito e por isso mesmo, repetimos, é
legitimo.
Há 40 anos apresentei no Senado um projeto de Voto
Distrital, que pode ser misto ou puro. Dorme no sono profundo dos Anais do
Congresso Nacional, que Golbery dizia serem o único lugar em que se pode
guardar um segredo.
Enquanto isso, todos, tendo à frente os cientistas
políticos, são unânimes em afirmar que a democracia representativa agoniza.
Sua única e visível legitimidade passa a ser, na hora de
votar, ter amigo e ser amigo do eleitor.
José Sarney
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