O fantasma da verdade
Rosiska Darcy de Oliveira
O presidente da República se diz um homem espontâneo. Suas declarações escatológicas, na fronteira da insanidade e muito além da grosseria — a exemplo da política ambiental do cocô dia sim, dia não —, seriam a prova de sua autenticidade.
Palavras estapafúrdias tentam vender a imagem do improviso
de um homem simples e sincero. Ora, a pretensa espontaneidade faz parte de uma
estratégia complexa de manipulação fria das emoções mais irracionais, o medo, o
ódio e o ressentimento. Desde a campanha eleitoral, o presidente segue à risca
a cartilha de desinformação de Steve Bannon, coordenador da campanha de Donald
Trump cujas digitais estão nas campanhas bem-sucedidas de Salvini na Itália,
Orbán na Hungria e do Brexit no Reino Unido. O documentário “Privacidade hackeada”,
disponível na Netflix, descreve as entranhas dessa estratégia.
É parte dela sua recente escolha de assumir, sozinho, a
comunicação do governo. Em tom circense, de animador de auditório, suas
palavras não são ditas a esmo, têm um propósito, um alvo certeiro: iluminam sua
ribalta, pautam o debate, propagam mentiras, semeiam confusão. Convocam o que
há de pior nas pessoas.
Nas redes sociais e na mídia se discute “a última do
Bolsonaro”. Essa cacofonia abafa o ruído da demolição de tudo que se construiu
na defesa dos direitos humanos, nas ações de proteção ambiental, no combate à
proliferação de armas e preconceitos. Encobre a tragédia do desmatamento da
Amazônia, a desmoralização dos centros produtores de conhecimento e das
instituições que vertebram o Estado. O achincalhe internacional a que nos expõe
a ridícula política externa. O ataque covarde aos artistas. O perverso
desmantelamento da Comissão da Verdade. Esses atos são os verdadeiros
excrementos que envenenam e poluem o Brasil.
Fake news, que foram constitutivas da campanha eleitoral,
são essenciais ao seu modo de governar. O presidente “espontâneo” deve sonhar
com dizer sua absoluta mentira, falando sozinho. A verdade é o fantasma que
assombra esse homem.
O Globo, 19/08/2019
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