Dom Walmor Oliveira de Azevedo - Arcebispo Metropolitano de Belo Horizonte - MG e Presidente
da CNBB
Do galinheiro à praça foi sempre o caminho percorrido por
Santa Dulce dos Pobres, ao escrever sua história de vida, fé e santidade - vida
vivida para fazer o bem ao outro, particularmente ao pobre, ao indefeso e ao
injustiçado, vítimas de sistemas e dinâmicas perversas de exploração e
exclusão. Na praça, Santa Dulce sempre encontrou os pobres, os abandonados. Fez
de um galinheiro o lugar primeiro da exemplaridade, do cuidado, que é selo de
autenticidade da fé cristã. Santa Dulce
atravessava a praça para ir do outro lado, convencer corações em favor dos
pobres. São muitas as praças pelo mundo afora, com diferentes características.
Da alegria à indiferença, da liberdade à rigidez, da solidariedade à frieza dos
ritos, são muitos os personagens que contracenam nas praças do mundo. Alguns desses lugares não conseguem retratar
e dar espaço à espontaneidade do povo, cerceando seu direito e sua vontade de
expressar a alegria, a vibração. Outras praças se caracterizam pelos lugares
marcados e protocolos que enjaulam a espontaneidade, suprimindo o marcante
traço da identidade desses ambientes - a alegria. Mas há quem transforme praças
e galinheiros. Não é simples mudar o sentido de um espaço que originalmente é
um galinheiro. Galinheiro é sempre galinheiro. Só uma arte singular pode dar
sentido novo à praça e ao galinheiro. Santa Dulce é detentora dessa arte e, ao
ganhar a glória dos altares, presenteia o mundo com a força da sua
exemplaridade.
Por isso mesmo, ecoa uma forte interpelação: qual é o
segredo para fazer do galinheiro uma universidade do cuidado e da praça o lugar
da alegria e do encontro? Essa interrogação tem resposta, conceitualmente bem
formulada. Em Santa Dulce dos Pobres, a resposta é a lição vivida e
testemunhada. Sua vida burla a rigidez de ritos e normas. Por princípio, essa
transgressão pode promover o distanciamento do ideal de santidade, mas não o
inviabiliza, pois o amor é maior, pode tudo e tudo refaz. Consegue dar nomes
novos, desconcertar o rígido, encher de alegria o ensimesmado, revigorar o
fraco e plantar audácia solidária no coração. O amor quebra os grilhões das
burocracias e faz balançar as convencionalidades que engessam pessoas e, não
raramente, fazem apagar a esperança.
Santa Dulce sempre foi assim, ancorada na arte musical do
acordeão que tocava, como bálsamo de alegria para os corações prisioneiros, na
coragem da ousadia, muitas vezes entendida como desobediência; firme e
delicada, era capaz de driblar posturas enrijecidas e frias. Com leveza, sem sisudez, gerou o novo. Seu
amor de Santa dos pobres aponta um caminho para a Igreja, por vezes acachapada
por pesos de disputas e funcionamentos que cegam. Sua santidade mostra o
caminho da salvação do mundo e da Igreja, na contramão dos que buscam o
distanciamento, uma espécie de prevenção “asséptica” às proximidades. Expoentes
da literatura e das artes já disseram e demonstraram que a beleza pode salvar o
mundo. E Santa Dulce dos Pobres com o seu testemunho de vida comprova que a
santidade entendida e vivida como afeição tem força maior para mudar mentes,
vidas, corações e mundos.
A afeição da Santa brasileira, baiana, se consolida como
alavanca de mudanças, com propriedades para estabelecer milhares de conexões,
interligando o coração de crianças, jovens, adultos e até mesmo dos
indiferentes. Mesmo quem um dia desferiu uma cusparada em seu rosto, se rende
em favor dos pobres, pela força transformadora da sua afeição. Santa Dulce
compartilha um segredo e ensina “o caminho das pedras" para se realizar
muitos milagres. A afeição é remédio que cura os doentes, alenta os desolados,
levanta os caídos, fortalece os fracos, produz a sabedoria profética com força
para mudar o imutável. Quebra os grilhões de prisões que envelhecem e até
esclerosam a novidade do amor de Deus. A força da afeição sustenta milagrosa e
exemplarmente obras sociais, com ternura e vigor. O amor de Santa Dulce dos
Pobres é lição a ser aprendida. É capaz de mudar até mesmo os que não conseguem
viver amorosamente e, por isso, são incapazes de conquistar o que só o amor
pode oferecer - das obras sociais às transformações no coração.
A Igreja e a sociedade devem aprender as lições oferecidas
por Santa Dulce dos Pobres, para não sofrerem com desconexões e
distanciamentos, com operações estéreis e de pouca credibilidade. É hora de
novas dinâmicas na sociedade e na Igreja. Essa almejada novidade não é
invencionice ou desconsideração dos alicerces intocáveis da fé. Trata-se de
trilhar o caminho do amor, convencendo que a afeição restaura vidas, opera
mudanças com maestria, atualiza linguagens, congrega pessoas, agrega parceiros,
ganha os traços próprios das feições de Jesus de Nazaré, filho de Deus, Salvador
do mundo, mudando vidas e corações. Transforma galinheiros em lugares especiais
de cuidados. Reconfigura as praças, até aquelas de lugares marcados,
normatizados por friezas e distanciamentos. É tempo de aprender os segredos da
sabedoria que faz voltar aos galinheiros e convertê-los em exemplaridade,
ambientes do cuidado amoroso e transformador. A partir do amor, mudar
galinheiros, praças e outros lugares. É a lição de Santa Dulce dos Pobres!
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