sábado, 26 de setembro de 2020

Artigo de Dom João Justino de Medeiros Silva

Por que queimam a Amazônia, o Cerrado e o Pantanal?

"A necessidade de políticas públicas eficazes que protejam a Casa Comum é urgentíssima"

Dom João Justino de Medeiros Silva - Arcebispo Metropolitano de Montes Claros – MG

Novamente assistimos, com grande indignação, incêndios de grandes proporções arrasando longas extensões de terra em diferentes biomas do Brasil. Nas últimas semanas, diferentes fontes de informação mostraram o desastre ambiental provocado pela prática insana e criminosa de colocar fogo na vegetação. Ninguém ignora que o fogo destrói a biodiversidade e prejudica o equilíbrio ambiental: a vegetação é consumida, morrem os animais, desaparecem os insetos fundamentais para a polinização, o solo é empobrecido, os rios secam, contamina-se a atmosfera, o aquecimento global é acelerado e, não poucas vezes, o fogo atinge áreas habitadas, destruindo casas e espalhando terror.

A falta de consciência ecológica é uma praga em nosso país. São poucos os lugares desse imenso Brasil em que podemos encontrar, estampado na geografia das cidades e dos campos, o zelo ecológico-ambiental. Os exemplos contrários, por outro lado, são muitos: o hábito de jogar lixo nas ruas, a prática de amontoar restos de obra em terrenos baldios, a destruição do patrimônio público, o desrespeito à lei do silêncio, o descuido com os parques públicos, a poluição e destruição de nascentes, as caçadas e o tráfico de animais, sobretudo aqueles já em extinção... Uma lista maior poderia ser escrita. É vergonhoso ver que tantos brasileiros, habitantes de um território com riquezas naturais sequer ainda descobertas, ajam sob a égide da destruição. Em termos de queimadas, pode-se dizer de um ímpeto incendiário de grupos interessados em destruir a vegetação nativa para dar lugar ao pasto e à criação de gado ou mesmo dos investimentos do agronegócio. E, entre esses, há alguns que agem por si sós, quais aventureiros que se alegram com a devastação que o fogo produz. Não se pode descuidar, ainda, do problema do recurso às queimadas para preparar a terra ao cultivo. Esse expediente é histórico no Brasil e a ciência, por mais avançada que esteja, não consegue convencer aos que optam pelo fogo que, na verdade, estão mais a destruir que preparar o solo.

As leis que protegem o meio ambiente ainda são desconhecidas para grande parte da população e sua aplicação é ineficiente. Há governantes ineptos em todos os escalões e o desejo de levar vantagem em tudo macula a atuação dos políticos. Honestos ou desonestos, todos são cada vez mais desacreditados. Se a ganância de alguns ou a falta de ética de outros desmonta a credibilidade nas instâncias do poder público, corre-se o risco de a esperança arrefecer e o desânimo minar qualquer iniciativa de mudança. A necessidade de políticas públicas eficazes que protejam a Casa Comum é urgentíssima. Caso contrário, as gerações futuras estarão desabrigadas num planeta que outrora acolhera o ser humano, mas por ele acabou por ser destruído.

Há o pensamento de que se o mundo acabou uma vez com as águas do dilúvio, da próxima vez será destruído pelo fogo. Mas o fogo não tem saído das mãos do Criador, senão que sai das mãos da criatura. O trabalho arriscado e heroico de bombeiros, brigadistas e voluntários poderia ser poupado por uma consciência ecológica que implica inúmeras formas de cuidado com a Casa Comum. Quando, no último fim de semana, vi, aqui em Montes Claros, parte da Serra do Mel em chamas, ocorreu-me uma indagação: se isso é obra de um cristão, ele, por esse gesto, não teria se auto excluído da comunidade de fé quando atentou contra o Deus todo poderoso, criador do céu e da terra? Se obra de um cristão, será necessário a ele trilhar um caminho penitencial para o retorno à comunhão depois de ter cometido gravíssimo pecado ecológico.


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