Novo regime social
Auxílio emergencial é uma gota no oceano de desigualdade que a pandemia deixará
José Serra*
25 de fevereiro de 2021
O governo federal pagou cerca de R$ 300 bilhões a 70
milhões de pessoas, no ano passado, na forma de auxílio emergencial, que
simplesmente deixou de existir com a virada do ano. As dificuldades
financeiras, infelizmente, continuam tirando o sono de milhares de famílias em
nosso país. Conhecendo a situação em que vivem milhões de brasileiros, creio
que não nos podemos contentar com auxílio simplesmente emergencial. A parcela
de nossos concidadãos destituída de recursos para sobreviver precisa de apoio
permanente, o que exige um novo regime social.
O Executivo não se mostra interessado em aprovar o
Orçamento e já articula com o Congresso um auxílio emergencial em troca de
pequenas medidas de ajuste fiscal. É um erro. Deve-se aprovar o Orçamento,
condicionando eventual auxílio emergencial à adoção de uma nova ordem social no
País. Basta ouvir a voz dos que sofrem para chegar a essa conclusão.
Mesmo tardiamente, as lideranças políticas no País devem
começar a refletir sobre a enorme tristeza que passa pela alma de quem não tem
dinheiro para alimentar adequadamente a sua família. Difícil imaginar quão
sufocante e angustiante deve ser para as famílias, especialmente para as mães,
saber que seus filhos não terão condições de estudar e sonhar com um futuro
melhor. Sabemos que a educação é o único instrumento que pode romper o ciclo da
pobreza de várias gerações.
A pandemia piorou ainda mais essa situação. Com o vírus à
solta, as pessoas perderam renda e empregos. As crianças ficaram fora da
escola. Muitas não têm para onde ir e ficam nas ruas.
Nesse contexto, o que se discute em Brasília? A concessão
de uma nova rodada de socorro emergencial de, no máximo, seis meses. O
benefício, por ser temporário e sem nenhuma vinculação com outras políticas
públicas, devolverá as pessoas à situação de pobreza. Todos conhecemos isso e
os beneficiários, mais que todos. O auxílio não é mais que um paliativo de
curtíssimo prazo. Não oferece perspectiva alguma de mudança em médio e longo
prazos, leva essas famílias a viverem em constante estado de tensão, percebendo
que as autoridades propõem apenas uma migalha, sem dúvida necessária, mas
temporária.
Um novo regime social, com novas políticas públicas
permanentes, que possam assegurar às famílias carentes do nosso país maior
tranquilidade, e alguma perspectiva de melhoria das condições de vida, é disso
que precisamos. E pode ser feito com responsabilidade fiscal.
O governo não pode sair gastando sem planejamento, sem responsabilidade.
O orçamento público não é um saco de dinheiro sem fundo. Banco cobra mais caro
para emprestar ao cliente desorganizado com as próprias contas. Na
administração pública, quem empresta dinheiro para financiar políticas
governamentais também cobra mais caro se perceber farra e descontrole nas
despesas. E isso torna o endividamento mais caro, reduz a capacidade do Estado
para ajudar e afeta o conjunto da sociedade, sobretudo os mais vulneráveis.
Um novo regime social é o caminho que devemos seguir,
ancorado em renda básica, auxílio-creche e poupança pública para as famílias de
baixa renda. Essa agenda social pode se tornar viável, repito, com
responsabilidade fiscal se outros gastos do Orçamento forem revisados
seriamente. Apostar no auxílio emergencial? Sim, mas apenas para ganhar o tempo
necessário para o Congresso aprovar uma nova ordem social no Orçamento federal.
Lembro que as propostas aqui listadas, e outras de natureza análoga, já se
encontram em tramitação no Congresso, basta acelerarmos sua aprovação.
Penso também que esse novo arranjo social deve ser
coordenado com novas políticas públicas educacionais. Uma boa iniciava seria
obrigar a União a manter uma poupança para crianças nascidas em famílias de
baixa renda, segundo critérios e parâmetros predefinidos. Aportes extras nessas
contas poderiam ser feitos por familiares ou pessoas que queiram ajudar
financeiramente essas crianças. E aqui vem o mais importante: os recursos
acumulados na conta somente poderiam ser sacados quando o titular da conta
concluir o ensino médio. Certamente os jovens seriam estimulados a concluir
seus estudos.
Nunca é demais repetir que a responsabilidade fiscal deve
caminhar de mãos dadas com esse novo regime social. O programa que menciono,
baseado em poupança pública, poderia ser financiado com recursos da exploração
do petróleo e do gás natural. Não faltam medidas para potencializar a
arrecadação dos royalties pagos pelas empresas que exploram o setor no País. De
mais a mais, essa nova agenda social poderia ser bancada com economias de
despesas correntes provenientes de revisão de gastos não prioritários do
Orçamento fiscal da União. Basta instituir no País um bom sistema de avaliações
do gasto que obrigue a remanejar recursos de programas governamentais pouco efetivos.
Concluindo: o auxílio emergencial é uma gota no oceano de
desigualdade social que a pandemia deixará como legado. O Brasil precisa de um
novo regime social, permanente e fiscalmente sustentável.
*SENADOR (PSDB-SP)
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