O dia de ontem foi um momento assim. Em que a
individualidade cedeu lugar à coletividade. Um dia do qual devemos nos
orgulhar.
Curiosamente, há exatos 30 anos, o Brasil vivia um outro
momento de forte identidade coletiva. Em outro 15 de março deveria ter ocorrido
a posse do primeiro presidente civil e de oposição depois de 20 anos de
ditadura. O calvário pessoal de Tancredo, paradoxalmente, ajudou na
constituição e fortalecimento de laços coletivos.
Naquela época, pouco antes da morte do presidente, circulava
no país uma anedota que dizia que uma enfermeira se encontrava no quarto com
Tancredo quando ele começou a ouvir o barulho da multidão que se aglomerava na
porta do hospital, em orações e homenagens. Que barulho é esse? perguntou ele.
É o povo, presidente, o povo está todo aí embaixo, respondeu ela. E o que o
povo está fazendo aqui? Ele veio se despedir, presidente. Ué, e o povo tá indo
pra onde minha filha?, perguntou o presidente.
A delicadeza dessa cena fictícia, mas que combina bem com o
espírito de Tancredo, me vem à memória de tempos em tempos. Não podemos nunca
perder de vista que, em meio ao legítimo sentimento de indignação e revolta,
existe um tipo de agressividade e de radicalização do ambiente político que
interessa apenas àqueles a quem faltam argumentos, aos responsáveis pelo
descalabro do país.
A estratégia do PT tem sido clara. Para esconder a
verdadeira dimensão da insatisfação popular, tentam transformar todos os
críticos do governo em defensores de um golpe ou do impeachment da presidente.
Querem convencer o Brasil de que as manifestações populares, espontâneas,
nascidas no coração de milhões de brasileiros, são, na verdade, ações ardilosas
preparadas por partidos políticos. Não são. Fazem isso para não enfrentarem a
realidade de que o governo deve satisfação a milhões de brasileiros. Fazem isso
para tentar interditar o debate sobre temas que não interessam ao partido.
As ruas estão ocupadas por diferentes reivindicações e pela
indignação com a corrupção, mas também contra a hipocrisia do discurso de parte
das lideranças do país, que, por conveniência, e contraditoriamente, hoje
repudiam posições que ontem defendiam.
As manifestações desse domingo, que superaram todas as
previsões, não dizem respeito ao passado nem ao resultado das eleições. Dizem
respeito ao futuro. E, por isso, preocupam tanto o governo.
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