Laurez Cerqueira
(Autor, entre outros trabalhos, de Florestan Fernandes -
vida e obra; Florestan Fernandes – um mestre radical; e O Outro Lado do Real)
Nasci e vivi até 18 anos numa casa à beira de uma
estrada, recuada, com um vasto gramado na frente e, no meio, uma árvore enorme
chamada Tatarana, da família do pau-ferro.
Tronco pelado, esbranquiçado, folhagem miúda e densa.
Árvore forte, frondosa, de copa arredondada, resistente,
desafiava os longos períodos de seca, sempre verde. Enfrentou até raios, nos
temporais.
Tatarana enverga, mas não quebra.
Lampião deu o nome de Tatarana ao cangaceiro que ele mais
confiava.
Guimarães Rosa também deu o nome Tatarana a um de seus
personagens de Grande Sertão, Veredas.
Quando Riobaldo entrou para o bando de jagunços foi
batizado com o nome Tatarana, por ele ser o melhor de todos na pontaria.
Do tupi, tatarana quer dizer semelhante ao fogo.
A árvore era ponto dos cavaleiros que passavam pela
estrada, no passo mole, viajeiro, vindos de longe, serpenteando montanhas e
planícies.
Às vezes paravam para fazer uma visitinha, descansar na
sombra fresca. Amarravam os cavalos, entravam porta adentro para beber água,
tomar café, prosear um pouco. O tempo não era do relógio, mas da prosa.
Portas e janelas abertas o dia inteiro. Não sumia uma
agulha sequer. Ninguém tocava em nada do outro. Apesar da intimidade, da
liberdade, muito respeito à casa dos outros.
Era até cerimonioso. Na porta da casa, se chegasse
alguém, logo ia-se ao encontro para receber. Firmava o bridão do cavalo e a
cabeça do arreio, para o equilíbrio na hora de apear.
Como de costume, ao cumprimentar, num gesto de gentileza,
tiravam os chapéus e davam as mãos.
Eram matutos.
O matuto é nosso sábio.
Outro dia recebi a noticia que a tatarana tombou, vencida
pelas parasitas que lhe sugavam a seiva e pelo tempo.
A tatarana deu sombra e alegria a muita gente. Descanso e
paz aos animais.
Soube também que nasceu um broto dela, no mesmo lugar.
Forte como a mãe.
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