Edson Vidigal
Sob a quase aurora do meu quebra luz os ponteiros
irrompem afobados ferindo a inércia do dia, que já se ensaia lá fora se
prenunciando nem tão radioso.
O vento como se travado por uma súmula qualquer de algum
tribunal de Plutão ou da Via Láctea, talvez a sete, quem sabe, ignora
solenemente o recurso. Sem lactose, não há falar.
Não se sabe por qual onda, se dos oceanos ou das lagoas,
o vento mergulhou e sumiu como se dissesse agora me tira dessa. Súmula é uma
injeção que se aplica não conforme a dor, mas quando convém.
Antigamente, nas barrancas do Itapecuru, as mulheres
ficavam horas de molho no rio lavando trouxas de roupa suja. Batendo nos panos
com um cacete e os esfregando com sabugo de milho e sabão.
Das profundezas do pre-sal toneladas de lama se achando o
ouro negro formataram irresistíveis as milionárias propinas do petrolão.
Explica agora oh vento para as lavadeiras das beiras dos
rios ou dos riachos deste ainda nosso Brasil a diferença entre lavanderia de
roupa e a outra lavanderia, a de dinheiro que os juristas portugueses mais
apropriadamente chamam de branqueamento de capitais.
Me tira dessa, me tira dessa, reclama o vento preguiçoso
incapaz de mover, só por hoje, ainda bem, sequer uma folha nos arvoredos quase
secos das beiradas do Lago do Paranoá.
A flatulência dos esgotos desemboca pelos arroios dos
grandes rios em suas passagens suburbanas. Também pelos regatos das praias
urbanas, inclusive a de Iracema no Ceará e a do Olho D água no Maranhão.
O vento, sempre disposto, tem forças para espraiar esses
fedores. Mas hoje, não. Parece enojado com o que tem transcendido nas ultimas
vésperas.
Quando o General Figueiredo trocou a farda por um terno e
gravata e foi ao prédio do Congresso assinar a ficha de filiação à ARENA, sem o
que não poderia ser o candidato então imbatível porque sob as regras
especificas e direcionadas a favorece-lo, não sei já era uma jogada de
marketing do Said Farah, o cobra da sua comunicação, mas vi que o cigarro que
ele fumava era um Parliament. (Parlamento)
Naquele tempo ainda não havia o Serra para proibir
fumantes nos aviões, nos prédios públicos e nos locais fechados de acesso
público. O General fumou três Parliament`s. Estava disposto a fazer a abertura
politica. “Quem for contra a abertura politica, eu prendo e arrebento”. Afirmou
assim a sua convicção.
Não demorou e os bolsões radicais da linha dura fizeram
explodir uma bomba num primeiro de maio no Rio Centro, pouco antes do começo da
festa em celebração do dia do trabalhador.
A bomba parecia tão afobada que explodiu bem antes no
colo de um sargento do Exército. Foi a senha para o Presidente Figueiredo
esmorecer com a abertura. Golbery foi embora. Se quiseres saber mais, pergunta
ao vento.
Me tira dessa, me tira dessa. O vento hoje não quer saber
de nada. O vento hoje é até inocente. Não tem nada a ver com os incêndios que
se espalham. Nem com as chuvas que causam alagamentos, desabamentos, esbarrei
amentos, até afogamentos. Nem quando as chuvas não vêm.
Hoje, graças ao Serra, já não há mais cinzeiros nem
pontas de cigarro atiradas nos tapetes do Congresso Nacional. No meio do
caminho, entre o plenário da Câmara e o plenário do Senado, tinham muitas
pontas de cigarro.
Drummond, o poeta, contou que nada lhe deu mais aporrinhação
que o poema da pedra. Tinha uma pedra no meio do caminho. No meio do caminho
tinha uma pedra. Aos vinte e poucos anos escreveu aquilo como diversão. Por
brincadeira. Mas até o vento sabe o quanto o poema da pedra foi objeto de
estudos, polêmicas, até de teses de mestrado.
Me tira dessa, pede o vento. Me tira...
Edson Vidigal, advogado, foi Presidente do Superior
Tribunal de Justiça e do Conselho da Justiça Federal.
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