Dom Walmor Oliveira de Azevedo - Arcebispo Metropolitano de Belo Horizonte – MG
A sociedade brasileira carrega nos ombros o peso de
muitos problemas, um deles especialmente grave: a crise envolvendo os representantes
do povo. O que tem sido protagonizado na Praça dos Três Poderes, em Brasília,
causa perplexidade. São fatos com desdobramentos que atingem fortemente a
democracia, colocam em risco seus funcionamentos e propósitos. Por isso mesmo,
há uma demanda imediata para que se estabeleça amplo processo de revisão das
práticas e posturas nesses âmbitos, para que elas sejam balizadas por
parâmetros éticos. Assim, os representantes do povo, em suas responsabilidades
políticas, poderão valorizar e garantir a dimensão moral necessária à atividade
para a qual foram eleitos.
É inquestionável que hoje a maior parte das energias é
investida nas situações e interesses pessoais e partidários, deixando de lado o
que deveria ser prioridade: o supremo bem do povo. Não se reconhece que a
representação política significa a capacidade e a disposição de partilhar os
sofrimentos e as angústias do povo, buscando soluções para problemas sociais.
Além disso, falta aos representantes a luminosa razão que permite enxergar
problemas e intervir. Isso se revela na ausência de coragem para acabar com
privilégios e regalias que estão muito acima das necessidades reais para o
exercício da representação, mas que continuam a emoldurar o cotidiano de tantos
representantes do povo. Na verdade, essas “vantagens pessoais” agem como um
veneno contaminador. Induzem à equivocada crença de que toda representação,
longe de ser compreendida como serviço, é simplesmente a conquista de benesses,
de lugares que facilitam o enriquecimento a partir da corrupção.
Quem exerce a representação deveria estar sempre a
serviço da coletividade. No entanto, há um daninho vício de se valer do lugar
que se ocupa para adquirir mais prestígio e outras vantagens pessoais. Isso
compromete o bem comum e explica o constante “bate-boca”, os sucessivos e
recíprocos ataques, que objetivam a conquista de privilégios. Fica evidente que a corrupção política é a
mais grave deformação do sistema democrático, por ser uma traição vergonhosa
aos princípios da moral e da justiça social. O sério comprometimento no
funcionamento do Estado nasce da corrupção, que influencia as relações entre
governantes e governados e tira a credibilidade da representação política. Um
déficit que leva ao enfraquecimento das instituições representativas.
A Doutrina Social da Igreja Católica afirma que a
corrupção política distorce na raiz a função dessas instituições, “porque as
usa como terreno de barganha política entre solicitações clientelares e favores
dos governantes.” Lamentavelmente, esse mal se tornou um vício na sociedade
brasileira. Até quem pode agir de modo diferente, por não ter afundado, ainda,
nas dinâmicas da corrupção, corre o risco de ser envolvido nos processos que
comprometem o exercício da representação política. Consequentemente, prevalecem os interesses
que são restritos a pequenos grupos.
Se a dinâmica que prioriza interesses particulares não
for vencida, a representação política na sociedade brasileira só servirá para
aumentar a exclusão social e fomentar um gosto vicioso: o de ocupar cargos para
apenas se apropriar do poder, desconsiderando o bem do povo. Tudo mudaria se a
cultura dos que estão na administração pública, em qualquer nível, fosse
marcada pelo objetivo de servir aos cidadãos.
Porém, na contramão desse ideal, o Estado permanece apropriado pelos
interesses que contrariam o bem comum, guiado por encaminhamentos que não são
suficientemente lúcidos. Prevalecem as escolhas que sacrificam o povo,
principalmente o mais pobre.
Urgente é investir na representação política para
inverter os descompassos em curso, promover novas posturas, sem os vícios que
fazem os governantes gastarem a maior parte do tempo com infrutíferas
discussões e acusações. Só uma nova cultura nas dinâmicas da representação
política poderá reverter esses quadros desoladores. O investimento pode ser
alto, o percurso a trilhar certamente é longo, mas uma profunda mudança na
representação política é fundamental. Sem a necessária moralidade e a
consequente qualidade no exercício da representação política, continuará aberta
a ferida na democracia brasileira.
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