Edson Vidigal
Nada contra o Juiz despachar de onde for alcançado pelo
pedido urgente. Afinal, se há um agente público que não deve em lugar algum
desencarnar da função, por si só imensamente sublime, esse alguém é o Juiz de
Direito.
A atitude da Ministra Maria Thereza mandando ver do seu
Gabinete em Brasília ao lugar onde estava em trabalho, exatamente Paris, os
autos do “habeas corpus” que lhe coube por distribuição merece encômios.
Em nós outros, pobres mortais, acende-se uma chama, ainda
que tímida, mas insistente, a nos dizer que ainda vale a pena confiar na
humanidade.
Centenas de milhares de pessoas, jovens ou velhos, se
amontoam agrilhoados sob o peso invisível da injustiça mofando como se fossem
animais selvagens inofensivos por já não terem mais músculos saudáveis para
continuarem lutando.
Não é segredo que mais da metade dessas pessoas
encarceradas são presos provisórios, o que significa dizer que esse atual estado
de coisas, desorganizado, corrupto e cruel, sequer é capaz de lhes apontar uma
acusação formal que possa resultar em alguma culpa formada.
A força da lei hoje equivale à ineficácia das sumulas.
Quando interessa, vale. E o que se passa no coração dos Juízes ou Juízas lá no
fundo, quem é maluco de querer adivinhar? Ouse pensar. Só pensar. É ouvir a voz
da injustiça travestida de hermenêuticas talvez captadas de algum outro planeta
e ficar frio.
O entendimento de agora poderá vir a ser amanhã o mesmo a
prevalecer em sentido contrário.
A lei processual penal, por exemplo, determina que se a
presidiária, sentenciada ou não, é mãe de filho menor de 12 anos, pode o Juiz
converter a segregação em prisão domiciliar.
A Ministra Maria Thereza ante a requisição do remédio
heroico, o “habeas corpus”, para atender à súplica de uma mãe presa, ainda sem
culpa formada, agiu rapidamente e deferiu a liminar.
Desde ontem que a senhora Adriana Ancelmo, esposa do
ex-Governador Sérgio Cabral, do Rio de Janeiro, não mora mais no complexo
penitenciário de Bangú. Quem ficou lá, por enquanto, foi só o seu marido.
Os dois, como é público e notório, estão em prisão
provisória à disposição da Justiça Federal, sob graves acusações de malfeitos
contra o erário. O casal tem filhos menores e a Ministra do STJ entendeu que
eles, os filhos, carecem da companhia materna, na forma prescrita pelo Código
de Processo Penal, Artigo 318, Inciso V.
A Policia Federal deu uma geral no apartamento da família
Cabral para concluir que a doutora mamãe não fará uso de qualquer meio de
comunicação. O que, por tabela, pune também as crianças que ficarão sem
internet, sem celular. E tal.
Tudo seria melhor se todos os Juízes do Brasil, incluindo
Desembargadores Federais e Estaduais, e também Ministros e Ministras do
Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, mirassem no exemplo
da Ministra Maria Thereza e, assim, incontáveis pedidos de liminares em
questões de tanta urgência, urgentíssima, não restariam esquecidos.
Melhor sorte, porém, não teve a senhora Leide Diana Lopes
Conde, a qual apesar da semelhança fonética com a Princesa até hoje idolatrada
na Inglaterra, vai continuar na cadeia. Ela e o marido.
Horas depois o mesmo STJ negou à senhora Leide o direito
de cumprir a pena em casa de modo a dar assistência, apoio e carinho aos seus
dois filhos menores. Um de três anos e outro de 8 anos de idade.
É que na Constituição da República todos são iguais
perante a lei.
Edson Vidigal, Advogado, foi Presidente do Superior
Tribunal de Justiça e do Conselho da Justiça Federal.
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