Nonato Reis
Julião Amim Castro carrega consigo um pedaço da história recente. Poucos políticos no Maranhão construíram um currículo amparado em sólidos alicerces sociais. Desde a década de 70 já militava nas lutas de classes. Em 1980 ajudou a fundar o PT, legenda pela qual tentou e perdeu sua primeira eleição, resultado que se repetiria em 1985, na eleição de prefeito de São Luís, fazendo dobradinha com Jackson Lago. A ungida das urnas, como se sabe, foi Gardênia Gonçalves, que conquistou a simpatia do eleitor com um jingle de campanha que fazia referência a signos delicados como “amor e flor”.
Conheci-o em plena atividade de líder sindical. Eu dava
os primeiros passos na profissão, como repórter do jornal O Debate. Ele
presidia o poderoso Sindicato dos Bancários, organizando passeatas, conduzindo
greves, batendo de frente com o aparato repressor de uma época ainda dominada
pelo regime fardado.
Gostava de ver seus discursos inflamados à porta das
agências bancárias e sobre carros de som, expondo a revolta dos trabalhadores
ante à exploração da classe patronal.
Fiquei tomado de contentamento quando seu nome fora
indicado para compor com Jackson Lago a chapa alternativa de 1985 à sucessão de
Mauro Fecury, na Prefeitura de São Luís. Era o coroamento de anos de luta em
favor dos oprimidos e marginalizados pelo sistema.
Porém o Julião que ingressou na seara parlamentar em 1994
como deputado estadual, reelegendo-se seguidamente em 1998 e 2002; em 2006 para
deputado federal e novamente em 2015, assumindo o segundo mandato para a Câmara
dos Deputado, após intensa batalha judicial, parecia mais uma caricatura do
sindicalista que eu conheci.
O discurso perdeu peso, assumiu um tom morno, repetitivo.
Em nada lembrava o sindicalista que incendiava as assembleias dos bancários e
as portas das agências bancárias. Ao invés do brilho diante das câmeras e das
plateias, Julião optou por atuar nos bastidores, onde desenvolveu a habilidade
de bom articulador. Ali foi eficiente, discreto, indispensável. Aproximou-se de
Jackson e de tal modo o admirava que acabou por incorporar o tom de voz grave e
arrastado do comandante.
Quando Julião fala nos microfones de rádio é Jackson que
se tem a impressão de ouvir, tal a semelhança de estilos de narração e de
abordagem. Julião Amim não foi apenas um discípulo de Jackson, foi seu
confidente e até conselheiro. Junto com Aziz e Mauro Bezerra formou uma espécie
de triunvirato do poder, que agia ao redor de Jackson, sugerindo decisões,
filtrando reações, controlando o acesso. Ninguém chegava a Jackson se não por
eles.
Na Assembleia Legislativa, mesmo sem a luminosidade das
ruas, procurou atuar em favor do interesse público. Presidiu a importante
Comissão de Defesa do Consumidor e comprou briga com o cartel dos combustíveis.
Viajou pelo interior, inspecionando os postos de gasolina, comparou os preços
praticados lá com os da capital, e concluiu que aquilo era uma desfaçatez. “Não
pode, são mais de 20 centavos de diferença por litro, um absurdo”.
Fez
audiência pública, discutiu a relação desigual que existe entre o preço cobrado
e a qualidade de determinado produto. “As empresas se instalam aqui para
sugarem a economia do nosso Estado. Não investem para melhorar seus produtos”.
Deputado federal, mesmo atuando em Brasília, era presença
constante no palácio e em toda a estrutura do governo Jackson. Suas declarações
eram interpretadas como o próprio eco das mensagens do chefe. Aparentemente
calmo, às vezes saía da zona de controle e rasgava o verbo. Em entrevista ao
jornalista Djalma Rodrigues, para a Rádio Capital, extrapolou. O governo
mergulhara em denúncias de irregularidades, Jackson se desgastava perante a
opinião pública, Julião propôs que todos os secretários se demitissem e dessem
a Jackson a chance de reconstruir o governo, formar uma equipe afinada com suas
ideias e projetos.
A entrevista ganhou destaque nos jornais, repercutiu
fortemente na base de sustentação de Jackson, Julião se viu sob pressão por
criar um mal estar danando no governo, mas aguentou firme e não se retratou.
A política, como sabemos, é a arte de criar e contornar
conflitos. Eu a vejo na gênese da democracia. Ambas se alimentam do confronto
de ideias e pensamentos. Julião, um corajoso líder sindical, que sofreu as
agruras do regime de exceção e contra ele lutou bravamente, deixou lado o pudor,
quando precisou ser pragmático.
Em 2006, levado pela necessidade de fortalecer o seu
projeto político, Jackson Lago aproximou-se de Castelo e com ele selou a
aliança que o levaria ao poder. Julião não apenas apoiou a união, como ajudou a
costurá-la.
No evento que sacramentaria aquela coalizão, Julião
assumiu o microfone para saudar Castelo como um “grande companheiro”, que se
juntava ao PDT, “para resgatar o Maranhão do atraso e da pobreza”. Eu,
espremido a um canto no meu trabalho de repórter, pensei comigo: “quem te viu,
quem te vê.
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