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RIO – Quando meu saudoso colega e amigo César Mesquita,
diretor da Editora Francisco Alves, me telefonou, no dia 15 de outubro de 1974,
intimando-me a escrever um livro sobre as eleições de 15 de novembro de 1974,
tive medo de mim e do tempo. Ele me disse:
– Nery, temos exatamente sessenta dias para colocá-lo nas
bancas. Um mês para você escrever até 15 de novembro e um mês para editarmos.
– Mas, Cesar, o Brasil é muito grande. São 22 Estados. E
não o farei sem visitar, pesquisar, testemunhar um a um. E ainda publicar o
resultado.
– Vire-se. É preciso guardar para a história a nitidez
dos acontecimentos ainda não deformados pelo correr do tempo, nem ao sabor das
interpretações. Precisamos dar ao país um livro-documento sobre as eleições de
15 de novembro. Tem que sair até 15 de dezembro.
Sai viajando e escrevendo. Conversando e escrevendo.
Documentado e escrevendo. O governo, poderoso e soberbo, achava que a Arena
ganharia tudo, porque, em 1970, quase havia eliminado a oposição, a ponto de
muita gente do MDB achar que a oposição devia desistir e fechar o MDB.
Mas os povos só conquistam o amanhã quando têm líderes
que os ensinam a pensar. Os profetas, os sábios do Oriente, os filósofos
gregos, os enciclopedistas, os pais da Independência Americana, os estadistas
ingleses e franceses, esses é que plantaram a história com as mãos.
Veneza passou sete séculos sem que os doges pudessem
transferir o poder para um herdeiro. Foi a mais longa república democrática da
história.
À medida que ia chegando aos maiores Estados fui
percebendo que havia uma reação silenciosa na população e o governo podia levar
um susto.
E levou. Mais do que um susto, o governo foi literalmente
atropelado.
Perdeu em 16 Estados e só ganhou em 6, como contei e
documentei no livro que fez tanto sucesso: “As 16 Derrotas Que Abalaram o
Brasil”. Dos seis maiores Estados, perdeu em cinco: São Paulo, Minas, Rio
Grande do Sul, Pernambuco e Paraná. E só ganhou em um: Bahia.
No pais, a votação do MDB, somada, foi maior do que a da
Arena. Só as vitórias em dez dos onze maiores Estados (São Paulo, Rio Grande do
Sul, Guanabara, Minas, Paraná, Pernambuco, Estado do Rio, Goiás, Santa
Catarina, Paraíba, menos Bahia) mostraram que, se fosse para a presidência da República,
a oposição teria feito o Presidente e 16 governadores.
Qual o segredo da campanha e da vitória? Era duplo. Um,
orgulhosa cabeleira grisalha de galã de antigamente. O outro, modestos fiapos
de cabelos inteiramente brancos na cabeça nua. Um, mestre da cátedra. O outro,
catedrático da política. E aos dois, mais do que a quaisquer outros, o Brasil
ficou devendo, em 1974, o reaprender da velha lição, eterna como a humanidade,
do poder da palavra.
Ulysses Guimarães e Franco Montoro foram os generais da
guerra que a oposição ganhou no país. E brigaram na garganta. Poucas vezes, na
história do Brasil, dois homens falaram tanto a tanta gente em tão pouco tempo.
Basta pesquisar jornais e revistas do segundo semestre de 1974. Eles estavam
lá, dia a dia, indormidos, no plantão da palavra.
Desde o magnífico discurso com que, em 1973, navegando
com Fernando Pessoa, iniciou sua campanha de anticandidato à presidência da
República, Ulysses Guimarães havia continuado o caminho aberto um ano antes
pela bravura de Oscar Pedroso Horta, da volta do bom texto à política
brasileira. Na sessão do Congresso que elegeu Geisel, Ulysses de novo despertou
o país com um pronunciamento exemplarmente bem escrito.
E poderosamente forte. Não parou mais. Nas TVs ou na
imprensa, o presidente da oposição fornecia aos candidatos do MDB uma dose maciça
e permanente de ideias e frases que logo eram repetidas em milhares de
palanques. E quando a vitória chegou, ele a recebeu lúcido como sempre.
O tom de Franco Montoro era mais ameno, didático.
Ensinava:
– Na vida pública, como na ciência, os erros devem ser
investigados e não escondidos. Só a crítica pode corrigir as falhas e promover
o progresso.
Tudo simples, exato e evidente como a verdade. Por isso
seus programas de TV, nos Estados, estouravam índices de audiência:
– Montoro chegou, falou, virou.
Era o poder da palavra que Padre Vieira chamava de
sagrado poder.
A oposição, hoje, está perdida como o MDB de 1970.
Falta-lhe um Ulysses, um Montoro, que mostre ao pais a verdade escondida nas
gavetas dos Mensalões e da corrupção governamental comandada pelo PT. Lula fala
com a arrogância e a certeza da impunidade dos generais de 1974.
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